André Araújo: Onde a Globo quer chegar?
O jornalista Roberto Marinho construiu seu império de comunicações errando pouco e acertando muito. Soube sempre colocar suas fichas nos cavalos certos, poucas vezes apostou mal, por exemplo apoiando a Revolta Paulista de 1932 e desembarcando tardiamente do Governo Militar de 1964 e do Governo Collor.
Por André Araújo, no Jornal GGN
Publicado 17/12/2016 15:58
Roberto Marinho passou a integrar a direção de O Globo pela morte do pai em 1925.
Seu período no jornal atravessou as presidências de Arthur Bernardes, Washington Luis, Getúlio Vargas (Governo Provisório de 1930, Governo Constitucional de 1934 e Estado Novo de 1937), Eurico Dutra, Getúlio novamente, Jango, Governo Parlamentarista de Santiago Dantas e Hermes Lima, Castello Branco, Costa Silva, Junta Militar, Médici, Geisel, Figueiredo, Sarney, Collor e Lula, portanto 18 períodos ou regimes presidenciais, fato raro em qualquer parte do mundo para um dono de jornal.
Apoiou Getulio em 1930, uma jogada arriscada, apoiou o Estado Novo varguista a ponto de fazer parte do Conselho Nacional de Imprensa, órgão do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Conseguiu em 1944 sua primeira rádio comprada da RCA Victor. Nas eleições de 1945 e 1950 apoiou a UDN e seu candidato Eduardo Gomes mas se compôs com Dutra e Getulio, este até 1953, quando desembarcou do varguismo. No Governo JK estava discretamente na oposição, posição moderada por ter Juscelino lhe autorizado a primeira TV Globo, campo até então dominado pela TV Tupi de seu inimigo visceral, Assis Chateaubriand, Embaixador de JK em Londres e introdutor da televisão no Brasil.
Errou em dois timings, no desembarque do governo militar e no desembarque do governo Collor.
Com FHC estava às mil maravilhas, com Lula se compôs sem gostar.
A partir das apostas políticas certas, o Sistema Globo saiu de um jornal de cidade do terceiro mundo para um dos maiores grupos de mídia do planeta, mas sempre cresceu a partir do timoneiro Roberto Marinho. Sem ele, o jogo mudou e a travessia não é tão segura.
A Globo de hoje não tem linha política minimamente definida, parece biruta de aeroporto.
Nos tempos do dr Roberto grandes cérebros ajudavam a dar a linha, amigos pessoais como Roberto Campos e Jorge Serpa, este último conselheiro por 50 anos. Serpa era o Talleyrand brasileiro, redigia os discursos de Goulart (inclusive o fatídico de 13 de março), preso pelos militares conseguiu se passar para o lado deles e tornou-se próximo do regime, redigia muitos editoriais políticos do jornal. Serpa era muito mais que um simples formulador de ideias, era amigo pessoal de Marinho, um dos poucos que era habitué de sua casa de praia nos fins de semana.
Hoje analiso os programas políticos da GloboNews (não vejo a Globo aberta há décadas) e vejo uma parcialidade tosca, banal, caipira, que não havia nos tempos do dr Roberto. Desapareceu completamente a sutileza, a finesse, a sofisticação das análises.
Exemplos: Como a GloboNews apóia cegamente a Lava Jato e todas suas ramificações NÃO há um único contraponto de opiniões. Malham o Congresso de manhã, tarde e noite, especialmente Renan, sem se avergonhar da parcialidade. Hoje no Estúdio I, a frenética Maria Beltrão, a mesma que várias vezes malhou o regime militar do qual seu pai foi importante Ministro, leu e-mails das "redes sociais", todos lidos, sem nenhuma exceção, malhavam Renan. Será que não havia uma ou outra opinião divergente? Não é normal todos os espectadores pensarem igual.
A "tropa de choque" da onipresente Lo Prete, a que horas será que ela dorme e faz refeições?, tem a linha: malhar sem dó o Congresso, elogiar sem nenhum reparo juízes e promotores, aqueles "que fazem a diferença", tudo isso avalizado pelo oráculo Merval Pereira, um personagem de Lima Barreto do começo do século até no bigode português, para o qual o jogo político sob o qual a Globo nasceu e cresceu sempre foi limpo. Daí o espanto com a corrupção de hoje, ele sempre se choca com "isto é um absurdo", tudo que não bate com a visão de mundo dele é um absurdo mas a Globo poupa cuidadosamente o BNDES porque lá tem operações, assim como seus maiores clientes, então deixa quieto.
Quando a Lo Prete deixa o Merval falar, desfila obviedades, platitudes e lugares comuns sempre na linha a favor do Judiciário e contra os políticos, aos quais ele tapa o nariz. Parece que o sonho da Globo é uma Presidência asséptica, descontaminada de políticos, classe pela qual Lo Prete and friends têm horror.
Quanto à economia, a Globo apostou desde o inicio na dupla Meirelles-Goldfajn, seus porta vozes (fraquíssimos), Sardenberg e João Borges, desde o início dessa equipe, se postaram avalizando a política a la grega que através da austeridade vai "restabelecer a confiança e fazer voltar os investimentos". Uma imensa asneira cuja ficha só caiu nos últimos quinze dias, deixando Sardenberg, Borges e até a simpática Juliana Rosa no meio da escada.
