Enio Pontes de Deus: Os impactos negativos da Terceirização
“Cabe a todos nós, cidadãos, trabalhadores, sociedade civil organizada, nos articularmos para lutarmos contra mais esse ataque aos direitos dos trabalhadores. O momento é grave e requer a união de todos em torno do mesmo objetivo de garantir que nenhum direito nos seja retirado”.
Por * Enio Pontes de Deus
Publicado 30/03/2017 22:27 | Editado 04/03/2020 16:23
Enquanto o país ainda tenta digerir os resultados da operação “Carne Fraca” da Polícia Federal, cujo estardalhaço da imprensa chamou a atenção do mundo inteiro, os nossos ilustres representantes (deputados federais) trabalharam quase na surdina para aprovar o Projeto de Lei 4330/2004, que permite a terceirização das atividades fins nos setores público e privado.
Na prática, a aprovação desse Projeto de Lei antecipa a Reforma Trabalhista que deverá ser a próxima pauta a ser enviada ao Congresso Nacional pelo governo Temer. Antecipa porque vai modificar a lógica da relação trabalhista atualmente em vigor no país. Esse modelo é herdado dos anos 1990, quando os ventos neoliberais começaram a soprar no país.
A adoção da terceirização vai retirar o trabalhador debaixo do guarda-chuva da Previdência e das relações da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Não há no Projeto de Lei aprovado na Câmara dos Deputados nenhuma menção a manutenção do direito a receber vale-transporte, alimentação etc. Por isso, uma antecipação da Reforma Trabalhista de Temer.
As empresas, sejam elas públicas ou privadas, deverão usar a lei da terceirização para precarizar ainda mais as condições de trabalho e salários. No serviço público a situação é igualmente grave. Apenas as chamadas atividades de Estado (Juiz, Auditor etc) não poderão ser terceirizadas. O estado estará amparado por lei para, por exemplo, contratar professores, em todos os níveis de ensino.
Algumas situações se apresentam gravíssimas: o estado poderá optar por não fazer concurso público para contratar professores em substituição àqueles que estarão se aposentando ou, numa situação de greve, poderá contratar professores terceirizados para substituir os grevistas. Concretamente, haverá o prejuízo ao direito de greve, consagrado pela Constituição. São circunstâncias que poderão vir a fazer parte do nosso cotidiano como professores.
Não será surpresa se começarem a surgir cooperativas de professores, criadas exclusivamente para prestarem serviços ao Estado. Ou seja, a relação deixará de ser regida pela CLT, para ser tratada como uma relação contratual, no âmbito do Direito Civil. Isso pode representar o fim dos concursos públicos no país.
Com a terceirização a meritocracia será trocada pela escolha das empresas terceirizadas. Como estamos no Brasil e a prática do apadrinhamento político faz parte, infelizmente, da cultura da política com “p” minúsculo, haverá as condições ideais para o retorno dos famosos “trens da alegria”. Alguém duvida?
Esse Projeto de Lei representa um retrocesso absurdo. Após as importantes e consagradas conquistas dos trabalhadores, advindas sobretudo com muita luta e após a criação da CLT, como o 13o salário, férias remuneradas, o direito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), e no serviço público a estabilidade do emprego, estamos próximos de voltar à época da exploração cruel da mão-de-obra, quer seja qualificada ou não. Os mecanismos de defesa contra a perda de direitos nesse modelo praticamente não existem.
Cabe a todos nós, cidadãos, trabalhadores, sociedade civil organizada, nos articularmos para lutarmos contra mais esse ataque aos direitos dos trabalhadores. O momento é grave e requer a união de todos em torno do mesmo objetivo de garantir que nenhum direito nos seja retirado. Já basta a maldade que estão tentando fazer com as nossas aposentadorias, agora pretendem mudar as regras do mercado de trabalho que nos atingirão, mas também os nossos filhos e netos. Precisamos mais do que nunca combater o bom combate.
*Enio Pontes de Deus é professor, secretário-geral da ADUFC-Sindicato, coordenador regional do Núcleo da Auditoria Cidadã da Dívida no Ceará e coordenador adjunto do Fórum Estadual de Educação.
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