Nem oito nem oitenta: eles são oitenta e oito!
Há algum tempo as mulheres vêm reivindicando o reconhecimento social do seu papel na construção de um mundo mais democrático e inclusivo. Embora ainda tenhamos um longo caminho pela frente, é inegável que sempre estivemos em todos os momentos de luta, como se pode observar olhando a história e, mais recentemente, através do protagonismo das mulheres brasileiras frente a todo retrocesso que estamos vivendo.
Por Daléa Soares Antunes*
Publicado 12/07/2016 08:59
É notória, assim, a força de deputadas como Jandira Feghali, que se mantém firme no papel político de denunciar e lutar contra o golpe que, diga-se de passagem, trata-se de um “acordão” forjado por homens brancos e ricos, como se constatou nos áudios, em especial, os do ex-ministro Jucá. É bom que se lembre, também, que esse golpe cunhado por homens brancos se dá num momento em que 88% do nosso parlamento é formado por homens, ou seja, elegemos apenas 12% de mulheres na última eleição. Fica claro, portanto, que precisamos ampliar a bancada de mulheres, e eleger mais representantes parlamentares como Maria do Rosário capaz de enfrentar Jair Bolsonaro, hoje réu no STF. Precisamos, também, de mulheres como Erundina, que junto a outras parlamentares ocupou a cadeira de Eduardo Cunha, suspendendo suas sessões e manobras. Não menos importante é a presença das mulheres para além do ambiente parlamentar, como, por exemplo, Carina Vitral, atual presidenta da UNE, nos enfrentamentos a uma juventude de caráter fascista, como os movimentos do MBL, que emergem com força no país.
A luta pela participação política das mulheres vem de longe. Esse ano fiquei maravilhada com a história de Mary Wollstonecraft, escritora inglesa do século XVIII, feminista e abolicionista, que se destacou, há mais de 200 anos, ao criticar, perceber e denunciar a exclusão das mulheres na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, durante a Revolução Francesa. As mulheres não puderam votar e, tampouco, se candidatar, apesar do seu papel fundamental desempenhado em todo o processo revolucionário. Queriam uma sociedade revolucionária mantendo o status quo da condição feminina. É inspirador saber que muitas mulheres tiveram a coragem de contar ao mundo o quanto fomos excluídas. Mary Wollstonecraft, já no século XVIII, denunciava que não se pode almejar a democracia segregando os diversos segmentos da sociedade da participação política. A mulher deveria estar presente em todos os espaços de poder. Desse modo, ela desconstrói também argumentos de base biológica, como os do próprio John Locke, tido como pai da teoria política moderna, que defendia que a atuação da mulher se limitasse ao espaço doméstico, subordinada à autoridade do homem. Ou mesmo Rousseau, para quem as mulheres estavam destinadas à reprodução, ao espaço doméstico, e não à vida pública.
A russa Alexandra Kollontai também reafirma a importância da participação das mulheres para uma genuína transformação da sociedade. Junto a tantas outras, teve um papel decisivo ao perceber as novas demandas das mulheres na emergente sociedade oriunda da Revolução russa de 1917. Sua luta foi fundamental para que tenhamos um ponto de vista da mulher dentro do viés do materialismo histórico, conciliando a questão de classe à questão de gênero. Foi ela quem primeiro organizou um movimento operário de mulheres a fim de reivindicar igualdade nos ganhos salariais, independência financeira, bem como creches, restaurantes comunitários, etc. Demandas que continuam na ordem do dia para nós, que somos mais da metade da população, porém apenas 22% dos ocupantes de cargos políticos, no mundo.
Mary e Alexandra, que viveram em tempos históricos diferentes, mas em momentos revolucionários que dividiram a história mundial, foram mulheres que iluminaram a questão de gênero em tempos ainda mais dominados pelos olhares e vozes masculinos. Podemos dizer que essas mulheres compreenderam a importância de se ter uma consciência de classe, mas também de gênero. Simone de Beauvoir nos dirá, anos mais tarde, que não somos tratadas como outro sexo, mas sim como o segundo sexo, isto é, existe uma hierarquia que nos relega a uma posição inferior a dos homens. Certamente, transformar isso passa pela ocupação dos espaços de poder e de representação política, em várias esferas do campo social.
