O quesito cor no pelourinho dos tribunais raciais brasileiros
Leia com calma: “A reserva de cotas para candidatos negros no serviço público federal foi estabelecida pela Lei 12.990/2014, em vigor desde sua publicação. A verificação das informações prestadas pelos candidatos cotistas ainda não estava padronizada, o que gerava contestações.
Publicado 23/08/2016 11:31
A Orientação Normativa 3, de 1º de agosto de 2016, publicada no ‘Diário Oficial da União’ (‘DOU’) dessa terça-feira (2), determina a verificação da veracidade da autodeclaração do candidato que se denominar preto ou pardo para concorrer pelo sistema de cotas (…).
“O candidato somente será confirmado como preto ou pardo por meio de verificação presencial, avaliado exclusivamente sobre aspectos fenotípicos (conjunto de características físicas de um indivíduo). O ato foi elaborado seguindo tratativas do Ministério Público Federal (MPF) e da Advocacia Geral da União (AGU)”. (“Governo estabelece verificação de informações de candidatos cotistas em concursos públicos”, 2.8.2016).
Há um problema de grande vulto na Orientação Normativa 3. Ela extrapola o quesito cor do IBGE: “avaliado exclusivamente sobre aspectos fenotípicos”. Pergunto: quais? Troquemos em miúdos. O que é uma classificação racial? O que é o quesito cor?
Em 1775, Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840), fundador da antropologia, cunhou a região geográfica originária de cada raça e a cor da pele como elementos demarcatórios entre elas (branca ou caucasiana; negra ou etiópica; amarela ou mongólica; parda ou malaia; e vermelha ou americana). Desde então, a cor da pele aparece como um dado recorrente: tem sido o mais usado e aparece em quase todas as classificações raciais.
O IBGE adota o quesito cor (cor da pele), conforme as categorias: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Indígena, teoricamente, cabe em amarelos (populações de origem asiática são catalogados como de cor amarela). No Brasil, dada a dizimação dos povos indígenas, é essencial saber a dinâmica demográfica deles. População negra, para a demografia, é o somatório de preto e pardo. Ressalto: preto é cor, e negro é raça. Não há “cor negra”, há cor preta!
A autodeclaração do quesito cor é conquista democrática e não deve ser submetida a um tribunal racial por dois motivos elementares. O primeiro: todas as classificações raciais são arbitrárias – qualquer pessoa pode inventar uma, e ela será igualmente válida às existentes. Estudos da genética molecular, sob o concurso da genômica, são categóricos: a espécie humana é uma só, e a diversidade de fenótipos, bem como o fato de que cada genótipo é único, é norma da natureza. Tendo o DNA como material hereditário e o gene como unidade de análise, não é possível definir quem é geneticamente negro, branco ou amarelo. O genótipo sempre propõe diferentes possibilidades de fenótipos. Herdamos genes, e não caracteres!
O segundo é que dados da demografia brasileira mostram que a diferença entre cor autodeclarada e cor atribuída por terceiros é estatisticamente irrelevante. Na irrelevância estatística ocorrem as fraudes nas cotas étnicas. E não há dúvida de que aparecerão nos concursos públicos, pois não há nada imune a fraude!
Por que não tornar a fraude do quesito cor um crime hediondo, imprescritível e inafiançável, em vez de reeditar tribunais raciais de triste memória? A verificação de informações de candidatos cotistas em concursos públicos é a legalização de um tribunal racial! Em suma, negra pessoa de ancestralidade africana, desde quem assim se identifique, que na tradução do IBGE é quem se autodeclara preto ou pardo.