Porque a GloboNews com todos seus imensos recursos de correspondentes (em geral muito bons) mundo afora não entrevista Joseph Stiglitz, Dani Rodrick, Paul Krugman ouvindo o que eles têm a dizer sobre a crise econômica brasileira? Porque avalizar dois medíocres que não têm três ideias na cabeça e estão levando o país ao fundo do abismo? Afinal, crise derruba o faturamento até das redes de televisão, penso eu. Até agora a Globo referendou a recessão, com a fala de Goldfajn de ontem "a fraqueza da economia ajuda a combater a inflação", assim como a morte de pacientes em um hospital público ajuda a economizar na comida dos doentes. Um dito imbecil desses não mereceu o mínimo reparo dos assustados Sardenberg e Borges, sequer comentaram e muito menos fizeram algum reparo, tal qual no cemitério da Consolação depois que fecham os portões não tem inflação.
O maior sábio de economia da GloboNews é Ricardo Amorim, "garoto de mercado" raso como um pires de café expresso, admirador sem reservas da política Meirelles-Goldfajn de austeridade e que escreveu livro mostrando a maravilha que será o Brasil com a nova política econômica da PEC 55. O livro tem um nome sugestivo, Após a crise. O sarcástico Lucas Mendes, em tom de galhofa lhe cobrou, no último Globonews um "e então nada do que você previu está acontecendo", para profunda irritação de Amorim que disse "acertei todas", por exemplo acertei que Dilma perderia o impeachment.
É esse o nível do jornalismo econômico da Globo. Com todo dinheiro que tem não podiam achar bons cérebros? O Brasil é uma fábrica de bons pensadores econômicos e não precisa ser um fixo, o melhor são comentaristas rotativos como na TV européia ou na TV pública americana. Mas não vi em nenhum programa Manhattan Connection um economista de primeira linha dando sua opinião sobre a crise brasileira, por exemplo do Institute for New Economic Thinking, que fica lá mesmo em Nova York e que tem nomes mundiais, Prêmios Nobel como Krugman e Stiglitzs. Se convidados eles irão com o maior prazer. Conversei com alguns deles sobre isso, o programa nem sabe que existe o INET, fórum hoje universalmente conhecido, fundado em 2008 por causa do fracasso das fórmulas monetaristas causadoras da crise, as mesmas fórmulas da dupla Meirelles-Goldfajn, a turma do zurro.
Já a inacreditável Mara Luquet tem boas soluções, para os que estão com dívidas nos bancos "você precisa negociar, se o gerente não baixar os juros você atravessa a rua e vá para outro banco". Os aposentados não conseguem manter seus orçamentos? Vá morar na Costa Rica, lá você vive bem com mil dólares por mês, esquecendo que também se vive bem com mil dólares em Caratinga, cidade mineira da Zona da Mata. Fico imaginando um metalúrgico aposentado do ABC, com cinco filhos e nove netos, a sogra, quatro irmãos e cinco cunhadas fazendo mudança para a Costa Rica, seguindo os conselhos da Luquet, afinal lá se vive bem (será numa cabana?).
A última da Luquet é para o imortal Chico Anysio: o desemprego não é culpa da crise, é que o trabalho mudou e você não sabe. Você não precisa mais de emprego, por exemplo, eu tomo muita água de coco, então eu descobri pela internet uma moça que entrega coco em casa, esse vai ser o novo trabalho do mundo, você se vira pela internet, o emprego comum acabou, você em casa pode fabricar aço, pneu, automóvel, inseticida e sair vendendo pela internet, sacou?
Até o razoável programa Painel, o carro chefe de grandes questões da GloboNews não consegue sair de um carnet de vinte nomes repetidos à exaustão. Mas com exceções, como Carlos Mello e Murilo Aragão, muito bons, os outros são todas da mesma linha conservadora moralista, não há a pimenta do debate, parece que a discussão não interessa, só o reforço do que a Globo já pensa.
Uma ressalva para a jornalista Monica Waldvogel. Seu programa Entre Aspas tem mantido um nutrido debate sobre os tópicos levados à discussão. No último, com o dinossauro da PUC Rio José Marcio Camargo e um jovem economista da Unicamp que quase se pegaram. Isso tem acontecido em vários programas da Monica, outros programas quase sempre com debatedores com linhas opostas sobre o tema, é preciso elogiar quando é o caso.
Já a lendária Miriam Leitão é um caso a parte. Depois de ouvi-la atentamente por 30 anos não descobri o que ela pensa da vida, da política e da economia. Não tem uma linha conservadora ou contestadora, pode ser uma coisa de manhã e outra à noite. Em política está à esquerda de Frei Betto, em economia está à direita de Milton Friedman, mas às vezes mistura o baralho. Não sei realmente o ponto de vista que ela representa, além do fato de se mostrar sabichona em qualquer assunto.
Uma coisa todos, os e as globetes, têm em comum: o profundo desprezo pelo Brasil, como País, povo, sociedade, política e economia. O sonho global está fora do Brasil, se pudessem se mudariam para Miami. Diego Mainardi é uma espécie de síntese dos globetes, do seu horror pelo País, de sua admiração rastaquera pelo exterior, levaram uma sova, todos, na eleição do Trump, nunca esperavam um tipo desses ser Presidente da adorada terra, agora não sabem como digerir, Trump faz os EUA se parecerem com o Brasil, como fazer?