Mercadante: Reforma do ensino médio é golpe e camisa de força
O ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante voltou a criticar, nesta sexta-feira (23), a proposta de reforma do Ensino Médio encaminhada pelo governo Temer por meio de média provisória ao Congresso Nacional. Para Mercadante, a flexibilização da grade curricular, sem a fixação do que deve ser oferecido a todos como dever do Estado, vai legalizar a desigualdade de oportunidades de aprender.
Publicado 23/09/2016 18:07
"Trata-se de revestir com a norma legal a desigualdade de oportunidades de aprendizagem, o que, na prática, atinge todos os brasileiros, especialmente, os mais pobres", afirma o ex-ministro.
Mercadante critica ainda a maneira "autoritária e arbitrária" como o tema foi encaminhado, sem qualquer participação popular e ignorando o processo de construção da Base Nacional Comum Curricular, que estava em andamento.
Para o ex-ministro, "esta medida provisória revela um método, autoritário, sem respeito aos processos democráticos e sem reconhecer que mudanças desta natureza exigem a participação efetiva dos que fazem o dia a dia da educação no Brasil: milhões de professores, estudantes e servidores. E de cima para baixo, sem a participação cidadã, não se constrói a democracia e muito menos educação de qualidade".
As críticas de Mercadante também recaem sobre a possibilidade de contratação de professores sem a devida habilitação profissional para as disciplinas que ministram. "Isto fere abertamente a LDB e é uma medida de duvidosa sustentação legal. A formação dos professores é o maior desafio do ensino médio, temos 115 mil professores que já ministram matérias sem a devida formação", alerta Mercadante.
Confira a íntegra da manifestação do ex-ministro:
A proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que vinha sendo discutida de forma transparente, democrática e participativa, foi duramente atingida pela reforma do ensino médio, encaminhada por meio de Medida Provisória, publicada nesta sexta-feira (23/9), sem qualquer consulta ou debate prévio. A proposta da BNCC foi entregue em maio ao Conselho Nacional de Educação (CNE) e foi apoiada pelo CONSED, conselho que reúne todos os secretários de educação dos estados, e pela UNDIME, que reúne os municipais.
A construção da BNCC foi realizado de forma participativa e precedida de um amplo debate, com mais de 12 milhões de contribuições, audiências públicas e seminários. O CNE ficou responsável por realizar as audiências públicas complementares, em todos os estados da federação e concluir o processo ainda neste segundo semestre.
A equipe de educação do golpe adiou o processo, sem qualquer justificativa e, agora, alegando urgência, edita de forma autoritária uma Medida Provisória. A proposta da BNCC já previa a flexibilização do grade curricular para abrir mais espaços para a inovação e as especificidades regionais, sempre dialogando com os interesses dos estudantes. Definia novos itinerários formativos, incluindo a formação técnica e profissionalizante. Apontava, ainda, que era necessário superar a estrutura enciclopedista do ensino médio. Entretanto, garantia que 23 da carga horária seriam de matérias obrigatórias, para assegurar o mesmo direito de aprendizagem de todos os estudantes do país. A proposta que estava em construção, procurava preservar uma formação cientifica e humanista para os estudantes, não fechando o caminho de oportunidades que o Enem, a política de cotas para as escolas públicas nas universidades e institutos federais, o ProUni e o Fies asseguram como acesso ao ensino superior.
A base não excluía áreas do conhecimento e o acordo com o CONSED estabelecia um prazo de dois anos para implantação das reformas necessárias.
Arbitrariamente, o campo curricular obrigatório foi reduzido a 50% e anunciado que seriam eliminadas disciplinas como Espanhol, Educação Física, Artes, Filosofia e Sociologia. Com a previsível reação contrária a equipe logo desmentiu, mas a verdade é que as disciplinas obrigatórias foram reduzidas para 50% da carga horária, sem respeitar a convergência democrática construída no projeto da BNCC.
A oferta de itinerários alternativos e a eleição de disciplinas opcionais pelo estudante, sem a fixação do que deve ser oferecido a todos como dever do estado, vai legalizar a desigualdade de oportunidades de aprender. Trata-se de revestir com a norma legal a desigualdade de oportunidades de aprendizagem, o que, na pratica, atinge todos os brasileiros, especialmente, os mais pobres.
A MP é um golpe e uma camisa de força para a definição da BNCC. Como a MP estabelece que as disciplinas obrigatórias serão definidas pela própria BNCC, qual a urgência? Nada poderá acontecer antes da conclusão do processo da BNCC, arbitrariamente adiada, sempre com o mesmo método que este governo golpista chegou ao poder, sem consulta popular, sem respeito a democracia e tentando usurpar o que não lhe pertence.
A MP fala em dialogar com o interesse dos estudantes, nada mais consensual. Porém, delega as secretarias estaduais de educação, que possuem condições extremamente heterogêneas, a completa liberdade para definir os itinerários formativos e as disciplinas optativas. Essa medida representa o risco concreto de um verdadeiro apartheid escolar no Brasil.
É indispensável que estabeleçam parâmetros nacionais mínimos para os itinerários formativos e currículo optativo.
A única definição de vigência imediata é a contratação de professores sem a devida habilitação profissional para as disciplinas que ministram. Isto fere abertamente a LDB e é uma medida de duvidosa sustentação legal. A formação dos professores é o maior desafio do ensino médio, temos 115 mil professores que já ministram matérias sem a devida formação.
A resposta deveria ser mais esforço nas carreiras docentes para estimular a devida formação, mais iniciativas como a Universidade Aberta do Brasil ou a Rede Universidade do Professor que disponibilizou vagas nas universidades públicas para professores concursados, que já ministram disciplinas sem a habilitação necessária, poderem acessar as vagas sem necessidade do Enem
Esta MP revela um método, autoritário, sem respeito aos processos democráticos e sem reconhecer que mudanças desta natureza exigem a participação efetiva dos que fazem o dia a dia da educação no Brasil: milhões de professores, estudantes e servidores. E de cima para baixo, sem a participação cidadã, não se constrói a democracia e muito menos educação de qualidade.