Temer admite crime ao dizer que tentou “solucionar impasse” de Geddel
O pedido de demissão do ministro Geddel Vieira Lima está longe de estancar a crise do governo golpista de Michel Temer (PMDB). Isso porque dias antes de deixar o governo, o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero gravou conversas com Temer, o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, e com o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, que comprovariam as suas denúncias de pressão para prevaricar e atender aos caprichos de Geddel.
Por Dayane Santos
Publicado 25/11/2016 13:27
As gravações estão em poder da Polícia Federal e aguardam a autorização do Supremo Tribunal Federal para que sejam periciadas e analisadas. O ex-ministro Marcelo Calero divulgou nota nesta sexta-feira (25) para negar que tenha solicitado audiência com Temer para gravar a conversa.
“Durante minha trajetória na carreira diplomática e política, nunca agi de má fé ou de maneira ardilosa. No episódio que agora se torna público, cumpri minha obrigação como cidadão brasileiro que não compactua com o ilícito e que age respeitando e valorizando as instituições”, disse o ex-ministro.
No depoimento à PF, Calero afirma que foi pressionado por vários ministros e pelo próprio Temer para que manobrasse a decisão do Iphan de barrar o empreendimento La Vue, onde Geddel adquiriu um apartamento, nos arredores de uma área tombada de Salvador.
Geddel, por sua vez, não negou que tenha conversado com Calero sobre a decisão do Iphan, mas chamou a sua pressão de “ponderações”.
“Em nenhum momento foi feita pressão para que ele tomasse posição. Foram feitas ponderações. Mas ao fim, ao cabo, as ponderações não prevaleceram, prevaleceu a posição que ele defendia apesar de eu considerar equivocada, o que torna ainda mais surpreendente o pedido de demissão e essa manifestação”, confessou o ministro e braço direito de Temer.
Segundo Calero, em 6 de novembro, ele recebeu “a mais contundente das ligações” de Geddel, em que ele deixou claro “que não gostaria de ser surpreendido com qualquer decisão que pudesse contrariar seus interesses”.
Geddel teria dito ainda, “de maneira muito arrogante”, que, se fosse preciso, “pediria a cabeça” da presidente do Iphan, Katia Bogéa, e falaria até mesmo com Temer.
Ainda segundo Calero, diante da sua insatisfação em intervir no Iphan em favor de Geddel, tanto Padilha quanto Temer insistiram para que ele levasse o processo sobre o prédio à Advocacia-Geral da União, pois “a ministra Grace Mendonça teria uma solução”. Isto é, se Calero não queria sujar as suas mãos, poderia passar para outro fazer o serviço.
Segundo Calero, a decisão de deixar o governo veio depois da conversa com Temer, que o convocou para comparecer no Palácio do Planalto, e que nesta reunião o presidente disse a ele que a decisão do Iphan havia criado “dificuldades operacionais” em seu gabinete, já que Geddel estava bastante irritado.
Segundo ele, no final da conversa, “o presidente disse que a política tinha dessas coisas, esse tipo de pressão”.
Sobre esse conversa com Calero, o porta-voz do Planalto, Alexandre Parola, também não negou que houve a conversa, mas tentou minimizar a gravidade do tema dizendo que Temer apenas tentou “arbitrar conflitos entre os ministros”.
“O presidente Michel Temer conversou duas vezes com o então titular da Cultura para solucionar impasse na sua equipe e evitar conflitos entre seus ministros de Estado. O presidente da República trata todos os seus ministros como iguais e jamais induziu algum deles a tomar decisão que ferisse normas internas ou suas convicções”, disse Parola. A declaração confirma que Temer sabia dos interesses de Geddel e atuou para garantir que tudo ocorresse como ele queria.
Ao afastar Geddel, Temer tenta mais uma vez, assim como fez com outros ministros, se isolar dos fatos e condutas de seu governo. Mas Temer estava diante de um crime de improbidade administrativa cometido por seu ministro e amigo Geddel. Em depoimento, Calero disse também que, ao final do encontro com Temer ele afirmou que “a política tinha dessas coisas, esse tipo de pressão”.
Além de não demitir Geddel, como disse o seu porta-voz, Temer agiu “para solucionar o conflito”. Portanto, se não pressionou Calero, com disse, Temer prevaricou já que Geddel cometia crime de improbidade administrativa e não o demitiu. Se pressionou, cometeu crime de improbidade, ou seja, em ambos os casos cometeu crime de responsabilidade, que deve levar ao impeachment.
Governo podre
A gravação que pode vir a público só vai evidenciar como esse governo, resultado de uma conspiração e um golpe contra a democracia, nasceu podre. A presidenta Dilma Rousseff, em abril deste ano, pouco antes de ser afastada pelo Senado, afirmou: “É extremamente estarrecedor que um vice-presidente [Temer], no exercício de seu mandato, conspire contra a presidente abertamente. Em nenhuma democracia do mundo uma pessoa que fizesse isso seria respeitada. Porque a sociedade humana não gosta de traidor. Porque cada um de nós sabe também a injustiça e a dor que se sente quando se vê a traição no ar”.
A definição de Dilma sobre Temer confirma como pensa e age a cúpula liderada por Temer, que nesse processo, não é apenas coadjuvante. Dilma por vezes citou a pressão que enfrentava e a chantagem daqueles que se arvoraram pelo poder. Apesar da imprensa tentar tratar como um caso isolado, em pouco mais de seis meses no poder, seis ministros de Temer caíram por envolvimento em escândalos. O primeiro, e talvez o mais significativo, foi o senador Romero Jucá (PMDB-RR), hoje líder do governo no Senado e presidente da legenda. Jucá, então ministro do Planejamento, foi flagrado em conversa gravada pelo afilhado na Transpetro, Sergio Machado, em que escancarava a trama do impeachment.
Jucá e Machado falavam a respeito da possibilidade de muitos investigados na Lava Jato realizarem delações premiadas depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou as prisões a partir de decisões de segunda instância.
Preocupados com os acordos de delação das empreiteiras, como a Queiroz Galvão, a Camargo Corrêa e a Odebrecht, Jucá afirmou que a forma de “estancar a sangria” é “mudar o governo”:
MACHADO – Acontece o seguinte, objetivamente falando, com o negócio que o Supremo fez [autorizou prisões logo após decisões de segunda instância], vai todo mundo delatar.
JUCÁ – Exatamente, e vai sobrar muito. O Marcelo e a Odebrecht vão fazer.
MACHADO – Odebrecht vai fazer.
JUCÁ – Seletiva, mas vai fazer.
MACHADO – Queiroz [Galvão] não sei se vai fazer ou não. A Camargo [Corrêa] vai fazer ou não. Eu estou muito preocupado porque eu acho que… O Janot [procurador-geral da República] está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho.
[…]
JUCÁ – Você tem que ver com seu advogado como é que a gente pode ajudar. […] Tem que ser política, advogado não encontra [inaudível]. Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra… Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria.
Jucá, assim como Geddel, Eduardo Cunha e outros membros da cúpula do PMDB não são apenas correligionários. Fazem parte da cúpula que, junto com Temer, manobrou pelo golpe.