Publicado 22/05/2017 15:53
A crise atual do Brasil coloca a questão simples: como foi possível o presidente da República cair na malha da investigação policial, sendo gravado ao telefone? O telefone deveria ser atendido por um subalterno, por exemplo, um mordomo (recordamos que essa era, aliás, a alcunha dada frequentemente a Temer enquanto vice de Dilma: o "Mordomo").
O baiacu (nome de peixe que provém do tupi, baîaku), também conhecido por peixe-balão ou sapo-do-mar, tem por características ser potencialmente venenoso (há que retirar uma glândula antes de ser consumido). Potencialmente mortal, a sua carne é considerada uma iguaria. Mas o que nos interessa no imediato da comparação é o fato de, sentindo-se ameaçado, o peixe inchar para afugentar seus inimigos, engolindo agua até ficar com o formato de um balão. Assim, acontece também, figuradamente, com Temer.
Temer reage à publicação da gravação do telefonema com uma comunicação inconclusiva. Não nega a conversa havida. Mas precisa do áudio para saber se consta da gravação tudo o que ele disse. Havendo cortes, Temer não pode dizer que não disse o que, de fato, disse, nem que não ouviu o que o interlocutor também, de fato, lhe disse. Mas pode alegar ter dito algo defensável, que desculpasse o indesculpável ato de omissão que praticou como Presidente (não alertando em seguida as autoridades para o que lhe havia sido revelado).
Por seu turno, perante a debandada que ameaçava sobre o seu gabinete (a expressão "os ratos abandonam o navio" é elucidativa), ensaia-se uma jogada mais forte. Alguma mídia antecipa: "Temer recebe solidariedade dos militares". A notícia revela o momento em que as chefias militares assistem à comunicação de Temer.
E, diz a mídia: "Na ocasião, a avaliação feita foi de que a fala de Temer foi “firme”, “contundente”, “convincente” e “curta, como deveria ser". Continuando, diz a mídia que o "gesto dos comandantes militares tem um importante componente político já que significará uma espécie de endosso das Forças Armadas a Temer, que é alvo de investigação do Supremo Tribunal Federal (STF), está sob julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e na mira de oito pedidos de impeachment no Congresso" (1). Diz-se em vernáculo: "não é pouca porcaria".
Mas, logo surge o desmentido: "O Centro de Comunicação Social do Exército informa que na tarde de hoje (19 de maio), convocados pelo Sr. Ministro da Defesa, os três Comandantes de Força compareceram a uma audiência com o Sr. Presidente da República, em que foi discutida a conjuntura atual. No encontro, foi destacada a estrita observância das Forças Armadas aos ditames constitucionais. O General Villas Boas, Comandante do Exército, reafirma que a atuação da Força Terrestre tem por base os pilares da estabilidade, legalidade e legitimidade, e ressalta a coesão e unidade de pensamento entre as Forças Armadas" (2).
Numa reação intempestiva, os movimentos de rua que se afirmaram na promoção do golpe que destituiu Dilma Rousseff, em uso sistemático da retórica da luta contra a corrupção, até avançaram com o pedido de destituição de Temer. O sinal de partida tinha sido dado pela Globo!. A militância golpista confundiu-se e avançou com o pedido de renúncia. Mas, logo recuaram. Afinal, seria como "morder a mão do dono". Kataguiri, do MBL, diz que "há motivo de sobra para investigar Temer nos áudios, mas eles são inconclusivos (…) Vamos suspender a posição pró-renúncia até que surjam novas informações"(4). Já o "Vem Pra Rua diz que cancelou ato anti-Temer porque PM não garantiu segurança; polícia nega" (5).
O "Princípio de Peter" é inexorável. A incompetência política das supostas lideranças das hostes golpistas começa a dar o seu sinal. Os movimentos MBL e VPR se desqualificaram no momento crucial. As suas lideranças, obviamente, devem obediência aos donos (a fotografia de Kataguiri com Cunha mostra quem é dono de quem).