Aqui no Brasil, o sufrágio feminino entrou em vigor em 1932, na era Vargas, mas, ainda hoje, seguimos na luta pela representatividade política. Em 2010, elegemos a primeira presidenta. Em 2016, em seu segundo mandato, Dilma Roussef tomou um golpe por um conluio masculino, branco e rico, que levou ao poder o vice presidente Michel Temer, que, imediatamente, montou sua equipe de ministros, todos eles do sexo masculino. Nesse momento, novamente podemos destacar o protagonismo das mulheres. Chamamos a atenção para o fato de a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) ter sido a primeira a denunciar o golpe contra a presidenta Dilma, logo após a decisão do juiz Sergio Moro, voltada contra o ex-presidente Lula e seus familiares.
Outro destaque dado às mulheres é que o golpe de 2016 não passaria pelo plenário da Câmara dos Deputados se fosse levada em conta apenas a participação das mulheres, já que menos de 2/3 das parlamentares votaram pelo sim, na votação do dia 17 de abril.
Tudo isso nos impõe um desafio duplo: aumentar a presença feminina nas candidaturas dos partidos e coligações, para além de candidaturas laranjas com o intuito retórico de cumprimento de cotas e, sobretudo, eleger nossas mulheres. É assustador detectar que estamos atrás da média de representação feminina entre os países do Oriente Médio, cuja média de participação é de 16%, abaixo da taxa mundial de 22%, e a do Brasil com apenas 9% de representatividade feminina na câmara (45 deputadas) e de 13% (10 senadoras) no senado. É angustiante dizer que num ranking com 190 países, o Brasil ocupa a 116º posição. Não à toa, questões referentes às lutas das mulheres vêm sofrendo inacreditáveis retrocessos. Questões como aborto, em caso de estupros, e uso da pílula do dia seguinte correm o risco de tornarem-se ilegais, em votações protagonizadas por homens, que jamais serão usuários de suas próprias leis.
Aqui, no Rio de Janeiro, tudo leva a crer que existem condições reais de elegermos uma primeira prefeita através da candidatura de Jandira Feghali, há mais de 30 anos destacada defensora dos direitos das mulheres. Jandira foi relatora da Lei Maria da Penha, autora da Lei que obriga a realização, pelos planos de saúde, de cirurgia reparadora de mama em casos de câncer. Coordenadora da bancada feminina entre 1998 e 2004. Autora do texto substitutivo da Lei que concede licença maternidade às mães adotantes de crianças de até 8 anos, entre tantas outras medidas que vêm transformando a vida das mulheres brasileiras no seu dia a dia.
São deputadas assim que não apenas somam quantitativamente, mas, sobretudo, qualitativamente às lutas das mulheres. Dizemos com isso que nosso objetivo não é apenas aumentar numericamente as mulheres eleitas, mas, principalmente, romper com esse velho jeito de se fazer política no país. Queremos as mulheres ali para restabelecer novos pactos que só podem ser construídos por atores que não estejam fechados em suas zonas de conforto. Queremos mulheres para reinventar a política, historicamente produzida por homens, para deixa-la mais inclusiva, capaz de dar voz aos diversos segmentos da sociedade e, em especial, às minorias. Queremos mulheres para que cenas como aquelas vistas na votação do golpe de 2016 da câmara nunca mais voltem a ocorrer. É muito desolador ver 500 homens, brancos, com idades avançadas decidirem a vida de 200 milhões de pessoas, de maioria mulher e mestiça.
A luta por eleger mais mulheres é a luta pela igualdade, pelo equilíbrio entre os sexos nos espaços de poder. A luta da mulher é uma luta inclusiva. É a luta pelo novo! Pelo povo! Trata-se, portanto, de garantir e fortalecer o Estado Democrático de Direito. Temos a certeza que as diferenças servirão ao país de formas muito positivas, gerando ganhos para todos. Mulheres brasileiras já votam há 84 anos e está na hora delas também se elegerem, a fim de ampliarem seus espaços de participação e representação política. É a partir de suas experiências que aumentaremos o escopo e o alcance das políticas públicas, ainda pensadas pela realidade e demandas masculinas. Nada contra os homens, mas está na hora de mulheres como Jandira, há 30 anos no front da política brasileira, ganharem novas posições de poder! Avante, mulherada.
Daléa Soares Antunes é mestre em Geografia