Publicado 28/07/2016 16:50
A permanência da taxa básica de juros em 14,25% ao ano, nível que tem sido mantido pelo Banco Central (BC) desde de julho do ano passado, está produzindo uma fuga de recursos da poupança, que em alguns momentos não consegue mais repor nem sequer a inflação. Depois de perder para o IPCA em 2015, pela primeira vez desde 2002, com rendimento de 8,07% ante uma inflação de 10,67%, ao longo deste ano, a poupança continuou perdendo do índice na variação mensal, com resultado positivo somente em março, abril e junho.
No último ano e meio, a poupança perdeu R$ 85 bilhões de depósitos, saída que abala o financiamento imobiliário, uma vez que os recursos dos poupadores são a principal fonte do mercado habitacional. “É um ataque do mercado financeiro. O ponto é o seguinte, o país já está há um ano com uma taxa de juros de 14,25%, pela Selic. É isso o que está levando ao esvaziamento de todos os depósitos de poupança, porque o depositante percebe que investir em fundos é muito mais rentável do que em depósitos de poupança”, afirma o professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Fernando Nogueira da Costa.
Ele diz que a poupança está perdendo da inflação, “por conta do choque tarifário em 2015, quando o Levy (Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda) entrou no governo, aumentando os preços de energia elétrica e combustíveis”. O professor destaca que a inflação ficou dez anos abaixo de 6,5%, teto da meta anual adotado pelo BC, mas em 2015 chegou a 10,67%. “Foi o choque tarifário, e passou a ser um choque inflacionário. Antes, quando a inflação estava abaixo de 6,5%, de 2005 até 2014, a poupança era competitiva. E por isso, o financiamento habitacional cresceu muito. Foi a melhor época do financiamento habitacional, tanto pelo FGTS, quanto pela caderneta de poupança”, afirma o professor.
“Se você analisar os saques recentes da poupança, o comportamento dos saques maiores do que os depósitos, você vai ver que isso se confunde com a situação econômico-financeira das classes mais pobres da população”, avalia o especialista em finanças e consultor do setor imobiliário Marcos Fontes. Ele diz que além da perda de recurso da poupança, o crédito imobiliário também sofre com falta de demanda, o que caracteriza a situação recessiva da economia. “O movimento não está bom para o crédito imobiliário, porque não tem demanda. Essa demanda do crédito lastreado em poupança caiu 50% em relação ao ano passado”, disse.
De fato, o movimento de fuga de recursos da poupança expressa a situação das classes menos abastadas, mostram os números. Em março, o saldo da poupança no país era de R$ 592,5 bilhões, segundo números da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e atualmente está em R$ 522,3 bilhões, um recuo de R$ 70 bilhões. “Um ponto que pouca gente sabe é que 88% da poupança são feitou pelo que a gente chama de varejo de baixa renda. A média per capita dos depósitos é de R$ 9 mil; são pessoas de mais baixa renda, classes C e D, as classes médias baixas, que sustentam o recurso do financiamento habitacional no Brasil, que agora está sendo dirigido à classe média mais alta”, afirma o professor da Unicamp, referindo-se à mudança anunciada pela Caixa Econômica nos últimos dias de aumentar o limites de financiamento de imóveis, agora voltado para os segmentos de maior poder aquisitivo.
Segundo Fernando Nogueira da Costa, os números da poupança tornam-se expressivos da desigualdade gritante no país se colocados frente ao números das elites. Enquanto 58 milhões de pessoas mantêm o saldo médio médio de R$ 9 mil nas contas ativas de poupança, o que perfaz dos R$ 522 bilhões atuais, um universo bem menor, de 110 mil pessoas endinheiradas acumula no 'private banking' o saldo médio per capta de R$ 6,7 milhões, com uma riqueza da ordem de R$ 740,3 bilhões. O saldo per capita dessa elite é nada mais nada menos do que 750 vezes o saldo médio da poupança.
“É uma coisa escandalosa”, diz o professor, “58 milhões com R$ 9 mil, e e isso é a maior parte do financiamento habitacional”. Ele diz que a população brasileira não tem consciência dessa disparidade. “Há quem ache que não tem consequências de se manter os juros em 14,25%, mas a situação está péssima, o desemprego aumentando”, afirma. Mas ele destaca que para quem tem capital grande a rentabilidade por mês de um ponto percentual é algo significativo, e o país tem privilegiado esse tipo de situação com as políticas adotadas desde 2015.