O argumento mais forte de Temer é que o áudio terá sido manipulado. E esse será não apenas o mote da defesa de Temer, mas o do ataque a Janot e a Fachin. Segundo um conhecido comentarista político, a "Associação Nacional dos Peritos Criminais emitiu uma nota que dá conta da irresponsabilidade de Rodrigo Janot, que consistiu em levar ao Supremo uma gravação não periciada" (6) e disponibiliza o acesso ao dito áudio (com a duração de 38'48'').
O trabalho divulgado (o laudo em que se baseia a notícia) não é, também, do melhor nível: diz a mídia que "para elaborar o laudo, ele [o técnico] afirma ter usado o programa Audacity, uma ferramenta gratuita para edições de áudio caseiras", concluindo que "usou equipamento amador".
A narrativa (do áudio) começa com a viagem de carro – um programa de rádio atesta o momento – segue com os diálogos com a portaria, onde deixo o carro, etc., até à conversa do empresário com o Presidente, e acaba como começou, com a viagem de volta no carro e o programa de rádio em fundo.
A qualidade não é primorosa, mas dá para perceber o que é dito e, com algum tratamento (há melhor software para o efeito – o Audacity não é certamente a melhor opção), pode-se reduzir o ruído e perceber o que é dito. Na notícia, o técnico fala em ca. 50' de áudio (faltam, então, aprox. 10'). A diferença pode comprometer o uso jurídico da peça? A manipulação foi feita por quem? Dizem, nos romances policiais, que a melhor forma é seguir o rasto do dinheiro.
De quem foi a falha maior, Janot ou Fachin? Fachin envia o caso ao plenário do STF, determinando a realização de perícia técnica ao áudio. No mesmo sentido se pronuncia Janot, "embora certo de que o áudio não contém qualquer mácula que comprometa a essência do diálogo" (8). Voltando ao título desta crónica, há que extirpar a glândula ao baiacu, antes de o consumir.
E, aqueles que entendem mesmo do assunto jurídico, como a OAB, já noticiou o pedido de impeachment a Temer: "depois de mais de sete horas de reunião, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil decidiu na noite deste sábado (20), por 25 votos a 1, aprovar o relatório que recomenda que a entidade ingresse com pedido de impeachment do presidente Michel Temer" (9).
Temer o "inconclusivo" até diz que é legítimo que o façam. Mas, inchado como o baiacu, diz: "Eu não vou renunciar. Se quiserem, me derrubem, porque, se eu renuncio, é uma declaração de culpa” (10). Isto é, o interesse pessoal primeiro. A questão política fica em segundo plano, pouco importa a crise institucional brasileira.
Por isso, há que ajudar: Força Povo, sem medo, Fora Temer!
(1) https://www.reporterdiario.com.br/noticia/2353408/em-agenda-na-manha-desta-sexta-temer-recebe-solidariedade-dos-militares/
(2) https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/296676/Exército-explica-reunião-com-Temer-e-avisa-não-haverá-novo-golpe.htm
(3) https://extra.globo.com/noticias/brasil/mbl-vem-pra-rua-pedem-renuncia-prisao-de-michel-temer-apos-denuncia-21356819.html
(4) https://www.noticiasaominuto.com.br/brasil/389344/movimentos-anti-dilma-recuam-empedido-de-renuncia-de-temer
(5) http://www.bbc.com/portuguese/brasil-39971213
(6) http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/nota-da-associacao-de-peritos-contra-irresponsabilidade-de-janot/
(7) https://oglobo.globo.com/brasil/autor-de-laudo-citado-por-temer-usou-equipamento-amador-21372406
(8) http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/inq4483despacho.pdf
(9) http://g1.globo.com/politica/noticia/oab-decide-entrar-com-pedido-de-impeachment-de-temer.ghtml
(10) https://br.noticias.yahoo.com/eu-nao-vou-renunciar-se-quiserem-derrubem-diz-temer-105627125.html