Alexandre Weffort:  O próximo golpe, o PSDB e o papel de Temer

Numa alegoria, podemos assumir que Temer está politicamente morto. Conserva-se no poder porque se encontra já embalsamado. Não cai, nem sai, porque está completamente amarrado, envolto em trapos, mumificado.

Por Alexandre Weffort

Aecio Neves Michel Temer

Mas os trapos de Temer emaranham as pontas em outros figurantes e figurões da política brasileira. A crise desencadeada pelas delações dos "donos" da JBS determinou a inexorável conclusão inglória da carreira política de Michel Temer, atual presidente do Brasil. Ilegítimo na forma de chegar ao poder, depois de ser (e até se queixar publicamente, enquanto vice-presidente) uma figura de segundo plano. Convencido da sua importância, Temer diz que não sai "se quiserem, me derrubem".

A gravação da conversa de um dos "donos" da JBS com Temer chacoalhou o cenário político. Mas há outros ingredientes a considerar, antes de podermos tirar conclusões. Os "donos" são os irmãos Batista, ou a JBS tem gente acima? Quais as consequências para o acordo de delação realizado?

A sua base de apoio estremece. No naufrágio iminente, os ratos abandonam o navio. Mas, em recuo tático, o PSDB segue a ordem de FHC e faz um compasso de espera. Diz o líder máximo dos tucanos que seria oportunismo desembarcar agora (1). Isto é, vai esperar para ver qual o momento mais oportuno (se existisse, utilizaríamos a expressão "oportunismo crasso").

Assinala a mídia que "Joesley e Wesley Batista registram, segundo a Forbes em 2016, um patrimônio pessoal, cada um, de R$ 3,1 bilhões de reais". A multa fixada no acordo de delação "foi apenas de R$ 110 milhões, a ser paga em 10 anos. Além disso, que a empresa se recusou a pagar os R$ 11 bilhões de multa requerida pelo Ministério Público em acordo de leniência" (2).

Janot, o PGR, defende o acordo realizado dizendo que "sem acordo de delação dos irmãos Batista, país seria ainda mais lesado" e, em defesa da sua própria iniciativa ("conceder o benefício da imunidade penal aos colaboradores"), acrescenta: "Mesmo diante de tais revelações, o foco do debate foi surpreendentemente deturpado. Da questão central – o estado de putrefação de nosso sistema de representação política – foi a sociedade conduzida para ponto secundário do problema – os benefícios concedidos aos colaboradores" (3). Os benefícios e os lucros cambiais, também.

Os "colaboradores" a que se refere Janot são citados na mídia como os "donos" da JBS. Mas a JBS é, na verdade, uma holding detida pelo grupo J&F Investimentos. Segundo a informação veiculada na internet, em "2008 [a J&F criou o Banco JBS especializado em crédito para o ramo do agronegócio, em 2010 tinha uma carteira de empréstimo de cerca de 230 milhões de reais" (4).

A propaganda da J&F Investimentos reza que "é o maior grupo econômico privado do país, atuando em diversos segmentos e tendo a participação de mais de 260 mil colaboradores no mundo. Criada em 1953, a J&F está presente em mais de 30 países e tem em seu portfólio empresas como JBS (líder global em processamento de proteína animal); Alpargatas (maior empresa de calçados e vestuários na América Latina); Vigor (maior empresa brasileira de derivados de leite); Flora (empresa líder em diversos segmentos de limpeza doméstica e higiene pessoal); Eldorado Brasil (maior e mais moderna planta para produção de celulose do mundo); Banco Original (banco com origem no agronegócio, em expansão para o varejo); além de atuação na área do agronegócio, com as empresas Oklahoma e Canal Rural" (5).

"Em março de 2012 o ex presidente do Banco Central do Brasil Henrique Meirelles assumiu da presidência da empresa." (4). Meirelles, depois de ter estado na direção do Banco Central do Brasil (entre 2003 e 2011, no governo Lula), assumiu a presidência do Banco Original, criado pela J&F (7) e em maio de 2016 ingressou no governo Temer como ministro da Fazenda.

Os "colaboradores", na expressão utilizada por Janot, "corromperam um procurador no Ministério Público Federal. Apresentaram gravações de conversas com o presidente da República, em uma das quais se narravam diversos crimes supostamente destinados a turbar as investigações da Lava Jato" (3). Esqueceu-se Janot de referir que os "colaboradores", a quem concedeu imunidade (estendendo o mecanismo da delação premiada até ao extremo, no benefício ao delator) foram também os empregadores de Meirelles, atual ministro da Fazenda (que já foi filiado no PSDB) e que surge como potencial substituto de Temer em caso de eleição indireta (estratégia defendida por FHC, Renan, e outros).

Mas, como salta à evidência, o Congresso não apresenta condições de idoneidade para a eleição indireta de um presidente. O fisiologismo reinante, a enorme quantidade de agentes políticos indiciados em corrupção, assim envolvidos no "estado de putrefação de nosso sistema de representação política" (para usar novamente uma expressão de Janot), mas também, a promiscuidade entre o mundo dos negócios e da política revela de forma gritante (vide a relação Meirelles / J&F, detentora da JBS, propriedade dos delatores de Temer), impedem logicamente de se seguir esse caminho e empurram o Brasil para uma mudança no quadro constitucional (essa é a estratégia de fundo da direita), a próxima e fundamental batalha política.

Batalha que terá que ser travada tanto no terreno dos princípios como da ação, na mobilização, no esclarecimento político e na organização das formas de participação popular, pelas Diretas, Já!

(1) https://www.meionorte.com/noticias/politica/saida-do-psdb-do-governo-temer-e-oportunismo-diz-fhc-318790
(2) http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/instituto-vai-ao-stf-para-cassar-acordo-de-delacao-de-donos-da-jbs.ghtml
(3) https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/05/23/artigo-janot.htm
(4) https://pt.m.wikipedia.org/wiki/J%26F_Investimentos
(5) http://jfinvest.com.br/quem-somos/apresentacao/
(6) http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/05/1885562-henrique-meirelles-esteve-ligado-a-controladora-da-jbs-por-4-anos.shtml
(7) http://exame.abril.com.br/negocios/meirelles-sera-presidente-da-j-f-controladora-da-jbs/