As aberrações jurídicas no processo de impeachment de Dilma
Em artigo publicado no Justificando, os advogados Douglas Carvalho Ribeiro e Victor Cezar Rodrigues da Silva Costa, ambos mestrando em Direito pela UFMG, apontam as aberrações no processo de impeachment em curso no Senado contra o mandato da presidenta Dilma Rousseff.
Publicado 09/08/2016 13:20
O artigo destaca a declaração feita pelo ministro da Justiça do governo Dilma e advogado de defesa, José Eduardo Cardozo, último dia 3 de agosto, sobre o relatório do senador tucano Antônio Augusto Anastasia (PSDB-MG), legenda quefazia oposição ao governo Dilma. Cardozo enfatizou que Anastasia não conseguiu se libertar de suas paixões político-partidárias para produzir o relatório.
"Tinha grande expectativa sobre o relatório do nobre relator, o conheço bem. Conseguiria o senador se libertar da paixão partidária e olhar os autos, as provas, para buscar a verdade ao invés da paixão. Com toda a vênia, não conseguiu. Não conseguiu captar a verdade dos autos e foi obrigado a fazer algumas concessões, não por má-fé e sim pela paixão (partidária). É a paixão que turva os fatos", disse o jurista.
Segundo os advogados, "a manifestação de Cardozo é apenas um reflexo da maneira com a qual todo o dito “processo” foi conduzido desde o recebimento da denúncia por parte do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha".
"De fato, a própria linguagem da qual se valem os parlamentares reflete, em certa medida, a aberração que foi criada para se levar a cabo a condenação de Dilma Rousseff, haja vista que se referem a si mesmos como “julgadores”", salientam os advogados no texto.
O artigo enfatiza ainda que num Estado Democrático de Direito não é possível fazer um julgamento "sem as garantias previstas pelo ordenamento jurídico".
"O inciso XXXVII, do art. 5º da Constituição Federal, estabelece que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”. Em que pese ser o Senado Federal competente para realizar o julgamento do processo de impedimento, de acordo com o inciso LIII do mesmo art. 5º c/c art. 86, ambos da Constituição Federal, tal julgamento deve se ater ao conjunto de garantias consagradas pelo Estado de Direito, sob o risco de que o procedimento se torne mera teatralização da perseguição de uma facção política por seus adversários, dado não haver, na prática, nenhuma imparcialidade", frisam.
De acordo com eles, o julgamento do impeachment é marcado pela ausência das garantias, dentre as quais a imparcialidade do julgador e a taxatividade da incriminação.
"Digno de nota é o fato de escapar à atenção do Senador Anastasia, ao elaborar o relatório favorável à pronuncia de Dilma Rousseff, a necessidade de aplicação de tais garantias, inclusive no âmbito do procedimento relacionado ao impeachment", apontam os advogados, citando um trecho do relatório de Anastasia, que diz: "Todavia, contraditoriamente, em diversas passagens, a defesa pretende aplicar normas do regime jurídico penal ao caso. Daí porque, faz-se necessário, desde já, apresentar os substratos doutrinários e jurisprudenciais que afastam a pretensão de equiparar os crimes de responsabilidade – e por conseguinte o regime jurídico próprio – aos crimes regidos pelo Código Penal e Processual Penal (este, como sabido, deve ser aplicado apenas subsidiariamente, por força do art. 38 da citada Lei nº 1.079, de 1950)".
"O senador Anastasia desconsidera o fato que – apesar de não se tratar de crime propriamente dito – o ilícito administrativo, chamado de crime de responsabilidade, acarreta sanções extremamente graves, tanto à pessoa da Presidente, quanto à ordem institucional como um todo, haja vista que encerra em si a possibilidade do afastamento definitivo de um governante legitimamente eleito. Como bem lembram Juarez Tavares e Geraldo Prado, a restrição de direitos e os graves efeitos que podem provocar suas sanções, no seio do Estado Democrático de Direito, devem levar à exigência dos mesmos critérios e princípios limitativos, do Direito e do Processo Penal, para se caracterizar a responsabilidade do Chefe de Estado", acrescentam.
Para eles, os condutores do processo de impeachment consideram Dilma "como politicamente perigosa e como barreira para se levar a cabo um conjunto de medidas neoliberais e antidemocráticas", e para isso, desconsideraram a natureza jurídico-política do processe e convertendo-se "em uma forma de negação do dissenso político travestida de legalidade".
"O processo perde sua natureza jurídica e passa para o âmbito da justiça política", enfatizam.
Para os advogados, Douglas e Victor, o processo se transformou em "depravação da legalidade democrática como instrumento para a criação de um crime político fabricado".
"(…) Uma criação artificial do órgão julgador de uma situação forjada a partir de um sem-número de indícios, que, de forma isolada, não são passíveis de criminalização, mas que, vislumbrados em conjunto, supostamente deixariam transparecer a suposta periculosidade do acusado. A única forma de defesa do réu perante tal aberração são as garantias previstas pelo regime jurídico penal; caso contrário, o mesmo se encontra à deriva de uma oposição que somente busca a sua neutralização e a consequente tomada do poder. Um espectro ronda, portanto, a vida política brasileira: é o espectro da criminalização do dissenso político", concluem.