Luis Nassif: Xadrez do elo desconhecido entre Temer e Yunes
Qual a razão do primeiro amigo de Michel Temer, José Yunes, ter entrado em pânico, quando seu nome apareceu em delação de executivo da Odebrecht, a ponto de procurar o Ministério Público Federal para uma delação sem sentido.
Por Luis Nassif, no Jornal GGN
Publicado 27/02/2017 10:46
A jornalistas, Yunes disse que lhe foi solicitado por Elizeu Padilha – ministro-chefe licenciado da Casa Civil – que recebesse “documentos” em seu escritório. Os tais “documentos”, na verdade, eram propinas pagas pela Odebrecht e levadas até ele pelo notório doleiro Lúcio Funaro.
Aos jornalistas, Yunes declarou ter sido apanhado de surpresa. E, assim que se deu conta do ocorrido, procurou o amigo Temer, que o acalmou.
Ao MPF, declarou que nada disse a Temer.
De sua parte, Temer mandou informar aos jornais que exigirá explicações de Padilha.
O que está por trás dessa dança dos lobos, tão desesperada e tão sem nexo?
Dias atrás o grupo Anonymous divulgou um pacote de documentos sobre negócios de Yunes, Temer e outros sócios.
No primeiro artigo da série, mostramos que a principal suspeita levantada – a associação de Yunes com grandes bilionários – na verdade era uma sociedade para um condomínio a ser construído na Bahia.
Vamos, agora, à parte perigosa revelada pelos documentos, ajudado por comentaristas do Blog que passaram informações centrais para fechar a narrativa.
Peça 1 – as diversas formas de lavagem de dinheiro
Por que interessa conhecer os negócios de José Yunes, o primeiro amigo?
Primeiro, porque, após a delação do executivo da Odebrecht, descobriu-se que ele participava dos esquemas de captação de recursos de Michel Temer.
Depois, porque um dos modus operandi de muitos políticos é o de receberem no exterior, através de depósitos em fundos de investimento com aparência de legalidade. Em vez de contas convencionais em países estrangeiros, fundos de investimento através dos quais entram no Brasil como investimento externo.
De certo modo, é o caso de José Serra, conforme esmiuçado por Amaury Ribeiro Jr no livro A privataria tucana.
O fundo de investimentos de sua filha Verônica acumulou um patrimônio significativo. Em pelo menos um caso, sabe-se que foi utilizado para troca de favores com empresas.
Foi o caso da Serasa-Experian, que, no final do mandato de Serra como governador de São Paulo, ganhou de graça o Cadin estadual (Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Estaduais).
Assim que Serra deixou o governo, Verônica intermediou para a Serasa-Experian a venda de um site de e-mail marketing, a Virid. Na época, o mercado avaliava o preço em no máximo R$ 30 milhões. A Experian pagou R$ 104 milhões. Empresa de capital aberto na Bolsa de Londres, manteve o valor da transação em sigilo. Para todos os efeitos, foi um lucro legalizado do fundo de investimentos de Verônica.
Sérgio Machado tinha investimentos no exterior, através de um filho que era alto funcionário do Credit Suisse – e, ao que consta, foi sacrificado pela gula do pai e do irmão político.
Portanto, há uma probabilidade de que as empresas de Yunes possam ter servido para abrigar recursos políticos captados por Temer.
Não faltará paraíso fiscal no purgatório político em que se meteu Yunes, caso os Anjos Gabriel do Ministério Público Federal resolvam investigar a sério.
O dossiê disponibilizado pelo grupo Anonymous na internet traz algumas pistas que precisam ser bem investigadas, das empresas dos Yunes.
Peça 2 – o Banco Pine
Aqui, aí se chega no elo desconhecido, o Banco Pine, ou First Pinebank, Inc, ou FPB.
O Banco Pine é o sucessor do BMC (Banco Mercantil de Crédito), da família Pinheiro, do Ceará, de três irmãos, Norberto, Nelson e Jaime Pinheiro, que chegaram a montar um banco médio, bem-sucedido. Assim como outros bancos cearenses, especializou-se em AROs (Antecipação de Receita Orçamentária) para prefeituras e em crédito consignado para funcionários públicos.
