Daniel Cara: Sem apoio, MP do Ensino Médio poderá ser inviabilizada
O Portal Vermelho lança uma série de entrevistas onde analisa os impactos da Reforma do Ensino Médio na vida do brasileiro. Esmiuçando o caráter nocivo da Medida Provisória (MP), o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara faz um balanço sobre as políticas educacionais do governo Temer e afirma que, sem o apoio da comunidade escolar e a falta de recursos que se avizinha com a PEC 55, a proposta de reforma poderá ficar no papel.
Por Laís Gouveia
Publicado 06/12/2016 13:57
Daniel Cara avalia que a reforma do ensino médio apresentada pelo Executivo possui dois problemas estruturais. "O primeiro é que ela advém de uma medida provisória, um mecanismo oriundo do Decreto Lei da Ditadura Militar, não se faz reforma educacional dessa maneira, porque ela cria um fato consumado e impede o debate. A Lei de Diretrizes de Base (LDB) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento e manutenção da Educação Básica (Fundeb) já foram alteradas com a MP e o Congresso Nacional irá dizer se concorda ou não com a modificação dessas Leis, podendo fazer algumas mudanças. Essas pequenas variações foram feitas no relatório do Senador Pedro Chaves (PSC), relator da matéria no Congresso Nacional e que fez um parecer extremamente tímido aprovado na comissão mista, além de ser contraproducente ao direito à educação dos estudantes”, explica.
O Senador Pedro Chaves (PSC) é relator da matéria no Congresso Nacional
E continua, “o próprio relatório do Pedro Chaves possui um conteúdo ruim. Imagina que o senador propõe agora que os itinerários sejam decididos no início do ensino médio, os estudantes terão que escolher entre matemática, línguas, ciências da natureza, ciências humanas e educação profissional, essa ideia do senador irá fazer com que um jovem, muito precocemente, escolha um caminho, porém essa opção não é de fato aberta, pois a escola e o sistema de ensino irão decidir se podem ofertar essa possibilidade. Pode ser que, no Amazonas, por exemplo, não exista aulas de ciências da natureza, limitando fortemente a probabilidade dos estudantes em terem uma educação pública de qualidade”, elucida.
"Não acredito na implementação da reforma"
O especialista em educação enfatiza que há outros entraves na Medida Provisória e no relatório do Senador Pedro Chaves, mas, que o ponto central, é a forma alheia que a reforma está sendo tramitada, longe dos setores educacionais e estudantis, “eu acredito que sequer a reforma será implementada, o que não necessariamente é ruim, os educadores estão resistentes e muito conscientes de algo que irá prejudicar o direito à educação dos alunos e as suas condições de trabalho”, afirma Daniel.
Diálogo zero
Daniel chama a atenção para a inexistente falta de diálogo após a ascensão de Temer ao poder, “um governo só tem capacidade de implementar reformas quando ele é democraticamente eleito. Uma gestão ilegítima, que gerou uma situação onde sua base parlamentar é cúmplice de um processo de impeachment extremamente duvidoso, maculando a nossa democracia, não é capaz de implementar reformas estruturais; O congresso nacional está de costas viradas para sociedade, e, se a situação continuar dessa maneira, corremos risco de termos no Brasil uma série de conflitos que não farão bem à nossa nação”, alerta.
Conjuntura educacional
“Vivemos no Brasil um cenário muito complexo, em que os parlamentares da base do governo estão sendo comparsas a todas as maldades ofertadas pelo Temer. Uma agenda regressiva jamais seria implementada por um governo legitimamente eleito, nenhum eleitor aceitaria o que Temer tem feito, como a política econômica-educacional representada pela PEC 55, e a Reforma do Ensino Médio. A situação é tão grave que quem lidera a pasta educacional do governo Temer é Mendonça Filho (DEM-PE); Ele, com prazer, assume não entender nada de educação. Estamos diante de uma situação absurda", denuncia Daniel.
Governo Temer será denunciado à OEA
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em conjunto com outros movimentos, entrará com uma denúncia na Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a situação dos direitos humanos perante o governo Temer. Daniel considera que o escracho mundial é de grande valia no contexto político vigente, “o trabalho agora é de constrangimento internacional, haja vista o fato de que o governo não senta para conversar e tomar decisões plausíveis, considerando toda a sua ilegitimidade”.
Políticas educacionais abandonadas
Daniel lamenta o fato de Michel Temer abandonar várias práticas anteriores que prosperavam, “ele revogou a portaria do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), por meio de uma ação do Ministro Mendonça Filho, o mecanismo era fundamental para garantir uma verificação que colabore com as políticas educacionais e não essa avaliação do governo que serve para perseguir professores, além de não apontar caminhos para solucionar problemas. O Presidente da República também encerrou programas relativos à educação infantil, pois ele acredita que a creche deva ser um ato de assistência social e aboliu portarias referentes a educação de jovens e adultos e da educação em tempo integral, ou seja, é um governo que tem feito uma desconstrução das políticas que progrediram nos últimos anos, é claro que não era tudo perfeito, mas havia um avanço", justifica.
O PNE em meio à terra arrasada
Em junho de 2014, foi sancionado no Congresso Nacional o Plano Nacional de Educação, que tem como objetivo estabelecer 20 metas a serem alcançadas até o ano de 2024. No conteúdo estão medidas relacionadas a ampliação do acesso, melhoria da taxa de escolaridade e plano de carreira dos professores, por exemplo.
Daniel se diz preocupado com o desinteresse do governo Temer em cumprir as metas do PNE, "o plano fica, a cada dia que passa, mais escanteado. A PEC 55 [que congelará os investimentos em educação nos próximos 20 anos] faz com que ele seja completamente inviabilizado e a Medida Provisória do Ensino Médio substitui a agenda de reforma proposta pelo Plano Nacional de Educação por uma MP que irá contraditar com aquilo que está proposto no plano. São duas inciativas da atual gestão para desconfigurar e descaracterizar o PNE 2014-2024”, conclui.