Regina Ribeiro: O verdadeiro fantasma do Alvorada
“Um leitor atento aos fatos poderá perguntar o que está acontecendo com a moral à flor da pele que movia a orquestra uníssona contra a corrupção que dominava o discurso promovido por uma oposição que agora sabemos quais eram seus reais interesses.”
Por Regina Ribeiro*
Publicado 17/03/2017 10:37 | Editado 04/03/2020 16:23
Ano passado por essa época, a Folha de S. Paulo já havia estampado um editorial de capa – dos três que o jornal publicou durante o segundo governo Dilma Rousseff – sisudo, sugerindo que a presidenta renunciasse. A base do editorial era a impopularidade apontada pelas pesquisas do Datafolha, a situação econômica ruim e as manifestações nas ruas contra a corrupção. O deputado Eduardo Cunha dominava a Câmara e já havia decidido encaminhar para o plenário o processo de admissibilidade do impeachment da presidenta. As manifestações contra a Dilma eram acompanhadas em todo o Brasil num movimento crescente. O pato da Fiesp já era uma celebridade.
Na última quarta-feira, começou um novo ritmo de manifestações contra o governo Temer. A base poderia ser a mesma: a impopularidade do presidente, que é maior do que a de Dilma; a economia, que, embora aponte queda de inflação e um certo ânimo dos agentes, na prática continua estável no que tinha de ruim, com altíssimos níveis de desemprego. E o que dizer da corrupção? O próprio presidente é um dos citados na Lava Jato, junto com seis ministros, fora os que já caíram envolvidos em escândalos político-financeiros. Paulo Skaff, pai do pato da Fiesp, também foi alcançado pela Lava Jato, acusado de receber dinheiro sujo da Odebrecht. As manifestações recomeçaram com o mote da reforma da Previdência.
Após uma olhada rápida para a imprensa escatológica de março de 2016 – Folha, Estadão e O Globo – apenas a Folha pôs as manifestações de quarta-feira na manchete da edição de quinta. Durante a quarta, quem acompanhou os sites de notícias desses jornais não conseguia perceber o tamanho nem a envergadura das manifestações que corriam pelo país.
Um leitor atento aos fatos poderá perguntar o que está acontecendo com a moral à flor da pele que movia a orquestra uníssona contra a corrupção que dominava o discurso promovido por uma oposição que agora sabemos quais eram seus reais interesses. Michel Temer não gostou do Palácio da Alvorada. Disse que “sentia uma coisa ruim”. Vai ver era o mesmo sentimento de Claudio, rei da Dinamarca, personagem de Hamlet. No caso de Temer, poderá estar atormentado com seu próprio fantasma.
*Regina Ribeiro é jornalista
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