Daniel Almeida: Queremos acordo para a Câmara dos Deputados funcionar
Com a renúncia do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acelera a negociação de aliança de forças políticas distintas para juntas vencerem o chamado Centrão (PP, PR, PTB e PSD), núcleo aliado ao peemedebista, na disputa pela presidência da Casa na próxima semana.
Por Marciele Brum
Publicado 08/07/2016 08:30
Para dar um basta à influência “maléfica” de Eduardo Cunha, o líder do PCdoB na Câmara, deputado Daniel Almeida (BA), defende um acordo da esquerda com partidos da antiga oposição, como DEM, PSDB e PPS, com o objetivo específico de resgatar a normalidade dos trabalhos do Legislativo. “Um acordo geral com setores mais à direita não é possível. Mas um acordo mais específico, restrito ao compromisso de fazer a Câmara funcionar com o mínimo de normalidade, acho que é viável”, garante o líder comunista.
Em entrevista ao PCdoB na Câmara, o parlamentar avalia que é necessário avançar nesse entendimento por meio de diálogo que envolva não só as bancadas, mas também os presidentes de partidos. Reuniões sobre o tema devem ocorrer nos próximos dias em Brasília.
Quanto à antecipação da sucessão para terça-feira (12), após convocação ilegal do Colégio de Líderes pelo Centrão, Daniel Almeida destaca que essa decisão isolada não será mantida por ferir o Regimento Interno. O pleito deve ocorrer na quinta-feira (14), como anunciado pelo presidente interino Waldir Maranhão (PP-MA). “É um factoide para tentar mostrar força e iniciativa política. Mas isso só reforça que se trata de um grupelho golpista que desrespeita as regras do jogo. Não podem fazer isso. Na prática, demonstra fragilidade.”
Veja os principais trechos da entrevista:
PCdoB na Câmara – Qual é o pano de fundo da eleição do sucessor de Cunha na Câmara?
Daniel Almeida – Este período legislativo foi marcado pela presença de Eduardo Cunha, o que é uma tragédia. O Poder Legislativo perdeu substância e a capacidade de ser um espaço de interlocução com o conjunto da sociedade. Foi marcado pelas manobras, pela corrupção, pela chantagem e pelos achaques em meio a uma onda de denúncias. Há um ponto comum em torno desses problemas: Eduardo Cunha. Todos compreendem que chegou o fim da linha. Ninguém mais duvida que o mandato dele não sobreviverá e será cassado no plenário da Casa em benefício do Brasil, da sociedade e da Câmara.
Quais são os desafios após a renúncia do presidente afastado da Câmara?
É preciso encerrar esta etapa e impedir que a presença de Cunha continue na Casa após o fim do seu mandato. Ele não pode continuar conduzindo os trabalhos por meio de um preposto. Não é possível que Cunha ainda tenha condições de manobrar. Com a conclusão desse processo, queremos ver que forças políticas se mobilizam, com qual agenda e objetivo para superarmos juntos esta fase. Mais do que possível, isso é necessário para que tenhamos condições de ter uma candidatura temporária à Presidência da Câmara com mandato até fevereiro de 2017.
Como deve ser o perfil do presidente da Casa para este mandato-tampão?
A candidatura para a presidência da Câmara deve representar forças comprometidas com a Casa. Deve garantir a retomada mais normal possível dos trabalhos cotidianos do Poder Legislativo. É preciso dar oportunidade para que os temas sejam debatidos nas comissões. Hoje é quase tudo levado ao Plenário sem discussão prévia. As relatorias dos projetos devem ser distribuídas e a composição das comissões devem ocorrer conforme a representatividade partidária. Queremos a normalidade de funcionamento em um poder que é diverso e plural. Infelizmente, não tem sido assim.
A estratégia para a eleição envolve acordo com partidos da antiga oposição?
