Comunista dos EUA fala sobre a eleição e a esquerda em seu país
Em entrevista à Lucivânia Nascimento dos Santos, cientista social e militante do PCdoB, o dirigente do Partido Comunista dos Estados Unidos da América (Communist Party of the United States of America – CPUSA), Joe Sims, discorre sobre as eleições presidenciais no seu país, o papel imperialista dos Estados Unidos e sua influência sobre a União Europeia.
Publicado 20/09/2016 14:21

Sims trabalha como jornalista no Partido Comunista dos Estados Unidos há 25 anos. Primeiro trabalhou na Liga da Juventude Comunista (Young Communist League-YCL). Depois como editor durante 15 anos do jornal teórico do CPUSA. Atualmente, é membro do Conselho Nacional do CPUSA e coordenador de mídia social e trabalho do partido.
Conte-nos sobre a sua atuação profissional e a sua atuação no CPUSA.
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Joe Sims |
Meus trabalhos envolvem a coordenação do trabalho do partido e dos nossos meios de comunicação social. Temos duas publicações, peoplesworld.org e cpusa.org. A tarefa consiste em aplicar a ideia leninista de construção do partido em torno da imprensa para o século 21 e meios de comunicação social. É um grande desafio para nós e exige uma mudança de cultura, a prática e a aprendizagem de novas tecnologias. Alguns dos nossos companheiros ainda estão investidos na experiência do século 20 com publicações impressas, de modo que, fazer a transição é difícil.
Temos duas experiências no partido: o tradicional, onde camaradas são organizados em clubes em cidades de todo o país e um novo, onde novos membros juntam-se on-line em pequenas cidades e vilas. Estas duas experiências devem ser coordenadas e combinadas. Esse é o meu trabalho.
Eu sou um membro do Conselho Nacional do CPUSA (comissão política) e comitê nacional (Comitê Central).
O que você pensa sobre o sistema eleitoral dos Estados Unidos?
Temos um sistema de dois partidos com eleições diretas. A eleição presidencial é diferente porque há um "colégio eleitoral", que elege o presidente. A forma como este colégio eleitoral funciona é que cada estado, em função da sua população, tem um certo número de votos eleitorais, o candidato ganha o estado se tiver o maior número de votos. Portanto, em outras palavras, temos 50 eleições estaduais separadas.
Com base nestas eleições estaduais, após o Colégio Eleitoral votar em Novembro, reúne-se e, em seguida, elege o presidente. Nessa situação, você pode ganhar o voto popular, mas perder a eleição como na eleição de 2000, quando Al Gore perdeu.
É muito difícil para terceiros partidos participar das eleições. Chegar nas cédulas é muito difícil e requer um grande número de assinaturas. Há dois terceiros partidos concorrendo neste ano, mas eles são incapazes de participar dos debates porque eles não conseguiram chegar a 15% nas pesquisas de opinião pública. Portanto, é muito antidemocrático.
Este momento da disputa é bastante acirrado entre Hillary Clinton e Donald Trump. Uma pesquisa da rede CBS News e do jornal The New York Times, há apenas duas semanas do primeiro debate entre os candidatos, mostra Hillary com uma vantagem de dois pontos (44% a 42%), que quando concentrada em eleitores registrados expande cinco pontos (46% a 41%). Na sua opinião, quais são as consequências para a América Latina se Donald Trump for eleito presidente dos Estados Unidos?
Trump é um político muito perigoso e demagogo. Ele planeja construir um muro entre os EUA e o México e deportar imigrantes. As duas questões principais são o comércio e a imigração. Em relação ao comércio, ele diz que é contra o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e outros acordos comerciais. Duvido que continuará após a eleição porque esses pactos comerciais são muito importantes para o Partido Republicano.
Na política externa, eu acho que ele vai continuar uma plataforma agressiva antissocialista e anticomunista. A normalização das relações com Cuba, provavelmente, virá a um impasse. Dará ainda mais apoio às oposições na Venezuela, Brasil, Bolívia etc (após o golpe de Estado no Brasil, neste ano, a oposição do Brasil a que Joe se refere se tornou situação, compondo o governo Temer, não reconhecido pelo povo). Trump em nossa opinião representa um fascista. A não ser que estas tendências sejam interrompidas, não está claro o que vai acontecer.
Joe, ao longo de sua vida como um militante de esquerda, você assistiu a evolução política e da luta dos movimentos sociais durante a Guerra Fria. Quais são as mudanças na política externa dos EUA após o fim da Guerra Fria?
