“Testemunhas” dos golpistas admitem: Trama contra Dilma começou no TCU
Enquanto a grande mídia trata o julgamento do processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff como se fosse apenas mais uma sessão, no Senado acontece a mais importante sessão da história do país, que definirá o rumo da vida política e democrática do Brasil. Das seis testemunhas indicadas pelos golpistas, duas já desmoralizaram a tese do impeachment, desnudando o golpe.
Por Dayane Santos
Publicado 26/08/2016 14:37
O jornal Bom Dia Brasil, da Rede Globo, desta sexta-feira (26), pintou um cenário, repetido pelos demais jornais impressos, de rádio e TV, que diz que o julgamento do impeachment se trata de uma briga recheadas de baixarias em que parlamentares que defendem o mandato legítimo da presidenta Dilma tentam protelar, arrastar o julgamento para, supostamente, salvar o mandato.
Esse discurso é o mesmo feito por parlamentares golpistas da base de Michel Temer (PMDB). Mas a realidade é bem diferente. Basta um senador defensor de Dilma falar, que outros quatro senadores golpistas se inscrevem em seguida, repetindo o mesmo discurso com jargões e ilações. Quem está protelando afinal?!
Na sessão desta sexta (26), os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ), pelo líder da Minoria, e Ronaldo Caiado (DEM-GO) voltaram discutir. No estilo faroeste goiano, Caiado – que não gosta de ser contrariado -, foge do debate e parte para o confronto pessoal (na maioria das vezes físico), para atrapalhar a sessão.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), entrou na discussão e afirmou que a Casa passa a impressão de que o julgamento está sendo presidido “em um hospício” e chegou a ameaçar suspender o depoimento de Dilma, marcado para sessão de segunda-feira (29), se continuasse a troca de acusações entre os parlamentares no plenário do Senado.
“Ele não tem esse poder porque nem preside a sessão de julgamento. A única forma de o depoimento não ocorrer na segunda-feira é se não forem concluídas as oitivas das testemunhas”, afirmou a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).
Na verdade, a preocupação dos golpistas é não deixar os senadores que lutam contra o golpe falarem, denunciarem a fraude desse processo. A afirmação de Renan, que cogita impedir Dilma de falar, revela grau de desespero.
Mas o comportamento dos parlamentares governistas revela também que Temer e seus ministros bravateiam quando dizem que o julgamento é apenas uma formalização, pois já contam com os votos para a aprovação do golpe. Como se explica tanto descontrole e tensão por parte da bancada golpista se o impeachment está garantido?
O crime
Num tribunal fraudado, análogo ao de exceção, as provas que favorecem o acusado são camufladas, retiradas e intencionalmente forjadas para incriminar o réu. O que os golpistas não esperavam é que, questionadas pelos senadores, as “testemunhas” escolhidas por eles confessassem seus crimes.
Foi o que aconteceu durante a oitiva do ex-auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) Antônio Carlos Costa D'Ávila Carvalho, nesta quinta. Ele admitiu ter auxiliado na redação da representação do Ministério Público contra a presidenta afastada Dilma Rousseff por operações de crédito consideradas ilegais com bancos públicos, o que foi considerado pela defesa da petista como algo “gravíssimo” durante o julgamento do processo de impeachment.
O ex-auditor foi questionado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) se havia contribuído com o procurador do Ministério Público da União junto ao TCU Júlio Marcelo de Oliveira – que foi a primeira “testemunha” a ser ouvida na sessão – na elaboração da representação, apesar de como auditor ter sido responsável posteriormente por avaliar a questão.
“Formalmente a representação foi apresentada pelo dr. Júlio. Cabia a ele decidir se faria ou não, mas sim eu conversei com ele antes da apresentação da representação, passei a ele alguns conceitos porque envolvia questões de apuração de resultado fiscal, e em função do que estava colocado nos jornais ele queria obter mais informação com relação a isso. Auxiliei na redação de alguns trechos da representação”, disse o ex-auditor, admitindo que Júlio Marcelo pediu seu auxílio na construção do que se transformou na principal peça de acusação contra a presidenta. “Conversei com ele, passei a ele alguns conceitos. Auxiliei, sim”, confessou.
