Lu Castro: O Branco x Preto perverso no futebol feminino brasileiro
O futebol feminino é um lugar de exclusão por natureza. É um lugar de exercício de poder masculino por natureza. O espaço do futebol das mulheres, é, predominantemente comandado por homens e com aplicação de conceitos machistas, como a necessidade de boa aparência das atletas. Podemos citar o Paulistânia, como um dos exemplos máximos de escolha por padrão estético.
Por Lu Castro*
Publicado 21/09/2016 17:56
Se estas são regras quase sempre replicadas, no atual momento da seleção feminina, tenho observado uma supervalorização da estética e de um padrão europeu em detrimento da real qualidade técnica de atletas.
Calma! É bom sempre deixar tudo bem explicadinho nos seus mínimos detalhes. Não estou dizendo que as atletas da seleção não são boas. Estou dizendo que tenho observado uma espécie de embranquecimento da nossa seleção principal. Há razões para pensar assim.
Usarei as seleções olímpicas como base de comparação.
Em 1996, a seleção olímpica tinha, entre tantas talentosas atletas, Michael Jackson, Roseli, Pretinha (a debulhadora das adversárias), Tânia Maranhão, Formiga, Katia Cilene, Fanta Mota. Mulheres de super destaque em suas posições e negras. Neste primeiro torneio de futebol feminino nos Jogos Olímpicos, a seleção brasileira ficou em 4º lugar.
Em 2000, a seleção olímpica contava como Daniela Alves, Tania Maranhão, Formiga, Katia Cilene, Roseli, Pretinha, Maycon e Rosana. O Brasil ficou com o 4º lugar novamente.
Em 2004, a medalha de prata veio com atletas como Grazi, Rosana, Pretinha, Daniela Alves, Renata Costa, Aline Pellegrino, Elaine, Maycon e Tânia Maranhão.
Em Pequim, 2008, a segunda medalha de prata da modalidade foi responsabilidade de atletas como Tânia Maranhão, Renata Costa, Maycon, Daniela Alves, Formiga, Ester, Bárbara, Francielle, Pretinha e Rosana.
A campanha em Londres, 2012, foi a mais sofrível comparada às anteriores, mais pelo mal aproveitamento das peças convocadas do que pela qualidade do futebol brasileiro. Naquela equipe, entre as atletas, tínhamos Aline Pellegrino, Ester, Formiga, Bárbara, Grazi, Renata Costa, Francielle, Rosana e Danielle.
A partir de 2014, com a implementação da seleção “permanente”, passamos por um processo de escolha clubística – graças ao fato de termos um ex-auxiliar técnico da Ferroviária na coordenação técnica das seleções femininas – e uma impressionante mudança no “padrão” estético das jogadoras brasileiras.
Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, a seleção convocada para a disputa do torneio contou com apenas uma atleta negra: Formiga. Luciana, goleira que participou de todo o processo de preparação, foi cortada e substituída por Aline. Não que Luciana tivesse mais ou menos condições de estar entre as 18 efetivas, mas, antes de Aline, Letícia Izidoro era a terceira goleira, que subiu da Sub-20 para a principal e com mais tempo de preparação com o grupo do que a escolhida como reserva de Bárbara. Mistérios da comissão que por enquanto não entendemos.
Há muito o que se pensar e pesquisar sobre o assunto e esta observação não tem partido apenas desta escriba. Há muito se fala sobre a venda do futebol feminino como produto interessante e, infelizmente, o conceito de muitos dirigentes sobre “interessante” não passa necessariamente pelo futebol em si, mas pela utilização do corpo e do padrão europeu de beleza como apelo para angariar público.
Há também uma visível e crescente redução de espaços como os campos de várzea para a prática do futebol, lugar que as mulheres periféricas também ocupam. O caminho para essas mulheres se torna mais áspero e sem perspectivas, já que espaços pagos são os mais disponíveis na cidade. Basta observar a quantidade de terrenos transformados em quadras de society para aluguel.
Os clubes da cidade geralmente oferecem quadras para a prática do futebol, ainda assim, são poucas as unidades para atender uma cidade como São Paulo e seu crescimento para além das áreas periféricas, ou seja, a construção de áreas de esporte e lazer não acompanha o crescimento da cidade, logo, temos demanda maior do que espaço para ocupação sendo a população negra e periférica a mais atingida com a ausência destes espaços. E isso atinge a mulher negra, fundamentalmente.
Acredito que existam mais pontos que definam este processo de embelezamento da seleção principal, por enquanto, obscuros ao menos para mim, mas que carecem de atenção e envolvimento nas discussões acerca do futebol das mulheres.
Não são poucos os problemas enfrentados na modalidade e esta implementação de padrões estéticos, nos coloca cada vez mais longe do ideal de equipe altamente competitiva e que venha disputar lugares mais expressivos em competições internacionais.
Supor que para fazer o futebol feminino “pegar” no Brasil é necessário que as jogadoras sejam bonitas – me expliquem como se eu tivesse, sei lá, 4 anos de idade, o que é bonito e o que é feio? – só denota uma grande ausência de competência real dentro da técnica do esporte. Afinal, só como parâmetro, acredito que convém perguntar: a seleção masculina é convocada com base na beleza dos jogadores?
Fica ai a pergunta e o tema aberto para reflexão e discussão.