Mara e a poupança
Em clima de humor e ironia, a comentarista econômica da rádio CBN Mara Luquet dá umas boas risadas com o âncora Carlos Alberto Sardenberg, dizendo que, já que a poupança não está dando nada mesmo, “até” o marido dela resolveu tirar o dinheiro da poupança para comprar aquela cadeira de leitura que ela queria. “Já que tá perdendo dinheiro na poupança, vamos perder na cadeira”, reforça o âncora, deixando no ar a ideia de que o poupador é o bobo da vez.
“Eu não sei se é algo premeditado, se é orquestrado, se é preparado, não consegui descobrir ainda, mas o que me parece mais é que é uma situação com leitura errada. Uma análise feita incorretamente sobre a situação da poupança”, afirma o consultor Marcos Fontes, suspeitando de uma campanha da mídia contra uma instituição que existe no Brasil desde a época do Império, e que não deve ser comparada com alternativa de investimento. “Tá tudo certo, a poupança é o que ela se propôs a fazer sempre. Comparar a poupança com alternativas de investimento não é correto, ela não é alternativa de investimento, porque hoje, com essa facilidade tecnológica que ela tem com relação ao uso por meio do cartão de débito, ela virou um instrumento, uma conta mais fácil de ser manuseada do que uma conta corrente, ela se tornou (de custo) mais acessível do que outro mecanismo qualquer de uso de banco”, defende.
“Um banco era medido pelo número de contas correntes, mas hoje isso não pode mais ser assim. O banco tem de ser visto pela quantidade de cartões de débito relacionados às contas de poupança. Tem muito mais poupança do que conta corrente. Só a Caixa, meses atrás tinha 32 milhões de poupadores com cartões de débito. Se a Caixa tem 35% do mercado de poupança, nós temos aí poupadores com cartão na ordem de 40 milhões no mínimo”, calcula. “Então, a poupança não é só para a pessoa investir recursos; você pode colocar os recursos na poupança e usar eles da forma que quiser. O saldo tem uma correção, rende 6% ao ano”, afirma, concordando que se trata de uma espécie de conta remunerada, que se populariza por não ter o custo da conta corrente.
Indagado por que o mercado financeiro não teria interesse em estimular os depósitos na poupança, o consultor sustenta que é uma onda que não tem uma explicação clara. "A comunicação oficial dos bancos, por meio de analistas, é de olhar sempre a questão de rentabilidade. E se você olhar só o aspecto da rentabilidade, com certeza, você não fica na poupança. Como os analistas sempre estão comparando a poupança com Selic, com CDI, eles comparam somente o aspecto da rentabilidade, e aí está o erro”, destaca.
Ele também frisa que com o movimento para a informalidade, por meio do desemprego, a poupança volta a ser uma opção, porque ele vai evitar os custos que uma conta corrente tem. “E isso não é falado. Os bancos logicamente vão querer que você seja correntista, não tenha dúvida”, diz. E como caiu a a demanda por crédito imobiliário, os bancos têm interesse em que os recursos da poupança se destinem para outros nichos e isso talvez explique parte da aversão da mídia pela poupança neste momento.
O consultor diz ainda que existe uma sazonalidade na poupança, que tradicionalmente no segundo semestre de cada ano aumenta o movimento de depósitos, graças sobretudo à entrada do 13º salário. Fontes diz que essa sazonalidade não mudou, apesar da crise econômica. Dados mostram que “a poupança continua sendo um excelente meio de proteção contra a inflação para a economia popular”, avalia mesmo frente aos números recentes. “Quando você tem juros altos, você inviabiliza a demanda, mas quando baixar de novo essa taxa, o que todos esperam para os próximos anos, você vai ter uma situação propícia para o crédito imobiliário de novo”, diz. Mas ele também acredita que caso o crescimento seja retomado, o funding imobiliário com base na poupança vai se esgotar porque todo mundo está "malhando" a poupança. "Vai chegar um momento em que vamos ter de novo essa dificuldade."