Golpistas "venderam gato por lebre", afirma Dilma ao 247
A presidenta eleita Dilma Rousseff concedeu entrevista ao jornalista Leonardo Attuch, editor do Brasil 247, nesta segunda-feira (21), em Porto Alegre. Para ela, os seis meses do governo de Michel Temer (PMDB) demonstram que “venderam gato por lebre”. Ela condena o discurso de Temer de que recebeu uma herança maldita, mesmo depois de seis meses no governo. "Esse discurso não se sustentará".
Publicado 21/11/2016 18:32
“Nesses seis meses ficou claro que venderam gato por lebre. Qual é a venda que eu acho falsa que fizeram? Primeiro, desconsideraram que tinham criado as condições para que o Brasil entrasse num processo de crise econômica e política e prometeram que assim que o impeachment consolidasse, ou seja, que eu fosse afastada, eles teriam condições de criar uma ‘ponte para o futuro’”, resgatou Dilma.
E segue: “Os fatores que levaram a crise, ao invés de serem contidos, foram acentuados. A crise não decorre do aumento do gasto público, mas da queda acentuada das receitas e, portanto, da redução da capacidade do estado de investir”.
Incitada a definir Michel Temer, Dilma disse que ele "está aquém do Brasil, aquém do povo brasileiro". "Não é só que ele não lidera, ele não representa", disse. "O brasileiro médio está além dele, o brasileiro pequeno está além dele", concluiu.
Dilma salientou que o ambiente de ingovernabilidade de seu governo foi criado assim que derrotou o PSDB nas urnas, em 30 de outubro de 2014.
“Acontece que, logo depois da minha eleição para o segundo mandato, inicia uma política de construir o meio ambiente para a minha deposição. Pedem a recontagem de votos e auditoria das contas. Elege-se presidente da Câmara – mudando a correlação de forças do PMDB -, uma pessoa ultraliberal em economia, extremamente conservadora e de princípios éticos extremamente questionáveis que é o deputado Eduardo Cunha”, pontua Dilma.
Chantagem de Cunha
Ela conta que Cunha “queria negociar, sobretudo, que ele tivesse livre das investigações que chegaria nele lá pelo meio do ano, mostrando que tinha contas na Suíça, apesar dele negar que tinha contas no exterior”.
“Essa pessoa muda a correlação de foças dentro do PMDB. E ele leva, em aliança estreita com o PSDB liderado pelo Aécio Neves, e junto com a mídia, que deu base para isso, pois tinham uma versão de que estava ‘tudo chegando ao fim’. Fizeram o que chamo de uma profecia autorrealizável, ou seja, falaram que o Brasil ia quebrar, a tempestade perfeita, conduzindo para a inviabilização do meu governo, através da política conhecida pela mídia como “pautas-bomba” e por nós foi chamada da política do ‘quanto pior melhor’, que consistiu em elevar o gasto, quando se tratava naquele momento de ampliar a receita”, explicou.
Na entrevista, Dilma destacou o esforço feito pelo seu governo para retomar o crescimento econômico. “O investimento público tem de ser um sustentáculo da economia quando o investimento privado colapsa. Nós fizemos um esforço enorme para garantir que, a partir da crise de 2008 e 2009, o investimento privado se mantivesse. Nós reduzimos os juros violentamente, assegurando taxas de juros adequado para fazer financiamento a longo prazo, porque ninguém faz investimentos com uma taxa de juros a 14%. Nós reduzimos impostos. Tomamos uma série de medidas para permitir que houvesse um aumento da taxa de atratividade. Tudo isso não foi suficiente para assegurar que o investimento privado se mantivesse, inclusive houve até uma recomposição da capacidade de exportação do Brasil. Mas nós estávamos sofrendo os efeitos da crise internacional e também com problemas internos, como a maior seca dos últimos 80 anos”, detalhou.
E completa: “Tudo isso levou a alguns problemas imediatos, como o aumento do preço da energia, que um ano depois estava revertido. Mas não foi isso que precipitou o Brasil a maior crise. Foi a política do quanto pior melhor”.
Economia
Dilma frisou que sempre defendeu um ajuste de curto prazo bastante reduzido, que implicasse principalmente no aumento de receita. “Porque a crise era uma redução. A receita vinha caindo desde 2011, daí a CPMF, taxar juros de capital próprio, taxar dividendos… Todas as medidas propostas não foram viabilizadas. E passaram a aprovar as pautas bombas”, lembrou.
Ela destacou que entre o final de 2015 e o afastamento no processo de impeachment, “há uma flagrante quebra institucional: a Câmara não funciona”. Ele refere-se ao fato de que de fevereiro até maio de 2015, não houve nenhuma comissão nomeada. “Eles foram no limite. Eles quebraram a própria institucionalidade antes do impeachment… Vem se criando um ambiente sem se medir as consequências para a população brasileira”, enfatiza.
E acrescenta: “Esse meio ambiente propício ao impeachment é integrado por uma imensa quebra de confiança na economia, da sociedade e dos valores que sustentam a normalidade de um país. Cria-se, de tudo quanto é forma, a paralisia do governo”..
De acordo com Dilma, a expansão fiscal que veio a seguir, com o governo Temer no poder, foi “uma tentativa de legitimar, de usar o orçamento para legitimar um governo ilegítimo”. “Aumentam a necessidade do gasto, mesmo que o rombo seja um rombo que vá prejudicar a retomado do crescimento do país”, disse.
Clima de instabilidade
Sobre o clima de instabilidade política, Dilma afirma estar estarrecida com o ambiente em que "pessoas se sentem autorizadas a invadir o Congresso por esse clima criado pelo senador Aécio Neves", principal articulador do golpe de 2016. "O golpismo está entranhado na sociedade brasileira. E o maior representante disso é Aécio Neves", declarou.
Ela também criticou as prisões preventivas da Lava Jato antes de os investigados serem condenados. "Eu não vou defender a prisão do Eduardo Cunha, se eles não prenderam antes… tem que explicar por que estão prendendo agora", disse. "E mais: se a pessoa não tem meios para prejudicar a investigação, tem que responder em liberdade".
Dilma também fez duras críticas à imprensa – "age como um partido político, e prega a despolitização" – e ainda ao presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes. "Perdeu todas as condições de me julgar". Dilma anunciou que poderá entrar com uma ação contra o ministro, ao lembrar: "já me julgou fora dos autos".
Geddel
Em referência à denúncia de tráfico de influência contra o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, Dilma diz que "a ambição do grupo que tomou o poder é do tamanho de um apartamento na Bahia".
Dilma manteve a defesa de novas eleições, como já defendia antes do seu afastamento. Declarou que não defende o "golpe dentro do golpe", e é contra a eleição indireta para mudar o governo. "Acredito em saída por eleição direta, não por eleição indireta, e tem que ter reforma política", afirmou.
A presidenta também manifestou apoio ao movimento dos estudantes, que ocupam instituições de ensino no país. "Os estudantes estão nos ensinando, e não nós a eles", sublinhou ela, classificando como um movimento de esperança.