O ex-ministro José Eduardo Cardozo, advogado de defesa da presidenta Dilma, disse que a afirmação é estarrecedora. “É o mesmo que um juiz auxiliasse um advogado a elaborar a petição que seria dirigida a ele para que ele pudesse acolhê-la. É gravíssimo”, explicou Cardozo.
Para o advogado de defesa trata-se de um fato “gravíssimo”. “O Ministério Público pede o auxílio de um auditor, que tem o dever da imparcialidade funcional, para preparar uma representação, e esta representação é dirigida ao próprio auditor”, afirmou.
O senador Randolfe lembrou que por uma estranha “coincidência”, a representação caiu exatamente com D’Ávila para que ele desse o parecer.
“Embora o processo apresentado por Júlio Marcelo devesse ter sido distribuído para a Secretaria da Fazenda do TCU, estranhamente foi distribuído para a Semag (Secretaria de Macroavaliação Governamental) onde atuava quem? O doutor Antônio Carlos D’Ávila”, afirmou o senador da Rede.
“A testemunha admitiu aqui que subsidiou a representação. A mesma que foi julgada por ele!”, prosseguiu. “A distribuição do processo no TCU foi feita para assegurar que a representação caísse justamente nas mãos de D’Ávila e não para a secretaria de origem”, concluiu.
Com a maior cara de paisagem, D’Ávila Carvalho disse que não havia nada de estranho ou irregular em sua conduta. “Eu poderia ter representado; e não há nada de não republicano na minha conduta”, esquivou-se.
José Eduardo Cardozo demonstrou que a conduta de D’Ávila e Júlio Marcelo fere os artigos 5º, 13º e 14º do Código de Ética do Tribunal de Contas, além da ação de Júlio Marcelo estar em desacordo com a Lei 8.112, que rege o funcionalismo público. O advogado de defesa pediu ao ministro Lewandowski, em caráter de urgência, as atas e notas taquigráficas da sessão para tomar as providências disciplinares e tipificadas cabíveis.
“Juntos, eles formularam a tese das pedaladas, da operação de crédito que não houve. A tese fabricada para condenar Dilma. Formularam a fraude que colocou o Brasil em xeque”, denunciou Cardozo.
Origem no ninho tucano
Como disse Cardozo, o depoimento do ex-auditor e o procurador do Ministério Público da União junto ao TCU, Júlio Marcelo de Oliveira, desnudaram a trama do golpe. Confirmaram que a conspiração golpista iniciou com a decisão política do Tribunal de Contas em transformar em “crime” uma medida adotada por outros presidentes. Como admitiu o próprio Augusto Nardes, relator das contas da presidenta Dilma de 2014: “As contas presidenciais sempre foram aprovadas com ressalvas pelo TCU nos últimos 80 anos e ninguém tinha coragem de mudar esse quadro”.
Essa tese das “pedaladas” articuladas por integrantes do TCU encontrou seu ninho entre os tucanos. O PSDB, quatro meses depois de ter sido derrotado nas urnas, encomendou parecer ao jurista Ives Gandra para que ele embasasse a ação nos pareceres de auditores e do Ministério Público junto ao TCU, sob a tese que o governo descumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O parecer de Gandra foi criticado por ainda estar muito “político”. Os tucanos então foram atrás de Miguel Reale Jr, ex-ministro do governo FHC, que transformou o seu parecer no pedido de impeachment que ele mesmo assina e que está em julgamento no Senado.
Ou seja, transformaram uma conduta, antes legal, em crime para condenar. Um dos princípios constitucionais estabelecidos pelo artigo 5º, inciso XXXIX, afirma: “Não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Trata-se do princípio de legalidade e princípio da anterioridade.
Atropelando todos os princípios legais e éticos, esse processo de impeachment macula a história do Brasil, como um dos mais graves crimes contra as instituições democráticas e contra o povo brasileiro. Submetem o país aos seus jogos de interpretações de leis, isoladas do contexto político e do regime político vigente.