Para juristas, prisão de Mantega exemplifica problemas da Lava Jato
A prisão do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega é mais um exemplo dos problemas da operação “lava jato” na condução das investigações. As justificativas pouco críveis para a prisão e para a soltura, dizem criminalistas, mostram a fragilidade com que o Direito tem sido tratado, especialmente o direito de defesa.
Por Brenno Grillo, do Consultor Jurídico
Publicado 23/09/2016 14:04
Advogados também se dizem preocupados com a influência da opinião pública sobre as decisões do juiz Sergio Fernando Moro, responsável pela operação na 13a Vara Federal de Curitiba. Segundo os críticos, esse “terceiro interessado” pode retirar a imparcialidade tão necessária à Justiça.
Se havia risco claro de Mantega atrapalhar as investigações ou o processo, uma doença na família não poderia anulá-lo. Das duas uma: ou o entendimento do que é ameaça é diferente para os agentes envolvidos na "lava jato" ou esse perigo simplesmente nunca existiu.
Para Alberto Zacharias Toron, a prisão do ex-ministro da Fazenda foi claramente desnecessária e representa uma prática comum na operação da “lava jato”: atirar primeiro e perguntar depois. Segundo ele, os envolvidos nas investigações prendem sem critério e de maneira exagerada. “O padrão da ‘lava jato’ é algemas fáceis”.
Essa falta de critério, de acordo com Toron, ficou nítida com a prisão de Mantega, que foi determinada por suposto perigo às investigações, mas, como “num passe de mágica”, a situação vivida pela mulher do ex-ministro fez com que esse risco deixasse de existir. “Nunca houve necessidade de ele ser preso.”
Toron cita como outros exemplos de prisões desnecessárias as detenções do empreiteiro Ricardo Pessoa e dos executivos da Camargo Corrêa. Apesar da falta de critério nas prisões, o criminalista pondera que o juiz Sergio Moro teve bom senso ao libertar Guido Mantega.
O criminalista Daniel Bialski também critica a prisão de Mantega afirmando que não há nenhum ponto que garanta sua necessidade. “É indiscutível que ele estava sendo monitorado e, assim, sua detenção nessas circunstâncias beira o abuso e sem dúvida, é um exagero. Independentemente do que se investiga não há razão ou motivo para justificar a ação neste dia", disse à revista Veja.
"O STF tem criticado as ações exageradas e desnecessárias e esta é o exemplo maior disso. É preciso frear quem acha que tem o poder absoluto. As Cortes e instâncias superiores podem fazer isto. O Estado Democrático de Direito e diversos princípios e garantias constitucionais não podem ser desprezadas e nem se tornar letra morta”, complementa.
Prática generalizada
O constitucionalista Pedro Serrano ressalta que a prisão do ex-ministro nada mais é do que um exemplo do que ocorre corriqueiramente no Brasil. Segundo ele, prisões imediatistas sem o devido embasamento são decretadas comumente. “Essa banalização contraria imensamente a Constituição”, diz.
Especificamente sobre o caso envolvendo Mantega, Serrano explica que a prisão foi inconstitucional porque o ex-ministro não praticou nenhuma conduta que ameaçasse o processo ou as investigações. “A ideia da prisão cautelar é última medida a ser tomada”, justifica.
Classificando de crueldade a retirada de Mantega de perto de sua mulher, que estava tratando um câncer, o advogado reforça que a Constituição determina que ninguém pode sofrer tratamento degradante pelo poder público. Por outro lado, ele também elogiou a decisão posterior pela soltura. “Correta a decisão do juiz Moro.”
Serrano acha que o juiz federal realmente não sabia da situação de Mantega, mas pondera que os motivos usados para decretar a prisão não a justificam. Sobre outras prisões da “lava jato”, ele afirma que “praticamente todas as prisões são inconstitucionais” e que muitas foram usadas para conseguir delações.
