Publicado 21/06/2016 10:45
Estávamos no carnaval, em um domingo onde tudo era sol, frevos, bebida, promessa de amor rebelado em corpos de mulheres cheias de cores, miçangas, fantasias, que pareciam clamar "dizes o que desejas". De repente deve ter ocorrido a Zacarelli que toda festa ia acabar, mais cedo ou mais tarde, quem sabe se mais cedo, como um fim inesperado, pois todo fim de gozo é inesperado. Maldito, não importa se ao fim de um padecimento, em que a morte chega com data de calendário.
Zacarelli, sem palavras, olhou a rua, viu as moças que passavam aos gritos, aos risos, e sorriu um sorriso triste, que caberia no frevo-regresso que canta "adeus, ó minha gente, o bloco vai embora…". Mas ele não ia se abater pelo aviso do fim da linha do trem, da entrada em um túnel jamais visto, quando a viagem é presente e os vagões cantam os frevos mais lindos e guerreiros de Pernambuco. "Rejeito", ele se disse. Então ele se virou para mim e falou, num êxtase em meio à felicidade que passa:
– Sabe, rapaz? Os cientistas vão descobrir a imortalidade.
A minha cabeça recua como se houvesse levado um direto, antes do nocaute. Devo tê-lo olhado com um ar de quem espera a revelação do mais íntimo segredo de todos os tempos. O mais simples seria lhe dizer "fale baixo, se nos escutam, quebra-se o encanto".
As pessoas na rua nem nos veem ainda, mas saberão que traçamos o seu, o nosso futuro, uma voz do diabo me sussurra. Não estaríamos ali, mais uma vez, tramando o porvir da revolução assim como nos anos da ditadura? Me ocorre agora. Ali, como em Olinda, nesse carnaval conspiramos pela boa-nova do socialismo mais radical: a imortalidade comunista para todos e todas as classes. E na ditadura, como agora, os alienados de nada sabem. Antes, das denúncias de torturas e assassinatos. Agora, para a redenção definitiva, me parece na hora, e mais concentrado escuto Zacarelli.
– A história da ciência é também a história do prolongamento da existência humana. Toda ciência é para o homem, em última análise. Sim, temos os desvios da bomba nuclear, mas isso é da fase imperialista do capitalismo. Nós lutamos pela antibomba, compreende?
Compreendo, e com os olhos em lágrimas balanço o queixo pelo achado poético e verdadeiro. Nós somos a antibomba. Nós lutamos pela antibomba. Vida, nós te queremos eterna. Que venha a morte, não passará. Por nós, não, maldita, não passarás. Assim como este carnaval, que será eterno enquanto nossa necessidade e o povo do Recife e Olinda existirem.
Pois a vida é o que resiste. Que contradição mais estranha, eu descubro e me digo: a vida, tão breve, é tudo que resiste. Mas que paradoxo: se ela está no tempo que se dirige para o fim, se ela é naquilo que deixará de ser, como resistirá à Irresistível? – É que existe uma resistência na duração do momento, pela intensidade, luz ou cintilação do breve.
A resistência, que é vida, se faz na brevidade pelas ações e trabalho dos que partiram e partem. Mas nós, os que ficamos, não temos a imobilidade da espera do nosso trem. Nós somos os agentes dessa duração, o trem não chegará com um aviso no alto-falante, "atenção, senhor passageiro, chegou a sua hora". Até porque talvez chegue sem aviso, e não é bem o transporte conhecido. O trem é sempre de quem fica. E porque somos agentes da duração, a nossa vida é a resistência do fugaz. Nós só vivemos enquanto resistimos.