Publicado 01/09/2016 15:38
O professor de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon-Unicamp) Guilherme Santos Mello rebate afirmações do presidente da Bovespa, Ademir Pinto, que disse ontem (31), por nota, que a deposição da presidenta Dilma Rousseff fará o mercado brasileiro viver um "choque de capitalismo". Para o economista, ao contrário do que pensa o executivo do mercado financeiro, não haverá impulsionamento econômico no país.
"O choque de capitalismo é reduzir a interferência do Estado para liberalizar as relações econômicas. Mas a questão é que haverá o choque de qual capitalismo? Do rentista e oligopolizado que temos? Porque é essa versão que está em vigor no Brasil. Mas, mais que monopolizador, o capitalismo brasileiro é rentista, que não produz ou gera empregos. Se é disso que estão falando, não vejo com bons olhos esse termo. Eu não consigo encontrar eventos históricos no Brasil, em que a retirada do Estado e de direitos sociais, impulsionou o desenvolvimento econômico social, pelo contrário", afirmou à RBA.
Ademir Pinto também diz que o Brasil sai de uma "situação de espera" para a retomada das operações no mercado. Para o economista, o país vivia uma situação de incerteza, mas a grande maioria dos investidores já estava convencida do desfecho do processo de impeachment. "Pode ser que alguns investidores estrangeiros não tivessem essa percepção, mas falar que a pequena incerteza mudava a percepção dos investidores é um exagero. Essa visão da Bovespa é muito inocente, ao acreditar que a votação do impeachment resolve a crise política, acabou com as incertezas e recuperará os negócios", disse.
"Outra coisa que é pouco considerada é que você substitui uma instabilidade para colocar várias incertezas no lugar. O processo de impeachment foi muito traumático para o Brasil. Você tira uma incerteza do caminho e colocou diversos conflitos que geram incertezas. Portanto, a crise política não foi resolvida, ao contrário, ela foi agravada. As feridas de um processo traumático como esse não são de fácil cicatrização", acrescentou.
Governo Temer
Mello também avalia que o governo de Michel Temer vai ter que abrir mão do sonho liberal completo. "Ele vai olhar mais para os empresários, mas existem dicotomias nas questões das concessões e privatizações. Os empresários querem as concessões, só eles investirão em infraestrutura em momentos de baixa demanda. Então, quem vai financiar esse investimento?", questionou. "Precisará de créditos a longo prazo, e só o BNDES concede crédito assim. Se você não usar o BNDES como crédito subsidiado, esse custo de funcionamento vai parar na tarifa. Portanto, há o risco de não haver interessados para captar esse volume de dinheiro. É necessário o BNDES dando crédito subsidiado para fazer as concessões, ou seja, precisa do apoio estatal."
O professor também questiona a aposta de Temer basear a retomada de crescimento na confiança do mercado. "Como faz para reconquistar a confiança? Através de uma reforma fiscal, mas é possível aprová-la? Porque ela envolve aumento de impostos ou a redução da renda líquida do trabalhador, com ataques aos direitos sociais, basicamente jogando a nova classe média para a pobreza novamente. Mesmo que isso seja aprovado, por que o empresário vai investir em um cenário onde as famílias não estão comprando, as condições para exportações pioraram e o governo também não compra? Então, por que os empregadores irão aumentar a produtividade se não há demanda?"
Para Guilherme Mello, a recuperação da economia será "muito lenta e bastante gradual", mas, segundo ele, é motivada pelos momentos cíclicos econômicos. O economista também disse que a não retomada de crescimento é motivada pela taxa Selic, mantida em 14,5%, ontem, pelo Copom.
"A taxa de juros alta atrai capitais e valoriza a taxa de câmbio, assim reduz a inflação. Só que ao mesmo tempo que aumenta a taxa de câmbio, você mata a possibilidade de o país recuperar o crescimento econômico por conta da redução das exportações. O Banco Central faz isso então para controlar a inflação, mas paralisa a retomada de crescimento", afirmou.