Publicado 07/05/2017 13:22
Em discurso de pouco mais de 51 minutos, na abertura da etapa paulista do 6º Congresso do PT, ao lado do colega uruguaio Pepe Mujica, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desafiou a Lava Jato, a Rede Globo e a elite brasileira a disputar a eleição presidencial de 2018 com ele nas ruas. Mencionou a “burguesia que não se respeita, que aceita tudo o que vem dos Estados Unidos, da Europa” e acrescentou: “É pra essa burguesia que odeia tanto aqueles que lutam por direitos, que odeia tanto aqueles que querem democracia, que eu quero dizer: se preparem, porque agora eu quero ser candidato a presidente da República”.
O evento teve a presença dos senadores Lindbergh Farias (RJ) e Gleisi Hoffmann (RS); do presidente da CUT, Vagner Freitas; do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, e dos presidentes nacional e estadual da legenda, Rui Falcão e Emidio de Souza, respectivamente, entre outras lideranças.
Sem inicialmente citar a operação Lava Jato, o Ministério Público Federal ou estadual, Lula avisou: “Se quiserem tentar me impedir legalmente, que tentem. Vamos brigar na Justiça. Mas eu vou andar por este país. Vão ter que competir comigo andando nas ruas, conversando com o povo brasileiro”.
Dirigiu-se diretamente à empresa da família Marinho para fazer outro aviso, tanto à maior empresa de jornalismo do país como à imprensa tradicional: “Quero avisar alto e bom som: tudo o que eu quero é disputar as eleições contra o candidato da Rede Globo de televisão. Nós vamos regulamentar os meios de comunicação deste país”.
Quando citou a Lava Jato, foi para afirmar que a operação comandada, entre outros, pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, “quer destruir a política” brasileira. Na sequência, ainda se referindo à chamada "República de Curitiba", ironizou o PSDB e as consequências ao país da crise política. “Querem passar à juventude a ideia de que política não presta. E quando se faz uma pesquisa, o resultado dessa tese é o crescimento de um fascista chamado Bolsonaro. Eles devem ter se assustado, porque onde estão os tucanos? E o Lula, que querem destruir, parece um pé de mandacaru: está crescendo na seca. Não precisa da água da mesma maneira que não preciso de muita imprensa”, disse.
Na próxima quarta-feira (10), Lula deve ser interrogado por Moro em Curitiba, em audiência que estava marcada para o dia 3, mas foi adiada pelo magistrado por alegados motivos de segurança. “Eu tenho ficado quieto, porque vai ter o momento de falar”, alertou. Sobre ser acusado de criminoso pela mídia e por membros do Ministério Público, disse: “Eu tenho paciência, porque eles condenaram e prenderam o Zé Dirceu quando ele poderia ter respondido em liberdade. Mais grave do que a prisão é a destruição que tentam fazer na opinião pública em cima das pessoas. Há um pacto diabólico entre a operação Lava Jato e os meios de comunicação”.
Ele continuou: “Essa mesma imprensa que dizia [nas eleições municipais de 2016] que o PT acabou, dizia todo dia: ‘amanhã o Lula vai ser preso’. Faz dois anos que eu estou ouvindo isso. Se eles não me prenderem logo, quem sabe um dia eu mando prendê-los por mentiras que estão falando”.
Ao comentar as reformas em tramitação no Congresso Nacional – destacando a trabalhista e a da Previdência – declarou: “Estou muito mais preocupado com o que pode acontecer com a classe trabalhadora do que com o que pode acontecer comigo”.
Num momento emocionante de seu discurso, o ex-presidente falou da bárbara agressão sofrida pelo estudante Mateus Ferreira da Silva, em Goiás, no dia 28, quando ocorreu a greve geral que paralisou o país contra as reformas de Michel Temer. O garoto foi agredido pelo capitão da PM Augusto Sampaio de Oliveira Neto. “É esse país que nós queremos construir? É esse país, que quase chegou a ser o país mais otimista do planeta Terra?”, questionou.
Lula lembrou também da mulher Marisa Letícia, que morreu no dia 3 de fevereiro. “Dia 23 de maio ia fazer 44 anos de casados. Anteontem fez três meses que ela morreu. Eu tomava um uisquezinho com a Marisa. Eu ganhei um litro de uísque do Edinho. Cheguei em casa, coloquei uma dose pra ela, coloquei uma dose pra mim. Peguei o dela com a mão esquerda, peguei o meu com a mão direita, brindei e tomei os dois, porque ela não tava lá pra tomar o dela.”
“Sem partido não somos nada”
Em seu discurso, o ex-presidente do Uruguai, como em outras ocasiões em que participou de debates no Brasil, deu um tom filosófico à sua fala e ressaltou a importância da organização e da luta coletiva contra o individualismo, o capitalismo e o embrutecimento de homens e mulheres pelo capital. “Necessitamos de partido, da força coletiva. Sem partido não somos nada”, disse Pepe Mujica.
Segundo ele, “um partido grande”, para sobreviver, precisa conviver “com seus próprios defeitos” e reconhecer que é formado por “criaturas humanas com todas as suas grandezas e pequenezas”.
Ele resumiu a filosofia de que a luta política exige persistência. “Pelear, pelear, lutar, dar-se conta de que a luta é lenta e vai de geração em geração. Lutamos pelo poder? Não. Lutamos pela civilização humana, pelo progresso da civilização. Pertencemos a uma parte da espécie humana que luta pelo progresso da civilização degrau por degrau.”
Mujica destacou a “renda básica de caráter universal” e a luta contra a “robotização do trabalho” como essenciais à humanização da civilização contemporânea.
Criticou ainda o sistema político brasileiro. “Uma das desgraças maiores do Brasil é a proliferação de partidos. Não pode haver 30 projetos de país", afirmou, sobre o sistema eleitoral do país. Hoje, no Brasil, existem 35 partidos registrados de forma oficial.