Temer e a miséria do sistema institucional
Os últimos acontecimentos políticos deixaram um ar de incredulidade entre as pessoas. Será que atingimos o fundo do poço? A delação de um grande empresário que coloca em xeque o presidente da República, num enredo digno de House of Cards, joga luz sobre uma história que envolve nomes de grande peso político, empresarial e até jurídico (um procurador foi preso por espionar para uma grande empresa). E com isso tudo, podemos ter o segundo presidente cassado de seu mandato em menos de dois anos.
Publicado 21/05/2017 15:06
Mas engana-se quem pensa que isso é um ponto fora da curva. “Esse é o nosso padrão na política. Nós estávamos vivendo numa bolha democrática de 27 anos de respeito ao processo eleitoral”, afirma José Antonio Moroni, do Colegiado de Gestão do Inesc, nesta entrevista sobre o atual momento político brasileiro. “Nós temos uma tradição de golpes e conspirações de vices, esse é o nosso padrão.”
Para Moroni, que milita há anos na questão do fortalecimento dos processos democráticos do país e integra a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, a solução para a crise política no curto prazo é a renúncia do presidente Temer. “Não sei entretanto se ele tem essa estatura política para renunciar. Ele é um estorvo para a democracia brasileira.”
Confira a íntegra da entrevista:
Essa delação do dono da JBS caiu como uma bomba no meio político brasileiro. O que ela de fato representa?
Ela representa, e só confirma, aquilo que nós que militamos na questão do fortalecimento dos processos democráticos, da reforma do sistema político, afirmamos há muitos anos, que o nosso sistema político está falido e não está alicerçado na vontade popular, mas sim no poder econômico. Essa delação mostra isso, que o alicerce do nosso sistema político está no poder econômico. Compra o Parlamento, compra o Executivo, tem a prisão de um procurador que estava como espião de uma corporação no sistema de Justiça…
Então, acho que essa delação que apareceu nada mais é do que uma demonstração dessa prática política. Que é uma prática que sempre existiu no Brasil, não é uma coisa que surgiu agora. É uma prática do Estado que é dominado, que é controlado pelos interesses econômicos das nossas elites.
E agora, o que teremos? Cassação, renúncia ou impeachment? O que seria melhor para o país – ou menos traumático?
Temos duas possibilidades de cassação, por meio da Justiça ou do Parlamento, que seria o impeachment. O impeachment é um processo demorado, como nós vimos no golpe que foi dado contra uma presidenta eleita. É um processo demorado e acho que o país não tem esse tempo para estar processando um novo impeachment. Tem que ter uma solução mais urgente para essa crise política, que é oriunda de um governo ilegítimo, que foi colocado no poder pelo golpe.
A questão da cassação pode ser via o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que também não é muito rápida. O julgamento já está em andamento e a sua continuidade será no próximo dia 6 de junho. E nada garante que já tenhamos uma decisão nesse dia. Ainda há muita coisa nesse julgamento, e o Temer ainda pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), então esse processo ainda pode levar alguns meses. A gente não sabe o prazo da Justiça.
O que mais atenderia ao interesse do povo brasileiro e do Brasil seria a renúncia do Temer. Não sei, entretanto, se ele tem essa estatura política para renunciar, e perceber que ele é um estorvo, sempre foi, na democracia, um estorvo para sermos novamente um país democrático. O mais digno seria ele renunciar. Não sei se ele tem essa dignidade, até porque ele foi um dos conspiradores para derrubar uma presidenta eleita gostemos ou não dela, foi eleita pelo povo brasileiro. Então, o caminho mais rápido seria o da renúncia.
E a partir daí?
O depois abre várias possibilidades. Uma, que seria a pior de todos, e seria a continuidade dessa crise, é este Congresso altamente comprometido e eleito com recursos empresariais, eleja um presidente da forma indireta. Isso é continuar ou até aprofundar essa crise política. A outra saída seria aprovar rapidamente uma emenda constitucional chamando as Diretas Já.
É a PEC que o deputado federal Miro Teixeira apresentou?
É, mas acho que temos que ir além da PEC do Miro. Acho que é preciso convocar eleições gerais – para o Congresso, para governadores e presidente da República. A PEC apresentada pelo deputado Miro Teixeira só pega a questão da Presidência. Então é preciso mudar o conteúdo dessa PEC. Porque numa situação como a que vivemos, de intensa crise política, temos que pensar em propostas mais radicais. Não adianta você ter eleições diretas para presidente e para vice, e você continuar tendo um Parlamento altamente ilegítimo que deu um golpe de Estado.
Vivemos o pior momento político da história do país?
A gente percebe que muitas pessoas estão apavoradas sobre a atual situação, mas é preciso lembrar que esse sempre foi o nosso padrão na política. Nós estávamos vivendo numa bolha democrática de 27 anos de respeito ao processo eleitoral, ainda que ele seja falho e tenha mil problemas. Esse foi o maior período da nossa história que houve respeito às ruas. Desde a Proclamação da República que tem uma tradição no Brasil de presidentes eleitos não terminarem mandatos, nós temos uma tradição de golpes e conspirações de vices, esse é o nosso padrão. O nosso padrão na política é esse, o de não respeitar a vontade popular expressa no voto. E assim tivemos golpes em cima de golpes.
Nos últimos 27 anos , vivemos numa bolha democrática, com presidentes eleitos completando seus mandatos, com exceção do Collor. E esse curto período foi interrompido com o impeachment ilegítimo da presidenta Dilma – já está mais do que provado que não havia razão jurídica alguma para o impeachment dela. Portanto, esse é o padrão da nossa política, e nós precisamos mudar esse padrão.
Você está otimista em relação a isso?
Eu acho que a gente nunca pode perder o otimismo da ação. Essa conjuntura política abriu muitas possibilidades, de A a Z. Inclusive a possibilidade da direita e ultra-direita saírem fortalecidas desse processo. Então está tudo em disputa. Mas ao mesmo tempo nos abre a possibilidade, para o campo democrático e progressista, da esquerda, de colocarmos nossas agendas e estarmos rearticulando enquanto campo político. Temos hoje uma unidade que a gente não tinha há dois anos. Abriu-se uma brecha de oportunidades que poucas vezes tivemos no Brasil. Quando saímos da ditadura militar, em 1986, foi uma coisa negociada, acertada, aquela coisa de sair sem conflito. Tudo fruto de uma conciliação. A conjuntura hoje ela está tão complexa que acho que essa coisa de sair da crise por uma conciliação acho cada vez menos possível. Isso abre possibilidade para todos – tanto para nós como para eles também. É essa disputa que estamos fazendo e temos que fazer. E que nos próximos dias vai estar colocada ainda mais.