Depois, o banco foi vendido por R$ 800 milhões ao Bradesco e, de suas entranhas, nasceu em 1997 o Banco Pine, brasileiro, o First Pinebank que, depois de uma passagem turbulenta pelos Estados Unidos, tornou-se um banco panamenho; e a BR Partners, uma associação de Ângela Pinheiro, filha do patriarca Jaime Pinheiro, com Ricardo Lacerda, ex-presidente da Goldman Sachs do Brasil.
Aqui, começa nosso pequeno quebra-cabeça:
Em 2005, o nome do Pine Bank já apareceu associado ao doleiro Toninho Barcelona, no escândalo do Banestado (https://goo.gl/wQh4dq)
Em julho passado, a Lava Jato já tinha batido no Pine (https://goo.gl/opDxOv), através da Operação Caça-Fantasmas, da 32ª fase. Identificou o FPB Bank Inc – àquela altura, um banco panamenho, mas de propriedade de Nelson Pinheiro, um dos três irmãos sócios do BMC –, o PKB da Suíça e o Carregosa, de Portugal, suspeitos de montarem representações clandestinas para clientes interessados em abrir contas em paraísos fiscais. Outro nome que apareceu no FPB foi o de Eduardo Rosa Pinheiro, também da família Pinheiro.
A suspeita da Lava Jato é que esse esquema teria sido usado por doleiros e operadores de propina para esconder o dinheiro da corrupção da Petrobras e de outras empresas públicas, investigadas pelas operações Lava Jato, Custo Brasil, Saqueador e Recebedor.
Os bancos tinham ligação direta com a Mossak Fonseca. A Polícia Federal e o MPF pediram prisão preventiva dos funcionários do banco, mas o juiz Sérgio Moro permitiu apenas condução coercitiva. Alegou que as evidências levantadas pela Lava Jato apenas apontavam atuação clandestina no país.
Assim como na batida na Mossak Fonseca, quando se constatou que não havia pistas que levassem a Lula – mas a alguns bilionários influentes –, abafou-se a investigação e manteve-se em sigilo as descobertas.
Mas outros países atuaram. No dia 10 de fevereiro de 2017, menos de duas semanas atrás, a Superintendência Bancária do Panamá suspendeu a licença de corretagem do Pine Bank, a partir de informações levantadas pela Lava Jato (https://goo.gl/KYF0gc). No Panamá, era um banco pequeno, com US$ 134 milhões em depósitos e apenas US$ 13 milhões de capitalização declarada.
Constatou-se que o banco recorria apenas à Serasa para analisar sua carteira de clientes, em vez de colocar relatórios reais das empresas. Além disso, a FPB tinha montado 44 empresas através dos escritórios da Mossak Fonseca, provavelmente para desviar dinheiro de suborno.
Os jornais do Panamá apontavam o fato do site do banco não informar nada sobre seus proprietários e acionistas. Sabia-se apenas que o banco pertencia a uma família de empresas debaixo do guarda-chuva de Brickell Group.
O jornal Panama News anotava que o FBK tinha um presidente de nome Eduardo Pinheiro, um gerente geral chamado José Palucci e um convidado especial para a inauguração da sede, de nome Mailson da Nóbrega.
O jornal levantou o nome da consultoria Brickell Management Services Inc, de Miami, com apenas 6 funcionários. E constatou que Pine Bank foi acusado pelo FED de violar vários pontos da lei antilavagem de capitais, tendo encerrado as operações nos Estados Unidos. Segundo o jornal, “propriedade anônima, gestão aparentemente ausente – um banco estranho para se fazer negócios, exceto se houver algum propósito especial”.
Peça 3 – os negócios da família Yunes
Ao longo das últimas décadas, a família de José Yunes expandiu seus negócios por vários setores. Aparentemente, tem dois filhos bastantes empreendedores, dos quais Marcos Mariz de Oliveira Yunes é o que fica à frente dos negócios.
A principal empresa do grupo é a Yuny.
Trata-se de uma grande incorporadora criada em 1996 (https://goo.gl/9iirmz). Em 2007 recebeu aporte de R$ 700 milhões do Golden Tree InSite Partners. Pode ser coincidência de nomes, mas há uma Golden Tree Insite Partners no Reino Unido (https://goo.gl/0WddPa) que em 2010 foi declarada insolvente.
Mais tarde, a VR tornou-se sócia da Yuny. Hoje em dia, do conselho participam Abraham Szajman e Ury Rabinowitz, este alto funcionário da Brasil Telecom nos tempos de Daniel Dantas – em princípio, significa apenas que é um executivo requisitado. Depois, montou uma joint-venture com a Econ Construtora, a Atua Construtora, para imóveis de baixa renda.