O imperialismo americano continuou a buscar a hegemonia em todo o mundo. Após a Guerra Fria, é claro, a questão que ocupou seu lugar foi a do terrorismo. Por trás dela, ou pelo menos em parte, estava o acesso às reservas de petróleo do Oriente Médio. No teatro europeu a Otan foi mantida e com ela uma política agressiva em curso em relação à Rússia, apesar da derrota da União Soviética (URSS).
É difícil falar sobre a política externa dos EUA, já que os republicanos e democratas têm estado na Casa Branca durante todo este período. Obama em certos aspectos, resiste aos apelos para uma intervenção militar, com exceção da Líbia etc. Mas a política neoliberal global tem sido praticamente a mesma: o pacto de comércio transpacífico (TPP – Transpacific Trade Pact) é um exemplo disso, com o chamado "pivô para a Ásia”. Grande parte do TPP é dirigido contra a China.
Qual é a avaliação do CPUSA sobre a relação de poder entre os Estados Unidos e a União Europeia? Em sua opinião, quais mudanças podem ocorrer nesta relação se Trump for eleito?
Eu acho que as classes dominantes nos EUA e na União Europeia estão, em grande parte, na mesma situação. A votação da saída do Reino Unido, o Brexit, é claro, abalou as coisas. Na opinião de alguns, o neoliberalismo atingiu o limite na política. Se esse for o caso, economicamente é outra questão. Nos EUA, o apoio da classe trabalhadora tanto para Sanders quanto para Trump refletiu o descontentamento com o estado da economia: salários estagnados, desemprego etc.
O desafio para a esquerda e o movimento operário é lutar por nossos interesses nessa situação. Duvido que Trump, se eleito, vai desafiar o status quo na Europa. Ele atacou a Otan e questionou sua utilidade. Por esta razão, muitos dos republicanos e o establishment da política externa dos EUA o vêem como impróprios para servir como presidente.
Bernie Sanders era um pré-candidato presidencial com uma boa chance de representar o Partido Democrata nesta eleição. Ele apresentou-se como socialista e tinha considerado ideias progressistas. Defendia, por exemplo, o serviço público de saúde, o ensino superior gratuito, a mudança na política externa dos Estados Unidos… Qual foi a posição do CPUSA sobre o pré-candidato Sanders?
A campanha de Sanders e a "revolução política" que ele defendeu é extremamente importante. Ele mostrou o conceito de socialismo para o grande público EUA pela primeira vez em muitas décadas. A campanha de Sanders também demonstrou que o caminho eleitoral para a mudança é uma estratégia viável: isso também é muito importante. Devido a isso, em muitos aspectos os EUA nunca serão o mesmo. Nossos membros foram ativos em sua campanha a nível local – alguns também apoiaram Hillary, mas a maioria estava com Sanders. Nós não concordamos com Sanders em tudo e havia alguns problemas com sua campanha. Por exemplo, temos um conceito do socialismo diferente do que ele tem; e nós sentimos que sua campanha não apreciou o significado da questão nacional dos EUA, em outras palavras, o racismo e seus efeitos. Sanders, claro, fez ajustes ao longo da a campanha. No entanto, os aspectos positivos superaram os negativos. Foi histórica, maravilhosa, emocionante, com enormes implicações para o futuro.
Você vê boas perspectivas para a esquerda progressista nesse momento nos Estados Unidos? O bom desempenho de um pré-candidato como Sanders nas prévias deu-lhe novas expectativas sobre a evolução da luta de classes nos Estados Unidos?
Há uma grande quantidade de evidências de que a política dos EUA está passando por um realinhamento. Isso vem ocorrendo há muitos anos: A eleição de Obama, em 2008, foi uma indicação disso: em seguida veio o movimento Ocupe Wall Street. O Black Lives Matter (A Vida dos Negros importa) e a campanha de Sanders são exemplos mais recentes.
Obama inicialmente representou um impulso independente fora dos círculos tradicionais do Partido Democrata. Foi um processo de centro-esquerda, em grande parte organizado on-line que, desde então, desembocou no Partido Democrata, mas suas origens são importantes. A unidade é um imperativo, mas o desafio é a força da esquerda nos EUA, que é substancial mas em grande parte desorganizada e dispersa.
O movimento marxista e o Partido Comunista, em particular, não são grandes o suficiente para responder ao desafio. Também não é a ampla esquerda. Nossa tarefa principal é no decorrer das lutas em curso, construir a nossa associação e influência. Esse é um lado da questão. O outro é respeitar e trabalhar com a independência e diversidade de outros setores de esquerda. Nossos interesses não podem ser egoístas.
