Alexandre Weffort: O próximo golpe, o PSDB e o papel de Temer
Numa alegoria, podemos assumir que Temer está politicamente morto. Conserva-se no poder porque se encontra já embalsamado. Não cai, nem sai, porque está completamente amarrado, envolto em trapos, mumificado.
Por Alexandre Weffort
Publicado 24/05/2017 10:35
Mas os trapos de Temer emaranham as pontas em outros figurantes e figurões da política brasileira. A crise desencadeada pelas delações dos "donos" da JBS determinou a inexorável conclusão inglória da carreira política de Michel Temer, atual presidente do Brasil. Ilegítimo na forma de chegar ao poder, depois de ser (e até se queixar publicamente, enquanto vice-presidente) uma figura de segundo plano. Convencido da sua importância, Temer diz que não sai "se quiserem, me derrubem".
A gravação da conversa de um dos "donos" da JBS com Temer chacoalhou o cenário político. Mas há outros ingredientes a considerar, antes de podermos tirar conclusões. Os "donos" são os irmãos Batista, ou a JBS tem gente acima? Quais as consequências para o acordo de delação realizado?
A sua base de apoio estremece. No naufrágio iminente, os ratos abandonam o navio. Mas, em recuo tático, o PSDB segue a ordem de FHC e faz um compasso de espera. Diz o líder máximo dos tucanos que seria oportunismo desembarcar agora (1). Isto é, vai esperar para ver qual o momento mais oportuno (se existisse, utilizaríamos a expressão "oportunismo crasso").
Assinala a mídia que "Joesley e Wesley Batista registram, segundo a Forbes em 2016, um patrimônio pessoal, cada um, de R$ 3,1 bilhões de reais". A multa fixada no acordo de delação "foi apenas de R$ 110 milhões, a ser paga em 10 anos. Além disso, que a empresa se recusou a pagar os R$ 11 bilhões de multa requerida pelo Ministério Público em acordo de leniência" (2).
Janot, o PGR, defende o acordo realizado dizendo que "sem acordo de delação dos irmãos Batista, país seria ainda mais lesado" e, em defesa da sua própria iniciativa ("conceder o benefício da imunidade penal aos colaboradores"), acrescenta: "Mesmo diante de tais revelações, o foco do debate foi surpreendentemente deturpado. Da questão central – o estado de putrefação de nosso sistema de representação política – foi a sociedade conduzida para ponto secundário do problema – os benefícios concedidos aos colaboradores" (3). Os benefícios e os lucros cambiais, também.
Os "colaboradores" a que se refere Janot são citados na mídia como os "donos" da JBS. Mas a JBS é, na verdade, uma holding detida pelo grupo J&F Investimentos. Segundo a informação veiculada na internet, em "2008 [a J&F criou o Banco JBS especializado em crédito para o ramo do agronegócio, em 2010 tinha uma carteira de empréstimo de cerca de 230 milhões de reais" (4).
A propaganda da J&F Investimentos reza que "é o maior grupo econômico privado do país, atuando em diversos segmentos e tendo a participação de mais de 260 mil colaboradores no mundo. Criada em 1953, a J&F está presente em mais de 30 países e tem em seu portfólio empresas como JBS (líder global em processamento de proteína animal); Alpargatas (maior empresa de calçados e vestuários na América Latina); Vigor (maior empresa brasileira de derivados de leite); Flora (empresa líder em diversos segmentos de limpeza doméstica e higiene pessoal); Eldorado Brasil (maior e mais moderna planta para produção de celulose do mundo); Banco Original (banco com origem no agronegócio, em expansão para o varejo); além de atuação na área do agronegócio, com as empresas Oklahoma e Canal Rural" (5).
"Em março de 2012 o ex presidente do Banco Central do Brasil Henrique Meirelles assumiu da presidência da empresa." (4). Meirelles, depois de ter estado na direção do Banco Central do Brasil (entre 2003 e 2011, no governo Lula), assumiu a presidência do Banco Original, criado pela J&F (7) e em maio de 2016 ingressou no governo Temer como ministro da Fazenda.
Os "colaboradores", na expressão utilizada por Janot, "corromperam um procurador no Ministério Público Federal. Apresentaram gravações de conversas com o presidente da República, em uma das quais se narravam diversos crimes supostamente destinados a turbar as investigações da Lava Jato" (3). Esqueceu-se Janot de referir que os "colaboradores", a quem concedeu imunidade (estendendo o mecanismo da delação premiada até ao extremo, no benefício ao delator) foram também os empregadores de Meirelles, atual ministro da Fazenda (que já foi filiado no PSDB) e que surge como potencial substituto de Temer em caso de eleição indireta (estratégia defendida por FHC, Renan, e outros).
Mas, como salta à evidência, o Congresso não apresenta condições de idoneidade para a eleição indireta de um presidente. O fisiologismo reinante, a enorme quantidade de agentes políticos indiciados em corrupção, assim envolvidos no "estado de putrefação de nosso sistema de representação política" (para usar novamente uma expressão de Janot), mas também, a promiscuidade entre o mundo dos negócios e da política revela de forma gritante (vide a relação Meirelles / J&F, detentora da JBS, propriedade dos delatores de Temer), impedem logicamente de se seguir esse caminho e empurram o Brasil para uma mudança no quadro constitucional (essa é a estratégia de fundo da direita), a próxima e fundamental batalha política.
Batalha que terá que ser travada tanto no terreno dos princípios como da ação, na mobilização, no esclarecimento político e na organização das formas de participação popular, pelas Diretas, Já!
(1) https://www.meionorte.com/noticias/politica/saida-do-psdb-do-governo-temer-e-oportunismo-diz-fhc-318790
(2) http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/instituto-vai-ao-stf-para-cassar-acordo-de-delacao-de-donos-da-jbs.ghtml
(3) https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/05/23/artigo-janot.htm
(4) https://pt.m.wikipedia.org/wiki/J%26F_Investimentos
(5) http://jfinvest.com.br/quem-somos/apresentacao/
(6) http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/05/1885562-henrique-meirelles-esteve-ligado-a-controladora-da-jbs-por-4-anos.shtml
(7) http://exame.abril.com.br/negocios/meirelles-sera-presidente-da-j-f-controladora-da-jbs/