A oposição atual, que é composta pelo PT, PCdoB, PSOL, Rede e PDT, tem papel muito importante e busca se unir em defesa da democracia. Não terá, entretanto, maioria para derrotar o chamado Centrão, o candidato de Cunha e do interino Michel Temer (PMDB). Por essa razão, é necessário dialogar com parte da oposição de ontem (DEM, PSDB e PPS). O objetivo não é estabelecer uma agenda e compromissos com o governo ou com esses setores. Mas todos podem se unir para termos um funcionamento mais normal da Casa, respeitando-se nossas diferenças e propiciando o debate.
O que está por trás desse entendimento amplo com outros partidos?
Um elemento central para esse conceito de recuperação do funcionamento normal da Casa é entendermos que não é possível, em um governo transitório, em meio ao processo de impeachment e à crise econômica e política, pautar uma agenda densa de desmonte do Estado brasileiro. Não é correto nem justo, porque não há a legitimidade do voto popular. Por isso, é fundamental que esses dois polos da política brasileira possam encontrar algum grau de entendimento para a escolha desse presidente da Câmara.
Na sua avaliação, é viável acordo com partidos, como DEM, PPS e PSDB, para evitar que um candidato de Cunha vença o pleito?
O fundamental é percebermos que o maior mal é a presença de Eduardo Cunha, representada e perpetuada pelo Centrão para agora e para o futuro. Um acordo geral com setores mais à direita não é possível. Mas um acordo mais específico, restrito ao compromisso de fazer a Câmara funcionar com o mínimo de normalidade, acho que é viável. Devemos elaborar essa possibilidade e fazer um esforço para construir um ambiente favorável para esse caminho. Esta Casa não pode ser vista pela sociedade como algo inútil, com funcionamento caótico e que as coisas só acontecem no grito. Esse ambiente não pode prevalecer.
Esta é uma visão da esquerda ou da Bancada Comunista?
O PCdoB tem este conceito e tem dialogado com os partidos parceiros na construção desse caminho. Já tivemos um avanço importante com o PDT. Setores do PT estão refletindo sobre o assunto. O PT sempre tem um tempo mais longo para maturar e deliberar sobre suas decisões internas. Nós respeitamos isso. Mas cada vez mais essa tese tem ganhado corpo na Casa. A tendência é evoluirmos nessa direção. Se não tivermos capacidade de fazer isso, vamos entregar a Câmara ao Centrão? Isso significa manter a presença de Cunha. O Centrão está comprometido com a agenda de Temer. Se vencerem a eleição da Casa, a ideia é transformar a Câmara em um rolo compressor. Ninguém mais tem dúvida de que a agenda de Temer é desmontar o mundo do trabalho, cortar saúde, educação, Reforma da Previdência e acabar com a Petrobras. Não se pode pensar nisso em um momento de grande fragilidade institucional.
Há muita resistência em avançar nesta aliança restrita?
Temos de ter o mínimo de confiança entre esses interlocutores. A partir dessa confiança, vamos fechar esses pontos de unidade. É preciso respeitar o ritmo e procedimentos de cada bancada e partido. Achamos que é necessário envolver, além das bancadas, as próprias instituições partidárias. O objetivo é fazer uma reunião com os presidentes de partidos e lideranças mais expressivas do Brasil que entendem não ser possível continuar nesta situação.
Na sua história de vida parlamentar, o senhor já havia vivido algum momento semelhante ao atual?
O que vivemos hoje é a prevalência da intolerância, da quebra dos ritos, de um golpe atrás do outro. Tenta se fazer as coisas na marra para se justificar o primeiro golpe. E isso vai fragmentando as relações entre as pessoas e as bancadas. Até mesmo o respeito e o trato parlamentar estão comprometidos. A política vai perdendo. Estou aqui há 14 anos. Nunca experimentei tanta insegurança e desconforto. E a opinião pública vê isso com perda de esperança. Não podemos perder a esperança que nos impulsiona a mudar para melhor.