Fux anula decisão da Câmara e “10 medidas” do MPF devem voltar à pauta
“O direito se tornou uma grande farsa”, resumiu o professor da PUC e especialista em Direito Constitucional pela Universidad Castilla-La Mancha (Espanha), Rafael Valim, em recente entrevista ao Portal Vermelho. De fato, um dos efeitos do golpe contra a democracia foi a insegurança jurídica, ao permitir que a Constituição fosse atropelada com a aprovação de um impeachment sem crime de responsabilidade.
Publicado 15/12/2016 11:27
Nesta quarta-feira (14), o Supremo Tribunal Federal (STF) deu mais um passo nessa direção com a decisão liminar do ministro Luiz Fux, que suspendeu a tramitação no Congresso da versão do projeto de lei que mudou a proposta apresentada pelo Ministério Público Federal das chamadas “10 medidas” de combate à corrupção.
Apesar não ter impedido a aberração constitucional do golpe, o ministro disse que o projeto do MPF, que supostamente entrou em tramitação como de iniciativa popular, deve novamente ser apresentando nos moldes originais, que previam a proibição do habeas corpus, reformar prazos de prescrição e permitir o uso de provas ilícitas, entre outras afrontas constitucionais.
O habeas corpus, por exemplo, é um instrumento considerado pela doutrina com um remédio constitucional contra o arbítrio do Estado. Tentar restringir a sua concessão é um passo para um estado de exceção. Por isso, tal medida que veio forjada como “combate à corrupção”, acaba tendo efeito para toda a sociedade e não apenas para os chamados crimes de colarinho branco, como vendeu o MPF ao fazer a coleta de assinaturas que chegou a 2 milhões.
A decisão de Fux foi tomada com base em ação apresentada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSC-SP), filho de Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que buscava anular as mudanças feitas na Câmara, que, dentro do projeto, previam também punição para juízes e procuradores por abuso de autoridade.
Depois de um intenso debate e muita pressão da sociedade, no último dia 30 a Câmara fez várias mudanças e aprovou o projeto, retirando seis das dez propostas apresentadas pelo MP.
Na decisão, Fux disse que o projeto deveria ter sido apresentado como proposta de iniciativa popular, pelo fato de ter sido protocolado com apoio de mais de 2 milhões de pessoas. Mas o protocolo do projeto na Câmara foi feito em nome dos deputados Antonio Carlos Mendes Thame (PV-SP), Diego Garcia (PHS-PR), Fernando Francischini (SD-PR) e João Campos (PRB-GO).
Outra ação estranha na decisão do ministro é que ele foi além do que solicitou a ação original de Eduardo Bolsonaro, que pedia somente a anulação da votação na Câmara que inseriu novas punições por abuso de autoridade para magistrados.
“A princípio, a decisão do ministro Fux questiona a autoria do projeto de lei, dizendo que nós registramos de autoria de um deputado e não de iniciativa popular. E outro [ponto é] que incluímos matéria estranha ao texto, como se não pudéssemos emendar a matéria. Isso significa que, se ele tiver razão, a Lei da Ficha Limpa passaria a não ter valor, porque foi de iniciativa popular e foi tratada da mesma forma”, disse Rodrigo Maia, presidente da Câmara, informando que a assessoria jurídica da Casa está analisando o caso.
Até o também ministro Gilmar Mendes reagiu à decisão de Fux. Para Mendes, impor ao Congresso que aprove um texto sem fazer alterações é o mesmo que fechar o Legislativo. “É um AI-5 do Judiciário”, disse ele, em referência ao Ato Institucional número 5, que, em 1968, suspendeu garantias constitucionais no país. Para ele, o Supremo caminha para o “mundo da galhofa”.
“Dizer que o Congresso tem que votar as propostas que foram apresentadas e só? Então é melhor fechar o Congresso logo e entregar as chaves. (…) Entrega a chave do Congresso ao [coordenador da força-tarefa da Lava Jato Deltan] Dallagnol. Isso aí é um AI-5 do Judiciário. Nós estamos fazendo o que os militares não tiveram condições de fazer. Eles foram mais reticentes em fechar o Congresso do que nós”, afirmou Gilmar Mendes ao Estadão.
E completa: “Vivemos momentos esquisitos. A toda hora é um surto decisório que não corresponde às nossas tradições. Em geral éramos árbitros em processos de conflito e não atores ou causadores de conflitos. Então acho que nós temos que refletir muito sobre isso e respeitar a harmonia e independência entre poderes”.