Privilegiar o setor produtivo, não o rentismo
Durante o encontro “Engenharia Unida – Mobilização pela retomada do crescimento e valorização dos profissionais”, em Barra Bonita (SP), o professor-doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Antonio Corrêa de Lacerda enfatizou que, nos últimos dois anos, está instalada a maior recessão da história do País. Ele apresentou diagnóstico sobre o porquê desse quadro e qual a saída.
Publicado 30/11/2016 16:24
“Essa situação se deve a uma série de fatores muito mais complexos do que o que nos chega de forma enviesada via grande mídia. Não só é consequência de erros inegáveis ao final do primeiro mandato e começo do segundo de Dilma, mas também a crise internacional precisa ser compreendida e explicada. A atual conjuntura está associada à desaceleração forte na China. O Brasil se tornou um grande exportador de commodities, e a queda da demanda global influiu negativamente. Tem-se também os impactos da Operação Lava Jato, que com todos os méritos de combater a corrupção, inviabilizou a Petrobras e grandes construtoras, com grande perda do patrimônio nacional, queda do emprego e da massa salarial.”
Somado a isso, Lacerda citou as políticas macroeconômicas adotadas desde o Governo FHC, que favorecem o rentismo, como taxas elevadas de juros e, em decorrência, do custo da dívida pública, hoje em R$ 500 bilhões ao ano. Outro problema, segundo ele, é o uso da política cambial como instrumento de curto prazo.
“Barateia-se o dólar com a prática de juros elevados, mantendo-se o câmbio apreciado. Com isso, aumentam as importações, gerando desindustrialização, dependência tecnológica, perda de capacidade de produção com alto valor agregado e desnacionalização. A combinação do câmbio desfavorável com outros fatores, como a ausência de reforma tributária, penalizam o investimento”.
Nessa lógica invertida, é apresentada como solução a PEC 241 (Proposta de Emenda Constitucional que agora tramita sob o número 55 no Senado, aprovada em primeira votação nesta terça).
Lacerda foi categórico: “Apresentada como pseudosalvação nacional, é outro equívoco. Vai aprofundar o desemprego, destruir a manutenção de políticas sociais e elevar a instabilidade. É uma anomalia sem precedente no mundo.”
O professor da PUC-SP elencou os grandes erros concentrados na PEC em questão: “não distingue o que é gasto público, ou seja, tanto faz um cerimonial para convencer parlamentares a votarem na própria PEC ou investimento; não inclui os juros sobre a dívida pública; traz a ideia denominada como ‘fada da confiança’ pelo economista Paul Krugman no século XIX, de que é necessário fazer ajuste fiscal para recuperar a confiança do mercado, tratando a questão como exclusivamente fiscal, e de que todo gasto público é maléfico; e trata a macroeconomia como economia doméstica, ignorando que quem pode fazer a diferença em momento de crise é o Estado, investindo, gerando crédito e financiamento para tanto.”
Na contramão disso, como acrescentou Lacerda, coloca-lhe uma “camisa de força por 20 anos, engessando a gestão do orçamento no Legislativo e no Executivo, desconsiderando o crescimento populacional, a estrutura etária e o desempenho do PIB per capita”. “Haverá envelhecimento e vão se deteriorar os serviços públicos.”
“Sair da mesmice”
Na sua ótica, para colocar o País na rota do crescimento é crucial inverter essa lógica exclusivamente financeira para uma mais favorável à produção e aos investimentos, o que significa “subtituir o bojo da política macroeconômica”.
Seguem essa direção, como lembrou ele, propostas elencadas no projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, iniciativa da FNE lançada em 2006 e atualizada desde então, que propugna por uma plataforma nacional de desenvolvimento sustentável. Implica fortalecer o papel das políticas industrial, comercial e de ciência, tecnologia e inovação, retomar as inversões em infraestrutura e políticas sociais. “É preciso sair das mesmice do curto prazo, que favorece muitos interesses. O Brasil tem enorme potencialidade, como um mercado interno fantástico e demanda reprimida na área de infraestrutura.”
Comentando o tema abordado por Lacerda, o consultor do “Cresce Brasil” Artur Araújo salientou a ideologia a serviço da manutenção da política macroeconômica adotada. Não fosse isso, questionou: “Como compreender uma indústria que se submete a um raciocínio e compactua da sua morte, bem como da engenharia, no País? A ideia de uma sociedade pós-industrial contamina o raciocínio, é um obstáculo enorme ao desenvolvimento, é perigosa. Todos os componentes da chamada sociedade do conhecimento e informática são materiais. O desafio é mudar a forma de produzir, como sempre se fez necessário e se comprovou na história.”
Também participaram do painel, como comentadores, Angelo Petto Neto, presidente da Confederação dos Engenheiros Agrônomos do Brasil (Confaeab); Fernando Jardim Mentone, vice-presidente de relações trabalhistas e assuntos intersindicais do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva – Regional São Paulo (Sinaenco-SP); José Edgard Camolese, vice-presidente de relações institucionais do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusconSP); Carlos Vilhena, presidente da Associação de Engenheiros e Arquitetos de São José dos Campos, além dos presidentes do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Ceará (Senge-CE), Maria Helena de Araújo, e do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Amazonas (Crea-AM), Claudio Guenka.