Publicado 28/09/2016 10:49
O cardápio de promessas com esse escopo pressupõe um governo recém-saído das urnas, legitimado pelo voto popular e com a população tendo sido informada sobre o conteúdo das reformas que pretende implementar. Só assim teria condições de aprovar uma agenda complexa, como o congelamento de gastos, reformas previdenciárias e trabalhistas, além de outras nos campos regulatórios.
Quando um governante se compromete com um prazo que não depende apenas do Poder Executivo assume um enorme risco, porque qualquer atraso será associado a derrota ou mentira.
Se este prazo, como é o caso, estiver relacionado a mudanças legais complexas, que sejam consideradas fundamentais pelo mercado, aí o risco de especulação, em caso de atraso, amplia-se ainda mais.
A suposição dos governantes é de que a oposição não terá força política para barrar as reformas nem voto suficiente para rejeitá-las no âmbito do Parlamento, e que o apoio da mídia e a cobrança do mercado serão suficientes para garantir a sua aprovação “in totum”.
Também não está considerando o risco de disputa no interior da base, especialmente em função da eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, dos desdobramentos da Lava Jato sobre os partidos aliados e também da precipitação do processo sucessório, além dos protestos e manifestações populares contra o conteúdo das reformas. Acrescenta-se a isso a falta de habilidade política de membros do governo sem suporte eleitoral, como o ministro da Fazenda, que dá declaração de que o Congresso “não pode” fazer mudanças mais profundas, e está também posta a imagem do conflito entre poderes.
A base governamental é formada por 240 deputados e 50 senadores que darão apoio consistente, 175 deputados e onze senadores que darão apoio condicionado, ou seja, negociarão (fisiológica e/ou ideologicamente) cada proposição, e 98 deputados e 20 senadores de oposição.
Com essa base, embora seja possível aprovar emendas à Constituição, isso não se dará de forma automática. Depende do conteúdo, do alcance, da complexidade, do ambiente político e da aceitação ou rejeição popular.
A calibragem no conteúdo, notadamente das reformas que exijam mudança na Constituição, a capacidade de negociação e coordenação política, além do cuidado para enviar um assunto polêmico de cada vez, serão determinantes para efeito de sucesso na aprovação da agenda.
Os governos, como regra, dispõem de quatro recursos de poder para fidelizar e manter coesa sua base de apoio: a) compartilhar a gestão, distribuindo cargos no governo; b) liberar recursos do orçamento, via emenda, convênio ou liberalidade; c) negociar o conteúdo da política pública; e d) dar carinho aos parlamentares, recebendo-os em audiências e levando-os aos eventos em seus estados.
Além disso, os governos operam com um sistema de amarras, só liberando um compromisso com os parlamentares às vésperas de contrair outro. Por essa lógica, tem que ser um assunto de cada vez.
Se acumular matérias, principalmente se forem temas polêmicos, sobrecarregam e ampliam a pressão sobre os parlamentares, que avaliarão os custos e benefícios de assumir esse desgaste.
O exemplo do governo FHC é ilustrativo nesse particular. No primeiro mandato foi relativamente fácil aprovar a agenda econômica, porque, além da legitimidade do governo, recém-saído das urnas, tratava-se de matéria sem impacto imediato sobre direitos. Mas as reformas previdenciária e administrativa, mesmo tendo sido enviadas em 1995, só foram aprovadas conclusivamente em 1998, e mesmo assim com importantes derrotas pontuais e até em aspectos centrais. O amplo rol de interesses atingidos tornou muito elevados os custos de transação para a sua aprovação.
Portanto, embora haja vontade e convicção do governo em favor das reformas, a começar pelo próprio presidente da República, dificilmente conseguirá concluir a votação da PEC 241 ainda em 2016. E muito menos aprovará a reforma da Previdência no primeiro semestre de 2017. Falta realismo ao governo Temer, e, como dizia Garrincha, o imortal craque, “é preciso combinar com os russos”.
*Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap