Manlio Dinucci: O Ocidente reescreve o passado
“Massacre de Berlim, por que o terrorista deixou seus documentos” – pergunta o “Corriere della Sera”, falando de “esquisitices”. Para obter a resposta basta dar uma olhada no passado recente, mas disso não há mais memória. Foi reescrita pelo “Ministério da Verdade” que – imaginado por George Orwell no seu romance de ficção política “1984”, crítico do “totalitarismo stalinista” – tornou-se realidade nas “democracias ocidentais”.
Por Manlio Dinucci*
Publicado 29/12/2016 08:21
Assim, foi eliminada a história documentada dos últimos anos. A história da guerra dos EUA e da Otan contra a Líbia, decidida – o que está provado nos emails de Hillary Clinton – para bloquear o plano de Kadafi de criar uma moeda africana em alternativa ao dólar e ao franco CFA. Guerra iniciada com uma operação secreta autorizada pelo presidente Obama, financiando e armando grupos islâmicos antes classificados como terroristas, entre os quais os núcleos do futuro Isis (o chamado Estado Islâmico na sigla em inglês). Depois abastecidos de armas através de uma rede da CIA (documentada pelo “New York Times” em março de 2013) quando, depois de ter contribuído para derrubar Kadafi, passaram em 2011 à Síria para derrubar Assad e em seguida atacar o Iraque (no momento em que o governo de Al-Maliki se distanciava do Ocidente, aproximando-se de Pequim e Moscou).
Foi eliminado o documento da agência de inteligência do Pentágono (datado de 12 de agosto de 2012, desclassificado em 18 de maio de 2015), no qual se afirma que “os países ocidentais, os Estados do Golfo e a Turquia apoiam na Síria as forças que tentam controlar as áreas orientais” e, com tal escopo, existe “a possibilidade de estabelecer um principado salafita na Síria oriental”.
Foi eliminada a documentação fotográfica do senador estadunidense John McCain que, em missão na Síria por conta da Casa Branca, se encontra em maio de 2013 com Ibrahim al-Badri, o “califa” à frente do Isis.
Ao mesmo tempo, inspirando-se na “novilíngua” orwelliana, adapta-se caso a caso a linguagem política-midiática: os terroristas são definidos como tal somente quando aterrorizam a opinião pública ocidental para que esta apoie a estratégia dos EUA/Otan, mas são chamados de “opositores” ou “rebeldes” quando provocam massacres de civis na Síria.
Usando a “novilíngua” das imagens, esconde-se durante anos a dramática condição da população de Alepo, ocupada pelas formações terroristas apoiadas pelo Ocidente, mas, quando as forças sírias apoiadas pela Rússia começam a libertar a cidade, mostra-se diariamente “o martírio de Alepo”.
Porém, esconde-se a captura por parte das forças governamentais, em 16 de dezembro, de um comando da “Coalizão pela Síria” – formado por 14 oficiais dos Estados Unidos, Israel, Arábia Saudita, Catar, Turquia, Jordânia, Marrocos – que, a partir de um bunker no Leste de Alepo, coordenava os terroristas de Al Nusra e outros.
Com esse pano de fundo se pode responder à pergunta do “Corriere della Sera”: como já tinha ocorrido no massacre de “Charlie Hebdo” e em outros, os terroristas esquecem ou deixam voluntariamente um documento de identidade para logo ser identificado e assassinado.
Em Berlim, foram verificadas outras “esquisitices”: invadindo o caminhão logo depois do massacre, a polícia e os serviços secretos não se aperceberam de que sob o banco do motorista estavam a carteira de identidade do tunisiano e muitas fotos. Mas prendem um paquistanês, que depois de um dia é solto por insuficiência de provas. Nesse momento, um agente particularmente especializado vai olhar debaixo do banco do motorista e descobre o documento de identidade do terrorista. Interceptado por acaso em plena noite e assassinado por uma patrulha na estação de trem de Sesto San Giovanni (Milão), a um quilômetro de onde tinha partido o caminhão polonês usado parao massacre.
Tudo documentado pelo “Ministério da Verdade”.