Em um ano, Temer passa de "sei lidar com bandido" para "ingênuo"
Em maio do ano passado, logo após o golpe contra o mandato da presidenta Dilma Rousseff, durante reunião com aliados da sua base, Michel Temer disse em discurso exaltado que sabe governar, não é "coitadinho" e já "tratou com bandidos".
Publicado 22/05/2017 14:59
"Tenho ouvido: 'Temer está muito frágil, coitadinho, não sabe governar'. Conversa! Fui secretário de Segurança duas vezes em São Paulo e tratava com bandidos", disse ele batendo com uma das mãos sobre a mesa. "Então eu sei o que fazer no governo", completou.
Agora, há exato um ano, diante das revelações trazidas pela conversa gravada pelo empresário Joesley Batistas, da JBS, Temer disse que foi "ingênuo" por ter conversado em Joesley.
"Ingenuidade. Fui ingênuo ao receber uma pessoa naquele momento", disse ele, em entrevista publicada nesta segunda-feira (22), na Folha de S. Paulo. Ele disse não sabia que Joesley Batista era investigado, sendo que o noticiário deu amplo destaque ao fato, sendo o empresário alvo de busca e apreensão dias antes.
Temer disse ainda que recebeu o empresário no subsolo do Palácio do Jaburu, no fim da noite do dia 7 de março, porque imaginava que ele viesse falar sobre a Operação Carne Fraca – e não sobre as ações penais em que é réu.
"Mas veja bem. Ele é um grande empresário. Quanto tentou muitas vezes falar comigo, achei que fosse por questão da Carne Fraca. Eu disse: “Venha quando for possível, eu atendo todo mundo”, declarou Temer. No entanto, a operação só aconteceu dez dias depois do encontro, no dia 17 de março. Ou seja, ou Temer passou informações para o dono da JBF ou mentiu.
Daqui não saio
Isolado, Temer disse que não renuncia. "Eu não vou renunciar. Se quiserem, me derrubem, porque, se eu renuncio, é uma declaração de culpa", disse. Neste domingo (21), Temer tinha um jantar marcado com diversos aliados da base, mas teve que desmarcar porque ninguém compareceu.
Na entrevista à Folha, Temer tentou demonstrar segurança. Se disse perseguido, mas acha que tem conseguido dar explicação para o que chama de "gravação espetaculosa". "Tenho demonstrado com relativo sucesso que o que o empresário fez foi induzir uma conversa. Insistem sempre no ponto que avalizei um pagamento para o ex-deputado Eduardo Cunha, quando não querem tomar como resposta o que dei a uma frase dele em que ele dizia: "Olhe, tenho mantido boa relação com o Cunha", justificou ele, sobre a frase dita ao empresário "Mantenha isso".
Em outra escorregada, Temer admitiu que Cunha tentou acusá-lo com as perguntas que fez a ele no processo em que foi chamado como testemunha. "[…] o Eduardo Cunha lançou uma carta em que diz que jamais pediu [dinheiro] a ele [Joesley] e muito menos a mim. E até o contrário. Na verdade, ele me contestou algumas vezes. Como eu poderia comprar o silêncio, se naquele processo que ele sofre em Curitiba, fez 42 perguntas, 21 tentando me incriminar?", afirmou.
Ao ser questionado sobre a afirmação de Joesley, que fala em "zerar, liquidar pendências", Temer disse que não era dinheiro. "Não sei. Não dei a menor atenção a isso. Aliás, ele falou que tinha [comprado] dois juízes e um procurador. Conheço o Joesley de antes desse episódio. Sei que ele é um falastrão, uma pessoa que se jacta de eventuais influências. E logo depois ele diz que estava mentindo", afirmou. A pessoa de "eventuais influências" estava conversando com o presidente da República, recebido em uma reunião sem agenda.
A Folha perguntou se não era prevaricação ouvir um empresário dentro do Palácio do Jaburu relatar crimes, e Temer relativizou. "Você sabe que não? Eu ouço muita gente, e muita gente me diz as maiores bobagens que eu não levo em conta. Confesso que não levei essa bobagem em conta. O objetivo central da conversa não era esse. Ele foi levando a conversa para um ponto, as minhas respostas eram monossilábicas".
Sobre o deputado Rocha Loures, que já foi seu assessor, Temer saiu em defesa. Loures foi filmado correndo com uma mala com dinheiro pago pelo JBS. Temer diz que foi tudo montado e ficou irritado.
"O que ele [Joesley] fez? A primeira coisa, o orientaram ou ele tomou a deliberação: 'Grave alguém graúdo'… Não vou dizer isso, porque ele é um homem, coitado, ele é de boa índole, de muito boa índole. Eu o conheci como deputado, depois foi para o meu gabinete na Vice-Presidência, depois me acompanhou na Presidência, mas um homem de muito boa índole", disse.
Quando indagado sobre se considera que as ações da procuradoria poderiam ser uma "armação" da Procuradoria-Geral, Temer novamente demonstra irritação e admitiu que sentiu o baque.
"Eu percebo que você é muito calma [risos]. Espero que você jamais sofra as imputações morais que eu sofri. Eu estava apenas retrucando as imprecações de natureza moral gravíssimas, nada mais do que isso. Agora, mantenho a serenidade, especialmente na medida em que eu disse: eu não vou renunciar. Se quiserem, me derrubem, porque, se eu renuncio, é uma declaração de culpa", declarou.