No grupo, há outras empresas menos transparentes.
Uma delas é a Stargate do Brasil Estética de Produtos e Serviços.
Criada em 30 de abril de 2007, é sociedade de José Yunes com Arlito Caires dos Santos. No Google, consegue-se chegar próximo com um Carlito Aires dos Santos – trocando o C do sobrenome para o nome, empresário mato-grossense de Peixoto de Azevedo, cuja empresa foi aberta em 20 de março de 2015 (https://goo.gl/lv7cpF).
Por sua vez, a Stargate é sócia da Golden Star, Serviços e Participações Ltda. Aparentemente, a intenção da sociedade foi a aquisição dos bens do panamenho Kamal Mohan Mukhi Mirpuri por Gilberto Pereira de Brito. O endereço de Kamal remete às proximidades do Trump International Hotel em Colon, Panamá. Kamal é proprietário da Multitrade Export Ltda, do Panamá.
Não é o único elo panamenho na nossa história, como se viu no caso do Pinebank.
Peça 4 – as ligações do Pine com os Yunes
Como já se viu, o Banco Pine foi apontado como um dos canais para o dinheiro da corrupção das empresas investigadas pela Lava Jato.
Em outros tempos, uma das maneiras de “esquentar” dinheiro frio, depositado fora do país, era através de uma operação cruzada. O investidor depositava seus dólares nas agências externas do banco; e elas serviam de garantias para empréstimos que eram concedidos, aqui, para empresas controladas por ele. Foi assim com o Banco Excel, de um membro da família Safra, que chegou a adquirir a massa falida do Econômico, mas quebrou quando a apreciação do real promoveu o descasamento das garantias externas com os financiamentos internos.
No dossiê do Anonymous são inúmeras as evidências de ligações comerciais do Pine com as empresas dos Yunes, particularmente com a incorporadora Yuny.
Em setembro de 2010, a Atua Construtora e Incorporadora convoca AGE para autorizar a contratação de financiamento de R$ 5 milhões junto ao Banco Pine
Em dezembro de 2011, outra AGE para autorizá-la a tomar mais R$ 5 milhões com o Pine.
Em 18 de julho de 2013, outros R$ 5 milhões (ou renovação do crédito rotativo) novamente junto ao Pine.
Peça 5 – os negócios de Temer com Yunes
Os caminhos de Michel Temer, da família Pinheiro, do Banco Pine e da incorporadora Yuny se cruzam em vários imóveis de Michel Temer e de sua holding Tabapuã.
Edifício Lugano
Temer tem duas unidades no edifício Lugano, na rua Pedroso Alvarenga 900, uma construção luxuosa com conjuntos comerciais de 102 a 202 metros quadrados.
A incorporadora é a Yuny, dos Yunes.
Spazio Faria Lima
Temer possui duas salas no edifício na rua Iguatemi (https://goo.gl/4XecSC), com escritórios que vão de 350 a 700 metros quadrados. Na região, escritórios de 350 metros quadrados custam de R$ 3,5 a R$ 7 milhões.
Trata-se de uma obra faustosa também da Yuny.
Em 23 de maio de 2011, transferiu para a Tabapuã, empresa que tem em sociedade com a filha Luciana.
Quem aluga o escritório é Andréa Pinheiros, da BR Partners, e uma das herdeiras do banco Pine, filha de Jaime Pinheiro, o patriarca.
Conclusão do jogo
Tem-se, então, todas as peças do jogo:
1. O melhor amigo do presidente, José Yunes, participava dos processos de arrecadação de propinas das empresas investigadas pela Lava Jato.
2. As empresas de Yunes tinham financiamento farto com o Banco Pine, da família Pinheiro, envolvido com os escândalos da Lava Jato, fechado nos Estados Unidos por acusação de lavagem de dinheiro e, há duas semanas, fechado também no Panamá.
3. Temer com grandes investimentos em projetos da Yuny, a incorporadora da família Yunes, convidando o patriarca José Yunes para assessor especial.
Dificilmente toda essa movimentação passaria despercebida pela Lava Jato, ainda mais depois de invadir os escritórios da Mossak Fonseca e ter identificado o papel do Pine Bank.
Um dia se saberá ao certo a razão de terem segurado essas informações.