Quando a polícia é a protagonista do jogo
“Lá para cima todo mundo”, os policiais ordenaram, forçando a gente a subir para o alto da arquibancada depois do jogo. “Ninguém vai sair enquanto a gente não encontrar quem estamos procurando. Vocês vão passar a noite aqui”. Criou-se um clima de terror, porque ninguém sabia o que ia acontecer com a gente.
Publicado 24/10/2016 18:06
Desde antes do jogo entre Flamengo e Corinthians, neste domingo (23), já havia truculência no Maracanã: “Entra todo mundo! É para entrar, não ouviu?”, gritavam e empurravam, e o povo tentava explicar que estava esperando os ingressos ou amigos. Fora isso, havia muitos flamenguistas xingando e ameaçando – e corintianos respondendo – enquanto os policiais só olhavam.
Quando entrei, comecei a tossir muito, por causa do gás de pimenta. E pô, ainda faltava uma hora para começar!
No jogo, várias confusões. Todo mundo correndo para não ser pisoteado, policiais distribuindo cacetadas e levando as faixas e bandeiras. Mulher, criança e idoso assustados, gente chorando de medo. Nem no intervalo teve paz, a pancadaria rolou solta no corredor do bar e, como não tinha para onde correr, a gente se espremeu na parede e esperou parar.
Depois do jogo, não podia sair. Normal, a polícia sempre segura a torcida visitante para evitar brigas fora do estádio. Não tinha banheiro, só tinha um, ou ia homem, ou mulher. Mas tinha uns policiais legais que depois de muita conversa, resolveram o problema.
Só que de repente eles mandaram todo mundo subir para o alto da arquibancada. E começaram a gritar, ameaçar, tocar o terror, falando que ninguém ia embora, porque bateram no amigo deles e eles queriam prender quem bateu. Eles tinham filmado pelo celular e estavam procurando pela tatuagem.
É errado bater no policial, mas foi para se defender na briga que os policiais começaram e também é errado bater em torcedor. Pô, ingresso R$ 100 e você chega lá para apanhar?
E também eles tinham de identificar quem bateu na hora da confusão, não prender todo mundo, gente com família em casa, filhos, mães vendo as imagens pela televisão e ligando desesperada. A polícia tem que acalmar e resolver, não piorar as coisas.
Mandaram os homens tirar a camisa e os bonés, ficavam gritando e ameaçando, bateram em várias pessoas, havia sangue no chão, gente com marcas de cassetete nas costas, não deixaram ninguém filmar, aí todo mundo com medo de pegar o celular, então não dava para falar com a família direito, muito menos com advogado.
Eles gritavam e empurravam até as mulheres. Terror físico e psicológico.
Em um momento, deixaram as mulheres e crianças saírem. Mas não adiantou muito, porque a maioria estava com caravana, marido, namorado, tinha que esperar. E ficou a mulherada toda do lado de fora ainda mais desesperada, sem saber o que estava acontecendo.
Alguns homens saíram também, mas poucos.
Tudo isso durou umas três ou quatro horas. Prenderam mais de trinta pessoas, o que encheu um ônibus. E um tempão depois, começaram a liberar a galera direto para os ônibus das caravanas, mas liberava uns dez, depois parava, aí liberava mais um pouco… Todo mundo andando em fila, com as mãos para trás, igual escola.
Hoje, quem foi preso está sendo liberado. Mas estão desde ontem em outro estado, mandando poucas notícias.
No Maracanã, quase sempre é assim, só que desta vez foi pior, porque além da truculência, prenderam todo mundo no estádio. Era um jogo de reabertura do Maraca, as duas maiores torcidas do Brasil, tinha tudo para ser um momento bonito do futebol e a polícia acabou sendo protagonista.