Hélio Leitão: Precisamos falar sobre Eike
Não vou deitar falação sobre a legalidade da prisão do “empresário-ostentação” Eike Batista. Tampouco sobre se ele tem culpa no cartório ou onde quer que seja. Sou profissional do Direito, irresponsável seria emitir qualquer opinião a respeito sem conhecer dos autos do processo. Outras angústias me lançam sobre o tema.
Publicado 20/02/2017 08:49
Estranho, para dizer o menos, o tratamento que a mídia dispensa ao assunto. Generosos espaços são consumidos no acompanhamento pari passu do retorno do ex-bilionário ao Brasil. Conta-se que, ao ser preso, carregava consigo o travesseiro em que repousara a cabeça durante o voo. E por falar em cabeça, o empresário a teve raspada (prática humilhante e desnecessária que persiste em alguns sistemas prisionais) ou apenas lhe sacaram fora a peruca? A dúvida se espraia pelo País…
Filmou-se sua cela, com registro de uma bíblia sobre a cama. Em sua primeira oitiva na Polícia Federal após a prisão, anotou-se que usava camisa branca, calças jeans e chinelos. Falou-se, em noticiário de caráter nacional, sobre o cardápio de sua primeira refeição.
Tenho-me batido contra a espetacularização e exploração midiática em torno de investigações policiais e processos criminais, à convicção de que a execração pública de investigados ou réus (ricos ou pobres) e a glamourização do crime (selfie com Eike foragido fez sucesso nas redes sociais), como se tornou regra, em nada contribuem para a afirmação da democracia, mas, antes, servem de altar para imolar direitos e garantias constitucionalmente assegurados. Além disso, cumprem o papel político-ideológico de desviar a consciência crítica da nação de problemas estruturais históricos que minam as bases do estado brasileiro e o processo de desenvolvimento nacional.
Acaba relegado a plano secundário o debate sobre as políticas públicas para a saúde, educação, meio ambiente, emprego, renda e reforma do sistema político, entre outras pautas, com irreparáveis danos para a discussão de uma verdadeira agenda de interesse nacional autêntico.
A propósito e a quem possa interessar: arroz, feijão, farofa e salsicha constaram da primeira refeição de Eike. Vai a informação, embora não consiga intuir de que ela vale, senão para ilustrar ainda mais o festival de besteira que assola o País de que já dava notícia, nos idos de 1960, o jornalista Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, em seu impagável “Febeapá”.