Gleisi Hoffmann: “Dilma não cometeu crime, estão forçando a barra”
Numa entrevista concedida ao jornal El Pais, a senadora petista diz que o governo Michel Temer é errático e defende plebiscito. Para Hoffman, o povo deve ser ouvido para ajudar a superar a crise sem precedentes que o país vive.
Publicado 23/08/2016 09:19
Representante da linha de frente de defesa de Dilma Rousseff (PT) no Senado, a ex-ministra da Casa Civil e senadora pelo PT do Paraná, Gleisi Hoffmann (PT-PR), diz que a presidenta afastada não cometeu nenhum crime de responsabilidade e, por isso, não deveria sofrer impeachment.
El Pais: Como a carta de Dilma Rousseff pode influenciar no julgamento da presidenta?
Gleisi Hoffman: É uma carta em que ela relata um pouco do que aconteceu, de que é um golpe, que ela não cometeu nenhum crime e se dispõe a convocar um plebiscito para que a população decida se deve ter antecipação de eleição ou não. Era algo que muitos senadores estavam colocando porque eram contra o governo interino de Michel Temer, mas também achavam que simplesmente a volta dela não traria governabilidade suficiente. A carta teve o intuito de responder a esses senadores. Também teve um espírito democrático da presidenta.
Você concorda com esse plebiscito?
Concordo, sim. Estamos vivendo uma crise sem precedentes. Obviamente que a presidenta tem a legitimidade de exercer o mandato, mas ao mesmo tempo temos um Congresso muito hostil, com muita dificuldade. Submeter ao povo uma avaliação seria a melhor forma.
A presidenta não perdeu o timing de fazer essa sugestão?
Ela estava conversando com os senadores e foi sentindo qual era a disposição que o pessoal tinha. O tempo foi de amadurecimento e de conversa.
Até agora Dilma Rousseff não conseguiu nenhuma vitória no Senado nesse processo de impeachment. Qual é a possibilidade de vocês conseguirem os 28 votos para impedir que ela perca o mandato?
Não trabalhamos em conseguir os 28, mas em evitar os 54 votos [pelo impeachment]. Muitos senadores que votaram no primeiro momento, seja pela admissibilidade ou pela pronúncia diziam que estavam votando a favor, mas não significaria que votariam da mesma maneira no julgamento final. Diziam que aquilo era de que as coisas pudessem ser melhor apuradas. Isso nos dá um alento de que a gente pode ter os votos que precisamos para evitar o impedimento.
Alguns senadores que hoje são governistas dizem que nem uma hecatombe seria capaz de evitar o impeachment. Insisto, qual é a chance que Dilma se mantenha no cargo?
Ninguém tem a possibilidade de previsão futura. Ninguém tem certezas dentro da casa. A base do governo não tem se mostrado muito coesa. Na última semana não conseguiram aprovar a DRU, que era uma matéria importante para o governo. Há muitas fissuras para serem resolvidas.
Caso Rousseff retorne, como será essa transição? Como ela conseguiria fazer um plebiscito, levando em conta que várias pessoas o consideram inconstitucional?
Acho que ela conseguiria fazê-lo porque o próprio Senado estará sensibilizado. Uma parte dos senadores entende que esse é o caminho e penso que parte da população apoie essa alternativa. Penso que o apoio popular em relação ao plebiscito vai ser muito importante para aprovar o projeto.
Se o impeachment passar, o que podemos esperar do governo Temer?
Espero, sinceramente, que não passe. Então não quero nem fazer avaliações prévias. Agora, já estamos tendo uma amostra do que significa esse governo em termos de desmanche de direitos, em descumprimento com o que é determinado pela Constituição, em ataques à democracia. É um governo de idas e voltas. Isso tem sido a marca dessa gestão. Anuncia reforma da Previdência, depois volta atrás. Também volta atrás na questão da Cultura e do Ministério do Desenvolvimento Agrário. É um governo errático. Não sabe nem para onde ir e tem de administrar contradição em sua composição. De um lado tem um Ministério da Fazenda querendo um ajuste mais imediato, de outro um expansionismo da área política. Aí, temos um ajuste de longo prazo, que é complicado e difícil aprovar no Congresso. É um governo perdido e sem legitimidade.
Desde a eleição de 2014 vemos um clima crescente de hostilidade na sociedade brasileira. Com o fim do impeachment, esse clima muda?
Espero que em termos de hostilidade a coisa melhore. O que precisamos é de debate, o que é democrático e necessário para o país. Temos espíritos muito acirrados nesse processo, o que não é bom. Se for em termos de resistência e de luta, passado o processo, acredito que vamos ter muita mobilização popular. Setores de sociedade vão lutar para defender direitos adquiridos, para que não haja retrocessos. A sociedade brasileira está muito mais consciente e participativa.
O PT e seus aliados dizem que há um golpe parlamentar. Mas alguns aliados de Temer insistem que, se fosse golpe, a presidenta não teria espaço para se defender no plenário do Senado. Como é isso, afinal?
O que temos é um rito em busca de um objeto, de um conteúdo. O que se instalou no Congresso foi uma rigorosa observação de um projeto de impeachment, mesmo sem ter um crime de responsabilidade efetivo. Não é impeachment, não pode ser visto como impeachment porque não tem base constitucional. Qual o crime que a presidenta cometeu? As pedaladas fiscais não têm ato dela. A perícia do Senado comprovou isso. Depois, o Ministério Público mandou arquivar dizendo que não configura operação de crédito, portanto não é crime. Depois, tínhamos seis decretos de suplementação orçamentária, reduzimos eles a três. Se tivéssemos mais duas semanas na Comissão, nem esses três perdurariam. A presidenta foi orientada por técnicos, pelos ministros, a assinar os decretos porque estavam de acordo com a meta fiscal. Não tem crime. Dilma não cometeu crime nenhum, estão forçando a barra. Ou seja, é um golpe porque esse é um processo de impeachment sem crime.