MST e Cimi denunciam projeto para venda de terras para estrangeiros
O povo deve se unir na luta pela soberania nacional ameaçada pelo projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que permite a venda de terras brasileiras para estrangeiros. Esse foi o apelo feito pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em entrevista coletiva, nesta quinta-feira (4), em Brasília.
Publicado 04/08/2016 14:16
A luta para evitar a votação da matéria, prevista para os próximos dias, tem que ser de todos porque impactará negativamente na vida de todos os brasileiros. Segundo explicou Alexandre Conceição, do MST Nacional, “o capital estrangeiro não tem interesse em resolver os problemas dos brasileiros, só em aumentar seus lucros, portanto mais terras para o agronegócio representa menos espaço para agricultura familiar, menos alimentos e mais inflação”.
Na entrevista, que contou também com a participação de Gilberto Vieira, do Cimi, foi divulgada uma nota assinada por mais de 20 organizações de trabalhadores contrário ao projeto que permite a venda indiscriminada de terras para estrangeiros.
Atualmente, a compra de terra por estrangeiros encontra limites. É possível a aquisição de até três módulos rurais, sem qualquer condicionalidade. Acima deste número é necessária a aprovação da compra pelo Estado brasileiro, com limite de 50 módulos para pessoa física e 100 para pessoa jurídica. O projeto, de interesse da bancada ruralista, visa retirar estas restrições.
Projeto Michel/Cunha
Segundo as entidades dos movimentos sociais, o projeto, que conta com o apoio da maioria conservadora da Câmara – a conhecida bancada BBB (boi, bala e bíblia) – faz parte do projeto de governo do presidente ilegítimo Michel Temer e do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Segundo Vieira, essa é a segunda etapa do golpe que foi dado contra a democracia no Brasil com o afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff e a ascensão ao poder do vice-presidente Michel Temer.
Nesse cenário de golpe parlamentar, financiado pelas empresas que se beneficiam com o afastamento de Dilma, os movimentos sociais e sindicais precisam, na avaliação dos seus dirigentes, tentar evitar a concretização do golpe e, para isso, apelam aos senadores que votem contra o impeachment da presidenta Dilma. Com isso, explica Vieira, já estariam ajudando para barrar a votação da matéria que entrega ao capital estrangeiro às terras brasileiras.
Os representantes do movimento social também apelam para os demais setores da sociedade para se juntarem à luta contra o projeto, inclusive as Forças Armadas, que já se posicionaram contrárias a alguns itens do projeto, que alcançam as terras de fronteira. Conceição lembra que não pode contar com o atual ministro da Defesa, Raul Jungmann, que foi “o pior ministro do Desenvolvimento Agrário, quando a pasta foi criado no governo de Fernando Henrique Cardoso, após o Massacre de Eldorado de Carajás. Mas eles acreditam que os setores mais progressistas das Forças Armadas podem ajudar a barrar o projeto.
Em regime de urgência
Conceição e Vieira anunciaram que o movimento de trabalhadores do campo e da cidade e entidades sindicais estão em regime de urgência – a exemplo do projeto em tramitação na Câmara – no mutirão que visa barrar a votação da matéria.
Além da coletiva de imprensa para divulgação da Nota dos Movimentos Populares em alerta à sociedade contra a venda de terras para estrangeiros – Em defesa do território nacional, as entidades anunciam que estão de prontidão para agir em outras frentes contra a votação da matéria.
Segundo explicou Conceição, além do calendário de atividades da Frente Brasil Popular, do qual fazem parte o MST e o Cimi, que luta contra o golpe, o MST e o Cimi, as entidades estão desenvolvendo uma série de atividades, que inclui principalmente o diálogo com setores da sociedade para denunciar a ameaça que representa o projeto e pedir apoio na luta contra a aprovação da matéria.
Projetos antagônicos
Segundo o representante do Cimi, o projeto de venda de terras para estrangeiros se relaciona com outros projetos que atende aos interesses do agronegócio, com quem o governo Michel/Cunha está comprometido. Ele cita o exemplo da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere para o Congresso a responsabilidade sobre a demarcação de terras indígenas. Com uma bancada ruralista cada vez mais forte, a aprovação da matéria representa o fim das demarcações, o que geraria mais terras para serem comercializadas com empresas estrangeiras.
Vieira avalia que esse conjunto de iniciativas faz parte do projeto de privatização dos bens do povo brasileiro. A transferência de terras da agricultura familiar, indígenas, quilombolas e de preservação ambiental para o agronegócio representa perdas para toda a população, enfatiza, lembrando que o agronegócio produz apenas cinco produtos para exportação (commodities), com uso de agrotóxicos, e não usa mão de obra, apenas maquinário; enquanto a agricultura familiar produz alimentos saudáveis e emprega de nove a 10 trabalhadores por hectare.
O projeto defendido pelos movimentos sociais difere ainda do agronegócio porque evita o êxodo rural, mantendo o jovem no campo com perspectivas de emprego e renda, sem sobrecarregar as grandes cidades, para onde migrarão os agricultores expulsos de suas terras; e mantém o equilíbrio ambiental, considerando que evitará uma superpopulação nos centros urbanos.
Para se contrapor ao projeto Michel/Cunha, de “higienização” da agricultura familiar, permitindo apenas um número seletivo ligado às grandes empresas de alimentos – conhecido como “agronegocinho” –, os movimentos sociais anunciam que vão manter o projeto de ocupar todo latifúndio que não cumpre com sua função social e lutar pela reforma agrária para permitir a produção de alimento saudável e mais barato.
“Precisamos mais do que democracia, precisamos de um projeto civilizatório”, explica Conceição, ao encerrar a entrevista coletiva, reafirmando “o compromisso de vida do movimento dos sem terra.”