A CIA pode usar o jogo Pokémon Go para monitorar cidadãos comuns?
O aplicativo Pokémon Go tem chamado a atenção não só pela quebra de recordes de instalação, mas também por discussões sobre a privacidade de dados na internet. Com o lançamento da novidade no Brasil, usuários passaram a questionar um possível uso das informações coletadas pelo software por empresas e governos.
Por Patrícia Benvenuti
Publicado 04/08/2016 11:24
Poderia mesmo um jogo como esse ser utilizado por órgãos como a CIA (agência de inteligência norte-americana) para monitorar cidadãos comuns? Para especialistas ouvidos por Opera Mundi, isso é possível. Mas, para além disso, a questão mostra o quanto usuários e seus dados estão expostos na internet.
No domingo (24), um post no Facebook sobre a suposta relação entre o criador do Pokémon Go, John Hanke, e a agência norte-americana teve quase 40 mil compartilhamentos.
O autor do post lembra que Hanke fundou, em 2001, a Keyhole, uma companhia pioneira no desenvolvimento de softwares para mapeamento de superfícies. Em 2004, em uma transação de US$ 35 milhões, a Keyhole foi comprada pelo Google, e sua tecnologia foi utilizada para criar o Google Earth.
O ponto que mais criou polêmica faz referência ao financiamento da Keyhole. Isso porque um de seus patrocinadores foi a empresa In-Q-Tel, uma organização não governamental “criada para preencher a lacuna entre a tecnologia que a comunidade de inteligência dos EUA necessita e a inovação comercial emergente”, segundo seu website. A partir daí, usuários começaram a discutir a possibilidade de que o Pokémon Go pudesse ser utilizado como uma ferramenta de “vigilância” sobre usuários em todo o mundo, ao deixar imagens de suas casas expostas a serviços de monitoramento.
O Pokémon Go, da Niantic Inc., é um jogo de realidade aumentada desenvolvido para smartphones.
Nele, os usuários devem caçar os chamados pokémons (monstros animados), que ficam sobrepostos a cenários reais, por meio de um mecanismo que utiliza as câmeras dos celulares. Para ter acesso ao jogo, os usuários devem liberar o acesso de dispositivos como câmera, GPS e microfone de seu aparelho – nada muito diferente do que exigem, por exemplo, ferramentas como Facebook, Instagram e Snapchat.
Essa não foi a primeira discussão em torno da privacidade dos dados dos usuários do Pokémon Go. Quando o jogo foi lançado, o usuário que fazia login com seu perfil no Google dava ao aplicativo acesso total à sua conta do Gmail, incluindo e-mails, fotos e contatos. A companhia justificou o problema como “falha”, corrigindo-o algum tempo depois.
Vulnerabilidade dos dados
Embora não haja evidências sobre o uso que o software faz dos dados armazenados dos usuários, especialistas afirmam que há razões para se preocupar quando o assunto é segurança na internet.
O professor da faculdade de Educação da UFBA (Universidade Federal da Bahia), Nelson Pretto, disse que é preciso “não demonizar, nem desacreditar” a hipótese de que órgãos de inteligência como a CIA possam acessar dados a partir de aplicativos como o Pokémon Go. “O que é um dado concreto é que todos os dados estão expostos na internet, e tanto a CIA como FBI podem acessá-los, [isso] é absolutamente verdadeiro”, afirma.
Para ele, casos como o do Pokémon Go evidenciam a vulnerabilidade dos usuários. “Nós abrimos brechas diariamente, não cuidando dos nossos dados, que podem ser usados tanto por governos como por empresas privadas”, aponta.
O professor da Universidade Federal do ABC e ativista de Software Livre Sérgio Amadeu também considera que nenhuma hipótese deve ser descartada em relação a esse tipo de software. “Mesmo que seja ‘teoria da conspiração’, é uma ‘teoria da conspiração’ baseada em inúmeros fatos e evidências que já se confirmaram, como as denúncias do [Edward] Snowden”, diz.
Snowden, ex-analista da NSA (Agência de Segurança Nacional) dos Estados Unidos, vazou ao jornal britânico The Guardian documentos que indicavam que a GCHQ, agência britânica de espionagem, coletou imagens das webcams usadas por usuários durante conversas por meio do chat mantido pelo site Yahoo.
Outro ponto a ser lembrado, segundo Amadeu, foi a aprovação nos Estados Unidos, em 1994, da Lei de Auxílio das Comunicações para a Aplicação do Direito (Communications Assistance for Law Enforcement Act, abreviada para Calea). A legislação passou a obrigar fabricantes de produtos eletrônicos no país a implantar tecnologias capazes de passar informações a agências norte-americanas. “Todo aparelho de telecomunicação deve vir com dispositivo que permita remotamente ser acionado pelas agências de segurança dos EUA. Isso está escrito, não é uma piada”, afirma o professor.
Amadeu aponta que uma das alternativas para aumentar a proteção é que usuários comuns passem a investir em ferramentas de criptografia, o que poderia ser um obstáculo para o monitoramento feito por empresas de inteligência.
Outra necessidade, segundo Nelson Pretto, é aprovação de mecanismos para regulação da internet. No Brasil, a principal iniciativa é o Marco Civil da Internet, regulamentado este ano pela presidenta Dilma Rousseff, e que ajuda a definir quais dados podem ou não ser guardados ou usados pelas empresas. “Não confundir privacidade e transparência”, pontua o professor. “É preciso ter privacidade para indivíduos e transparência para governos e órgãos públicos”, conclui.
Até o momento, segundo seus desenvolvedores, o Pokémon Go já teve 75 milhões de downloads.