Como ressoou nos movimentos sociais dos Estados Unidos o golpe no Brasil?
Estamos muito preocupados com o golpe: os movimentos sociais consideram que é um grande retrocesso para a democracia: Ele foi condenado por muitos nos EUA, incluindo a principal central sindical dos EUA, a AFL-CIO. Eles expressaram a sua solidariedade para com os brasileiros de muitas maneiras.
Qual é o papel real da Otan no atual cenário político mundial?
A Otan é um produto da Guerra Fria. Como uma aliança política e militar seu objetivo é cercar a Rússia, que é vista como a ameaça principal e concorrente. Olhe o que está acontecendo na Ucrânia, por exemplo.
Essas políticas se tornaram obsoletas. Considere os gastos militares em curso e a construção de novos tipos de armas nucleares: com que finalidade? Estes gastos continuam a colocar enorme pressão sobre os orçamentos nacionais e contribuem para a crise do neoliberalismo. Esses recursos podem e devem ser utilizados no mercado interno.
A partir de sua experiência na luta política e social, você considera que há um aumento da extrema direita nos Estados Unidos, Europa e América Latina? Há evidências sobre isso? Quais seriam essas evidências?
Eu não sou um especialista em América Latina e Europa. Quanto aos EUA, eu diria que o país está profundamente dividido. Eu realmente acho que a eleição de Obama em 2008, em meio à crise financeira, representou um recuo para a direita. No entanto, foi um recuo inconsistente ou incompleto e que se recuperou rapidamente. Mas quando você olha para onde as pessoas estão, em termos de opinião da maioria, existem fortes correntes democráticas. Ao mesmo tempo, a direita é muito forte e controla o Congresso dos Estados Unidos e a maioria dos governadores e assembleias legislativas estaduais.
O problema, como já dissemos, é que nos últimos 20 ou 30 anos o capitalismo tem sido incapaz de melhor a vida das pessoas. Nossas vidas ficaram piores: a desigualdade tem aumentado devido à desregulamentação, privatização, pactos comerciais "livres", e as medidas de austeridade. A direita tem capitalizado esses temas. Então, eu não sei se a direita é mais forte, mas eles tornaram-se mais agressivos e usam até mesmo meios ilegítimos de chegar ao poder, como o golpe legislativo no Brasil. E é isso que os torna tão perigosos. Nos EUA, Trump já questionou se as eleições serão legítimas. E se não, o que então? A questão em si é uma grande provocação.
O que você pensa sobre a luta anti-imperialista na América Latina e a ascensão de governos como o de Hugo Chávez, Evo Morales, Lula e Dilma?
Acreditamos que cada país trata o socialismo de sua própria maneira: cada um tem seu próprio caminho e não há modelos. Por outro lado, a experiência na América Latina é extremamente importante para estudar e aprender. A este respeito, pode ser ainda mais importante para nós do que o processo revolucionário na Rússia ou na China, por exemplo.
Por quê? Porque os países da América Latina são mais desenvolvidos, têm classes trabalhadoras maiores e sociedades civis mais diversas do que tinham a Rússia ou a China, que ainda tinham grandes resquícios do feudalismo. Temos mais em comum com a América Latina, mesmo quando existem diferentes estágios de desenvolvimento no trabalho.
O socialismo foi implementado em países onde se tinha a menor chance de sucesso. Essa é uma das grandes ironias da história: a de que ele entrou para a história pela porta dos fundos das civilizações. Essa porta foi fechada. Agora, temos de encontrar um novo caminho democrático e não violento para uma nova sociedade.
Os partidos da região apontam para esse novo caminho: a importância da coligação; a unidade da centro-esquerda; como lutar para o papel de liderança da classe operária: o papel da questão nacional, as mulheres, o papel dos movimentos sociais. É um desenvolvimento muito complexo e emocionante.
Para os partidos comunistas o desafio é encontrar formas específicas de cooperação, respeitando a autonomia e a construção da unidade. A este respeito, as experiências negativas de esforços anteriores não foram superadas. No entanto, a internet e as mídias sociais oferecem novas oportunidades que não estamos aproveitando. O ponto é ir além.
Qual é a sua mensagem para os comunistas no Brasil, especialmente para a juventude brasileira?
Você é uma inspiração. Mantenha o bom combate. Temos certeza que você vai ganhar e sua vitória é nossa.