Publicado 28/02/2017 17:41
Como escreveu o professor Wanderley Guilherme dos Santos, "o que fazer com o sistema Globo de comunicação é um dos mais difíceis problemas a solucionar pela futura democracia brasileira. A capacidade de fabricar super-heróis fajutos, triturar reputações e transmitir versões selecionadas e transfiguradas do que acontece no mundo, lhe dá um poder intimidante a que se foram submetendo o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. A referência aos três poderes constitucionais da República resume a extensão do controle que o Sistema Globo detém e exerce implacavelmente, hoje, sobre toda e qualquer organização ou cidadão brasileiro. "
De fato, as organizações Globo não satisfeitas com o monopólio da pauta dos três poderes, através da imposição de agendas que definem a ação e/ou reação dessas instâncias, resolveu (a partir de 2014) investir noutra estratégia: como ocorrera com sucesso em 1964, foi feito todo um investimento com vistas a colocar a classe média nas ruas para dar o respaldo ao golpe.
Certos de que pela via eleitoral os históricos capangas da democracia e da cidadania brasileiras, os velhos e os neocoronéis da política tupiniquim, não chegariam ao poder, as organizações Globo utilizaram-se da sua emissora, a TV Globo, para investir fortemente no aliciamento dos setores conservadores e de direita que comungam dos mesmos interesses, percepções e desejos: uma sociedade de e para poucos. Assim, criariam, mesmo que artificialmente, a justificativa para o sopapo parlamentar-jurídico-empresarial e elitista.
Como fizera em 1964 as Forças Armadas e as elites da Igreja Católica, a Globo inicialmente empenhou-se numa ampla campanha para aflorar os sentimentos de medo, ansiedade e inquietação na sociedade; depois, utilizou em doses cavalares do jornalismo para injetar o veneno do ódio contra os segmentos que pleiteiam uma sociedade mais justa e igualitária, encarnados no Partido dos Trabalhadores e nas políticas públicas de ampliação da cidadania implementadas na última década. Com essa estratégia, o braço televisivo das organizações Globo conseguiu agregar nas manifestações domingueiras o suprassumo do fascismo nacional: os setores conservadores, ultraconservadores e de mentalidade escravocrata da classe média, as corporações dos filhos dessas elites (principalmente castas dos setores da advocacia, justiça e medicina) e, como sempre acontece nos episódios de manipulação de massas, os bobos da corte ludibriados pela cantilena do combate à corrupção. Emanados em máximas do tipo "primeiro tiramos Dilma, depois…", milhões ocuparam as ruas impulsionados pelas transmissões ao vivo, glamorosas, da emissora oficial do golpe.
Ora, a estratégia de vitaminar as manifestações domingueiras era a cortina de fumaça a ser criada para justificar o golpe parlamentar e sua posterior sacramentalização pela justiça. Era preciso bradar que a sociedade clamava por mudança e que tal mudança significava apear a presidente legítima do poder e entronizar Temer e sua camarilha. Ou seja, o bando desqualificado de larápios no parlamento e os capapretas do Supremo precisariam respaldar o assalto à Constituição pelos "clamores das ruas", como mostrava aos quatro cantos a TV Globo.
A máfia platinada percebeu que somente com tal desculpa esfarrapada conseguiria consolidar o bando político no poder.
E é justamente pelo mesmo motivo que nunca, jamais e nem nos sonhos a Tevê Globo transmitirá espontaneamente qualquer manifestação popular contra Temer. Afinal, não será a Globo que criará as condições a desencadearem manifestações e revoltas populares com vistas a destronar aqueles que a ela servem. Só um idiota não percebe isso…
A Globo é a verdadeira saúva que destrói sistematicamente a democracia no Brasil. Desde sua criação, na década de 1960, com o apoio e dinheiro dos Estados Unidos e as bênçãos das elites nacionais, as organizações Globo têm como único fundamento servir aos interesses de tais grupos.
O professor Wanderley Guilherme dos Santos aponta uma saída: "O que há a fazer é expropriar politicamente o Sistema Globo de Comunicações, mantendo-o autônomo em relação aos governos eventuais (ou frentes ideológicas de infiltradas sanguessugas autoritárias), e implodir as usinas editoriais e jornalísticas do medo e de catástrofes emocionais, restituindo isenção aos julgamentos de terceiros. "
Poderia ser um caminho…
Mas, é fato que no momento atual, as esquerdas e os setores comprometidos com uma democracia inclusiva devem focar seus esforços no Fora Temer, exigindo novas eleições de imediato e a retomada de uma democracia pelo menos procedimental.
Mas, não nos enganemos: tão importante como eleições diretas para dar legitimidade ao governo, três reformas são fundamentais para desmontar as estruturas que conspiram contra o povo brasileiro: além da evidente reforma do sistema político, uma reforma do sistema de justiça (historicamente comprometido com a Casa Grande) e uma reforma que permita um sistema de comunicação público, com a quebra dos oligopólios midiáticos, principalmente o desmonte da organização que é o maior e mais poderoso perigo à nossa democracia: a Globo.
*Doutor em Ciências Sociais e professor da PUC Minas.