México-EUA: relações incertas na era Trump
Quando Enrique Peña tomou posse da presidência do México em dezembro de 2012 nunca imaginou que teria viver momentos mais ríspidos que os atuais nas relações com os Estados Unidos.
Publicado 28/02/2017 12:39

Menos que suas reformas estruturais na área econômica, que privilegiam o investimento estrangeiro e as exportações, estivessem em perigo como hoje acontece com a administração de Donald Trump.
A história entre os dois países tem sido complicada, ao extremo de que o México perdeu mais da metade de seu território no século XIX pelas apetências expansionistas de seu vizinho do norte.
Mas, até há pouco, Estados Unidos era um vizinho, amigo e parceiro
estratégico do México, segundo a linguagem utilizada na chancelaria mexicana e nos altos funcionários governamentais, incluído o chefe de Estado.
'O México não está maneta', afirmou por estes dias o porta-voz presidencial, Enrique Sánchez, perante versões de que o novo presidente americano ameaçasse enviando tropas ao vizinho do sul para combater às bandas do narcotráfico.
A irrupção do multimilionário republicano transtornou uma relação que embora era assimétrica, mantinha múltiplos canais de comunicação e acordos bilaterais sobre temas de alto interesse para ambos os países.
Trump elevou tanto o tom da discórdia com o México que ambas as partes tiveram que desmentir que o mandatário americano tinha ameaçado com uma intervenção militar durante a ligação telefônica em 27 de janeiro com Peña Nieto.
A 'filtração' esteve a cargo da agência noticiosa Associated Press (AP), e para o porta-voz da Presidência mexicana toda a ofensa em torno a ligação dos governantes é uma manobra para debilitar a Peña Nieto face às negociações pendentes com os EUA.
Nossa Constituição proíbe operações de tropas estrangeiras em território nacional, assinalou Sánchez. O que disse o presidente Peña Nieto a Trump é que algo teria de fazer sua administração para atalhar o tráfico de armas e de dinheiro ilegal que alimenta ao crime organizado no México. Na verdade, tudo parece indicar que o diálogo presidencial foi difícil, como são os momentos que vivem por estes dias os vínculos bilaterais, com um futuro cheio de incertezas pelas declarações ameaçadoras do ocupante da Casa Branca.
Não é preciso esquecer que uma delegação encabeçada pelo chanceler, Luis Videgaray; e o secretário de Economia, Ildefonso Guajardo, foi recebida em Washington com ordens executivas do Trump para construir um muro na fronteira e desdobrar ali a milhares de agentes armados.
O mandatário republicano, além disso, assinalou que lhe passaria fatura aos mexicanos, já for em impostos fronteiriços, ou em retenção de remessas; acompanhado de sua promessa de campanha de deportar a milhões de migrantes deste país.
Trump chegou ao extremo da descortesia quando escreveu na sua conta de Twitter que se Peña Nieto não pagava pelo muro o melhor era que desistisse de sua viagem a Washington.
Ao final não lhe deixou outra opção a seu par mexicano, que se viu obrigado a cancelar a entrevista pactuada na Casa Branca para 31 de janeiro.
Do lado mexicano a política foi evitar o confronto e propiciar o diálogo, embora sobre a base de defender princípios e interesses nacionais.
Segundo a presidência mexicana, durante a ligação telefônica ambos os mandatários decidiram não falar em público sobre a questão do muro, mas a Casa Branca nunca confirmou tal compromisso.
De fato, o novo secretário de Segurança Nacional, John Kelly, realizou sua primeira visita à fronteira sul para fiscalizar a segurança e analisar com o governador de Texas, Greg Abbot, a vigilância conjunta.
Kelly expressou o desejo de que o muro fronteiriço fosse erguido em dois anos, o qual foi celebrado por Abbot, cujo estado tem como principal parceiro comercial ao México.
Antes, numa entrevista com a televisora ABC News, Trump manifestou que a obra começará em meses, o qual anuncia que o muro será centro de discórdia no futuro entre ambos os países.
Não é a única coisa. A renegociação que se anuncia para os próximos meses sobre o Tratado de Livre Comércio da América do Norte promete outras ofensas que inclusive já ameaçam afetando às empresas estrangeiras instaladas no México.
Sobretudo do setor automotriz, vital para a economia mexicana, e cujo principal mercado de exportação é o vizinho do norte.
Empresas maquiladoras com sede na Cidade Juárez, Chihuahua, diminuíram suas atividades nas últimas semanas por falta de contratos e ordens de emprego de suas matrizes nos Estados Unidos.
Jesus José Díaz, secretário geral da Confederação de Trabalhadores do México nesta fronteira, disse que essa situação nasce da incerteza provocada pelas políticas e ameaças de Trump.
Acrescentou aliás, que desde a toma de posse do presidente dos Estados Unidos começou uma mudança nas empresas maquiladoras locais, devido a que os clientes americanos têm preocupação de continuarem investindo no México.
Mas, a fronteira tem dois lados e no norte também estão sentindo os efeitos dos ventos que sopram entre ambos os países.
A afluência de mexicanos que realizam compras nas cidades fronteiriças dos EUA diminuiu, com efeitos negativos para os negócios da vizinha potência.
Nisso influem a depreciação do peso face o dólar, o incremento dos preços da gasolina e o diésel, as revisões exaustivas a turistas por parte de agentes americanos e, também, a indignação pelas ameaças contra o México, que provocam campanhas nas redes sociais em favor da soberania e a dignidade dos mexicanos.
A Câmara de comércio do Eagle Pass, fronteira com Piedras Negras, Coahuila, pôs em andamento um programa de abrigo ao negócio que inclui estímulos fiscais e a promoção de seus produtos.
Apenas entre dezembro e janeiro deixaram de funcionar 17 estabelecimentos comerciais da zona centro dessa cidade fronteiriça, pela baixa demanda dos clientes, segundo o jornal La Jornada.
Também os comércios assentados na entrada de Nogales, fronteiriço com Nogales, Sonora, registram uma baixa em vendas proximo de 40 por cento.
Jorge Vidal, secretário de Economia em Sonora, atribui esta situação às freqüentes ameaças e políticas antiimigrantes contra México anunciadas por Trump.
Nas cidades tamaulipecas da Reynosa e Nuevo Laredo, usuários das redes sociais, incomodados e indignados pelas declarações do ocupante da Casa Branca, promovem a campanha denominada Adeus McAllen, no intuito de que os conacionais evitarem cruzar para o território americano a comprarem produtos.
Enquanto isso, o governo mexicano inicia programas e medidas para recortar sua dependência econômica e comercial com os Estados Unidos, o qual inclui promover o mercado interno e diversificar seus vínculos com outros países e zonas geográficas.