O perigo é a influência
O criminalista Marcelo Feller diverge, em parte, de seus colegas de profissão. Ele afirma que, apesar das muitas prisões ilegais determinadas, inclusive para obter delações, elas não são um padrão da operação “lava jato”. “Tem muita gente investigada que não foi presa.”
Feller explica que seu foco de preocupação é outro: o suposto perigo com a liberdade de Guido Mantega. Ele destaca que a detenção do ex-ministro foi determinada por haver risco à investigação, mas que depois foi desfeita porque sua mulher estava no hospital. “Dramas particulares não influenciam se há motivos graves para decretar prisão temporária ou preventiva.”
Segundo o advogado, a soltura em razão da doença demonstra que a prisão não tinha razão de ser ou que foi determinada para agradar opinião pública. “Qualquer análise feita sobre o caso esbarra nas duas possibilidades”, diz, complementando que o sentimento da sociedade já foi citado por Moro como essencial para o sucesso de investigações de políticos e empresários, entre elas a operação mãos limpas.
“Não sei como é na Itália, mas, no Brasil, o juiz tem várias garantias justamente para não ser influenciado pela opinião pública”, afirma, ressaltando que Justiça feita com base na opinião pública é justiçamento. “Se fosse assim era só fazer uma enquete no Facebook.”
Para ele, os dois motivos são extramente preocupantes. “Se a opinião pública influencia liberdade do juiz e a liberdade do cidadão, isso é muito perigoso.” O advogado exemplifica seu raciocínio questionando se uma pessoa pública muito querida pela população, depois de presa, seria solta simplesmente por ser amada pela sociedade. “A lei é uma só.”
O advogado também questiona a fundamentação da prisão, feita com base em depoimentos do empresário Eike Batista, que foi muito próximo ao PT durante a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva e perdeu parte de sua fortuna no mercado de ações depois que os resultados empresariais prometidos por ele não se concretizaram. Ele destaca que o milionário está envolvido na causa. “Me parece de uma temeridade sem tamanho.”
A influência da opinião pública sobre Sergio Moro nesse caso também foi abordada pelo advogados Fabrício de Oliveira Campos. “O propósito prático da prisão temporária, nesse contexto, passa a ter duas razões, que não têm qualquer conexão com as finalidades que a lei prevê para a prisão: (a) criar repercussão do fato, mobilizando e tocando a opinião pública a propósito da suposta robustez das provas da investigação e do acerto das medidas investigativas já tomadas; (b) dificultar uma articulação defensiva inicial", disse, também à revista Veja.
Ele continua seu raciocínio destacando que, em alguns casos, esse é o momento usado pelas autoridades policiais para negociar a soltura, condicionando-a à colaboração do detido com as investigações. "Pego no ‘susto’, a possibilidade de formular respostas no interesse da investigação e entrar em contradições reais ou forçadas pelos órgãos de investigação aumenta”.
Mantega na "lava jato"
O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega foi preso na manhã desta quinta-feira (22/9) no Hospital Alber Einstein, na zona sul de São Paulo, e solto horas depois. No momento de sua prisão ele acompanhava sua mulher no tratamento de um câncer que foi descoberto há dois anos.
Segundo a Polícia Federal, Mantega é suspeito de intervir, em 2012, junto às empresas Mendes Júnior e OSX Construção Naval para negociar repasses de recursos para pagar dívidas de campanha do PT. O pedido seria uma espécia de contrapartida pela obtenção de contratos com a Petrobras para construção de plataformas de exploração de petróleo e gás.
À época dos supostos fatos, Mantega ocupava a Presidência do Conselho de Administração da Petrobras. Sobre o local da prisão, o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, em coletiva de imprensa, lamentou a "triste coincidência". Ele justificou a ação argumentando que o pedido de prisão temporária de Mantega foi feito em julho. Disse ainda que depois de iniciada é impossível parar uma operação da Polícia Federal.