A contabilidade futurística animadora do BC e de Meirelles
O Banco Central tornou-se uma espécie de pitonisa alegre da economia brasileira. Como é absolutamente incompetente para conduzir a política monetária, especializou-se agora em projetar o crescimento futuro do PIB.
Por Roberto Requião*
Publicado 17/05/2017 18:44
Ele poderia estar nos explicando por que, a despeito da queda da inflação, mantém em níveis elevados e na verdade crescentes a indecente taxa de juros básicas no Brasil. Poderia nos explicar também porque deixa soltas as escorchantes taxas de aplicação do oligopólio bancário, espoliando a sociedade brasileira.
Não, o Banco Central finge que não tem nada a ver com essas questões que normalmente preocupariam instituições de sua espécie, como o FED norte-americano, que tem o combate ao desemprego como prioridade. De fato, em qualquer país onde altos funcionários públicos respondem por decisões cruciais nenhum deles, com responsabilidade no domínio monetário, deveria dormir tranquilo quando a queda da economia acumulasse quase 10% em três anos, como é nosso caso. Mas o Banco Central não tem preocupação com o passado. Está comprometido em inventar o futuro. Não o futuro real, mas o futuro abstrato.
Acaba de sair uma projeção elaborada nos escaninhos secretos do Banco Central segundo a qual a economia brasileira terá crescido 1,12% no primeiro trimestre. Não 1,11%, nem 1,13%. Exatamente 1,12%. É um sinal que o Banco está despachando para o conjunto da sociedade no sentido de tranquilizá-la quanto à recuperação da economia. Estaríamos em plena retomada. Para reforçar o argumento, convocou, junto com Henrique Meirelles, um grupo de parlamentares do PSDB para lhes garantir que, no último trimestre do ano, o PIB estará crescendo mais de 2%. Muitos se convenceram dessa história de carochinha e trataram de espalhar a boa nova no Congresso. Tornaram-se, como cegos, cúmplices da farsa.
Em que se baseia a contabilidade futurística animadora do BC e de Henrique Meirelles? Comecemos pelo desemprego. Se a economia no primeiro trimestre tiver crescido 1,12%, é de esperar que o emprego também tenha crescido proporcionalmente. No entanto, como todos sabem pelos números apurados pelo IBGE e não simplesmente projetados por Meirelles, o desemprego atingiu 13,7% no primeiro trimestre, com crescimento de 14,9% em relação ao quarto trimestre de 2016. Pelos números do Caged, as demissões em março superaram as contratações em 63 mil 624 postos de trabalho.
O setor Serviços, que representa cerca de 70% do PIB, ficou absolutamente estagnado. Crescimento de zero por cento. Dentro dele, o Comércio caiu 1,9% em março com relação a fevereiro. É a vigésima quarta queda consecutiva. Nos últimos 12 meses, o mergulho foi de 5,3%. A indústria, que vem perdendo cumulativamente peso no PIB, teve crescimento, sim, de 0,6% no trimestre, mas sem configurar qualquer tendência. Ao contrário, em abril, a venda de papelão ondulado, indicador de atividade industrial, caiu 4,3% em relação ao mesmo mês do ano passado.
As pitonisas do Banco Central devem ter apoiado suas projeções na única projeção favorável sinalizada na economia, a saber, na evolução esperada da produção agropecuária. As estimativas indicam que a produção agropecuária neste ano crescerá 3,2%. Acontece que a agropecuária representa não mais que 5,7% do PIB. Como consequência, o efeito máximo do crescimento agropecuário sobre o PIB não excederia 1,8% no caso do cumprimento dessa previsão. E a esse número deverá se contrapor a contração real que estará acontecendo em setores com muito maior participação no PIB.
De fato o Investimento, outro importante componente do PIB, e dentro dele a Construção Civil também estão virtualmente estagnados. O Investimento tem sido afetado pela brutal queda da demanda – sem ela nenhum empresário em sã consciência investe -, e a Construção, mesmo que favorecida por uma tímida recuperação da construção imobiliária, se ressente do estrago que a Lava Jato produziu na área da construção pesada.
Não gosto de me ater a numerologias. Prefiro os conceitos. Se estou recorrendo a esses números é para indicar minha indignação com a farsa montada pelo Banco Central. Ele está usando sua posição institucional não para servir ao povo brasileiro, como guardião da moeda e animador da economia com uma política monetária expansiva, essencial para a recuperação, mas para servir ao governo Temer em seu propósito de empurrar goela abaixo do Senado e da sociedade brasileira as chamadas reformas trabalhista e previdenciária.
Uma projeção otimista da economia, com a chancela do Banco Central, ajuda a tranquilizar os parlamentares que veem adiante o fantasma vingador das eleições. É preciso convencê-los a qualquer custo que a política econômica de Henrique Meirelles dará certo a fim de que não se associem ao fracasso. E a forma de fazer isso, a tempo de votar os projetos, é inventar projeções otimistas. Lá na frente, quando se verificar que as projeções falharam, não haverá problema: basta fazer outras projeções otimistas, como aliás vem acontecendo trimestre a trimestre.
Cuidem-se, pois, senhoras senadoras e senhores senadores, dos seus mandatos. Temer e Meirelles podem tudo, mas não poderão elegê-los se ficar claro que traíram o povo. As próximas eleições serão desafiadoras. A sociedade brasileira não perdoará os vilões da pátria e os ladrões de seus direitos. No ritmo da atual política econômica, desenhada para reduzir os espaços do setor público a fim de promover os interesses privados, e para reduzir o custo por trabalhador para garantir maior lucro ao capital, não há a mais remota possibilidade da recuperação da economia neste e no próximo ano.
Mesmo que apelem para medidas fisiológicas de investimento públiconão planejado e improvisado, não haverá tempo para resgatar o emprego o crescimento. E a degradação social em curso, não detectada pelos indicadores do Banco Central, se encarregará de dar a resposta aos traidores do povo enfrentando a moeda da fisiologia com a moeda do voto.
*Roberto Requião é Senador pelo Paraná no segundo mandato