“Lula não tem um processo justo”, diz Afrânio Jardim ao Vermelho
Em entrevista ao Portal Vermelho, um dos principais juristas da área processo penal no Brasil, Afrânio Silva Jardim, professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez uma análise do depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao processo que responde na 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, nesta quarta-feira (10).
Por Dayane Santos
Publicado 11/05/2017 14:43
“Ele (Moro) usou o interrogatório não como um ato de defesa, um meio de prova para a defesa, mas como uma tentativa de comprovar o que está dito na acusação. Esse não é o papel do juiz”, afirmou o jurista, que manteve durante pouco mais de dois anos contato frequente com o juiz Sergio Moro, responsável pelo processo da Lava Jato em primeira instância, tratando de pesquisas acadêmicas no campo jurídico.
Afrânio Jardim é procurador de Justiça do Tribunal do Júri do Rio de Janeiro aposentado, autor de diversas obras de processo penal e considerado um dos mais influentes pensadores acadêmicos do Sistema de Justiça Criminal no Brasil. “Não pode negar a importância decisiva do seu pensamento na formação de um espírito crítico, moldado com a sensibilidade de quem viu os ‘anos de chumbo’ da ditadura militar e compreendeu o papel histórico desempenhado pelos profissionais do direito neste palco”, disse o também professor da UERJ, Geraldo Prado.
Ele foi um entusiasta dos atos que cercavam o início das investigações da Lava Jato e, assim como todo brasileiro, defendia a importância das apurações. Mas as ações da força-tarefa e a conduta do juiz Sergio Moro fizeram com que ele rompesse com o magistrado e se tornasse um dos principais críticos.
“Antes da Lava Jato, eu me correspondia frequentemente com ele sobre o processo penal, matéria que leciono há alguns anos, e que ele também é doutorando. E em determinado momento rompi com ele”, conta Afrânio, explicando que tinha severas críticas à conduta do magistrado que, segundo ele, “estava se transformando num juiz que investiga”. “Isso compromete o grau que o juiz deve ter de imparcialidade”, argumentou o professor.
E acrescenta: “Não se trata de dizer que o Lula é culpado ou inocente. Seria leviandade minha dizer isso. Mas eu vejo que ele não tem um processo justo. Não está sendo dado a ele um processo regular, de um juiz imparcial com promotores serenos”.
Juiz inquisidor
Os argumentos de Afrânio Jardim são demolidores. Ele enfatiza que um juiz imparcial é o fundamento e um princípio do processo penal brasileiro e que o papel do juiz no interrogatório não é de procurar comprovar os fatos apresentados pela acusação. “Isso pertence ao acusador, neste caso o Ministério Público. O juiz deve estar entre as partes, deve ser imparcial e o interrogatório, principalmente, é um meio de defesa. É o último ato da instrução”, destaca.
A demonstração dessa parcialidade, de acordo com o professor, foi caracterizada pela “forma como foram feitas as perguntas e a insistência, questionando inclusive muita coisa que não é objeto da acusação”.
“E no final pediu que fossem feitas considerações pessoais sobre a fala política do ex-presidente, o que foi só para constranger, pois não está relacionado ao processo. E ainda perguntou: ‘O senhor vai continuar dizendo isso?’”, apontou Afrânio Jardim.
Exclusão de Moro em livro
Em seu perfil no Facebook, Afrânio Jardim se disse “indignado” com a atuação do juiz Sérgio Moro no depoimento do ex-presidente Lula e por conta de suas críticas pediu publicamente que um artigo do magistrado, publicado em livro que o homenageia, fosse retirado da obra.
“Após assistir a toda audiência em que ocorreu o interrogatório do ex-presidente Lula, no dia de ontem, fiquei indignado com a forma pela qual o juiz Sérgio Moro conduziu este ato processual. Por este motivo, solicito, de público, aos amigos Pierre Souto Maior Amorim e Marcelo Lessa, organizadores do livro Tributo a Afrânio Silva Jardim, que diligenciem junto à Editora Juspodium no sentido de que não conste, na sua terceira edição, o trabalho do referido magistrado”, afirmou ele nas redes sociais.
Ele explica: “Esta minha solicitação, além de ser motivada pelo inconformismo acima mencionado, tem como escopo evitar constrangimento ao próprio juiz Sérgio Moro, diante de críticas técnicas que venho fazendo a seu atuar processual. Ademais, alguns colaboradores da obra coletiva já se manifestaram desconfortáveis em figurar na companhia deste magistrado no aludido livro”.
Para o jurista, o ex-presidente Lula e o povo brasileiro foram “humilhados” e que “restou ‘esfarrapado’ o nosso sistema processual penal acusatório, que venho procurando defender nestes 37 anos de magistério”.
“O juiz Sérgio Moro me deixou triste e decepcionado com tudo isso. Como teria dito um ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, ‘estamos vivendo uma pausa em nosso Estado de Direito’”, concluiu.