Thierry Meyssan : União Europeia e a cúpula mesquinha de Bratislava
Os 27 Estados que desejam permanecer na União Europeia realizaram em Bratislava, capital da Eslováquia, uma cúpula em separado – quer dizer, sem o Reino Unido. Era suposto refletirem sobre o seu projeto comum mas contentaram-se em repetir as mesmas lengalengas. O mundo muda. O Reino Unido adapta-se. A União Europeia continua estagnada.
Por Thierry Meyssan, no Rede Voltaire
Publicado 20/09/2016 18:51
Três meses após a decisão dos eleitores britânicos em sair da União Europeia, os seus chefes de Estado e de governo – com a excepção do Primeiro-ministro do Reino Unido – reuniram-se em Bratislava para dar um novo alento à UE.
Esperava-se uma reflexão sobre o que havia conduzido ao Brexit, e sobre o que conviria fazer da União. Não foi o caso. Os 27 contentaram-se em lembrar o que é suscetível de acelerar a dissolução da UE enquanto se falava de terrorismo, sem compreender que o perigo é interno, quando a Alemanha e a França faziam ressurgir o projeto de um exército comum europeu, e Jean-Claude Juncker defendia os interesses dos banqueiros luxemburgueses.
Aquando do Brexit, explicáramos que o Palácio de Buckingham e uma parte influente da classe dirigente britânica desejava distanciar-se de Washington, e aproximar-se economicamente da China e militarmente da Rússia [1]. No entanto, Downing Street não revelou nenhuma das suas cartas, e mantém segredo sobre as suas intenções até a abertura de negociações de saída da União.
Ora, na arena da política internacional, Londres tomou duas atitudes importantes. Primeiro o relatório da Comissão Chilcot sobre a guerra contra o Iraque e o da Câmara dos Comuns sobre a guerra contra a Líbia. O primeiro, redigido em 2009-10, dormia há anos numa gaveta. O segundo foi lançado durante o verão. Ambos se empenham em criticar o alinhamento de Downing Street com a Casa Branca, seja com o trabalhista Tony Blair, seja sob o conservador David Cameron.
Num estilo muito britânico, os autores notam a inanidade dessas guerras e relevam as mentiras que serviram para as justificar. Mas nem uma palavra sobre os acordos secretos entre Londres e Washington, nem sobre o papel do MI6 na fabricação destas mentiras. O que é secreto assim deve permanecer. Seja como for, estes relatórios põem um termo à versão atual da "relação especial" entre os dois países.
Os chefes de Estado e de governo da União Europeia não leram estes relatórios e, portanto, não se colocaram a questão de saber o que Londres prepara. Alguns asseguraram até que os Ingleses não deixariam a UE se se lhes fizesse frente aquando das negociações do Brexit.
Todos advertiram Angela Merkel contra a organização de uma segunda vaga de migrantes, e repetiram a sua vontade de implementar as medidas já delineadas para a impedir. Seja como for, ninguém colocou a questão de saber se a primeira vaga de migrantes bastará para resolver o problema demográfico alemão, ou se Berlim se estimará forçada a jogar uma segunda rodada, como o havia anunciado.
Na verdade, as ameaças dos 26 contra a Alemanha não terão efeito se esta reiterar a operação. O primeiro-ministro luxemburguês – quer dizer o sucessor de Jean-Claude Junker neste posto – propôs excluir a Hungria que recusa a sua cota de refugiados. Certamente um meio de prevenir a dissolução da União.
Três projetos foram considerados [2] :
– Em primeiro lugar, em matéria de luta contra o terrorismo, cuidar em não deixar que qualquer um possa entrar na Europa. É evidentemente uma necessidade, mas isso não responde de todo ao problema, sendo que a maior parte dos terroristas são europeus. A União não fez ainda qualquer reflexão, nem sobre o terrorismo em massa, que se observa no "Oriente Médio Alargado", nem sobre as ações terroristas que a atingiram. Ninguém leu as obras estratégicas do Estado Islâmico (Daesh), como Le Management de la Barbarie (A Gestão da barbárie), e, portanto, não observou que a maneira atual como estão a lutar contra o terrorismo é, exatamente, para onde os terroristas querem conduzir a União.
– Em segundo lugar, o projeto de exército comum europeu será discutido na cúpula do mês de dezembro. É de lembrar a Comunidade Europeia de Defesa (CED), que devia reunir a França, a Alemanha Ocidental e o Benelux nos anos 1950. À época – quer dizer no contexto da guerra da Coreia –, Paris opunha-se ao rearmamento da Alemanha Ocidental, mas era favorável à integração de um exército alemão-ocidental num exército comum. O projeto jamais viu a luz do dia porque foi rejeitado em Paris por uma aliança de gaullistas e comunistas.
Hoje em dia, o exército alemão foi reformado e colocado em operações de "manutenção de paz", sem que Paris se oponha a tal. No contexto atual, o das guerras na Síria e no Donbass, a União finge acreditar numa ameaça de invasão russa. Há um ano e meio atrás, dotava-se de uma East StartCom Task, ou seja de um discreto gabinete de propaganda anti-russo que alimenta milhares de jornalistas com as suas "informações". Tal como em 1954, é evidente que este projeto é uma moda americana para alistar os Europeus em próximas guerras. E, não é de estranhar que, desta vez, o Reino Unido post-Brexit se oponha a tal.
– Por fim, o Fundo Europeu para os Investimentos Estratégicos deveria ser lançado em 2017. Este fundo é conhecido através do "plano Juncker". Na realidade, é um velho projeto do Banco Europeu de Investimento (BEI), uma instituição igualmente sediada no paraíso fiscal luxemburguês. Este fundo não tem feito mais que aumentar os meios do BEI e da sua burocracia. Só marginalmente é que relançou o investimento na Europa e paradoxalmente aumentou sim os desequilíbrios: ele, por exemplo, quase não interveio na Grécia, o país que mais necessidade tinha disso – mas, claro, isso não interessa aos banqueiros que veem esse país como um devedor.
Em resumo, a Cúpula de Bratislava mostrou a vontade dos 27 em nada mudar na União. Segundo eles, tudo pode continuar como antes desde que a Alemanha não faça mais entrar migrantes. Podemos, pois, continuar a "lutar contra o terrorismo" vendo-o a desenvolver-se, a preparar-mo-nos para nos juntarmos aos Estados Unidos na sua próxima guerra, e a deixar os nossos banqueiros decidir os nossos investimentos.
[1] “O Brexit redefine a geo-política mundial”, “A nova política estrangeira britânica”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 27 de Junho & 4 de Julho de 2016.
[2] "Declaración de Bratislava", Red Voltaire , 16 de septiembre de 2016.