Atentado na UnB reabre a ferida das invasões da ditadura militar
Formado por homens e mulheres vestidos de preto e com bandeiras do Brasil presas ao corpo, um grupo de direita atentou contra a ordem democrática na Universidade de Brasília (UnB), na noite de 17.06. Xingava estudantes, pregava o ódio contra gays e negros e violava o território autônomo do campus, em nome, de um estatuto falido de superioridade racial, moral, econômica e social.
Por Sérgio Maggio
Publicado 19/06/2016 13:05
No espaço de livre circulação de estudantes, servidores e professores, essas pessoas pregaram a violência verbal e acionaram uma bomba caseira. Perderam, ali, o livre direito à manifestação do pensamento ao atentar contra o direito jurídico do brasileiro de ser resguardo pela Constituição acima de qualquer ideologia de supremacia, base do discurso fascista.
Sem noção histórica
Entre uma palavra e outra contra gays, negros e manifestantes de pensamento político contrário, ergueu-se a exaltação à ditadura militar, como uma força capaz de pôr ordem num Brasil reprovado politicamente pela Justiça. Sem nenhuma noção histórica dos fatos e destituídos de qualquer pensamento críticos, esses homens e mulheres, como robôs programados, acionaram a memória ferida da UnB, instituição violentamente descontruída durante as duas décadas de golpe militar.
Um ano depois do golpe de 1964, a UnB tinha sido invadida por duas vezes, professores e estudantes presos e demitidos. Todo o projeto de construção de um modelo de ensino transversal e inovador estava esfacelado. Diante do descalabro, 223 dos 305 professores se desligaram do quadro em 1965.
O pior dos dias
Imediatamente, o ataque de 17.06 reabre uma fenda no coração de Brasília. Vem à mente o pior dos dias: 29 de agosto de 1968, quando a ditadura prendeu o estudante Honestino Guimarães e transformou a quadra de basquete numa espécie de campo de concentração.
Naquela manhã, um comando de tropas descomunal formado por pela Polícia Militar, Polícia Civil, Exército e agentes do Dops fechou todos os acessos à Universidade. Bombas de gás lacrimogêneo, carro incendiado, violências físicas, verbais e prisões por toda parte interromperam a rotina acadêmica.
Campo de concentração
A repressão invadiu laboratórios, destruiu equipamentos, arquivos e mostras de pesquisa. Há fragmentos dessa barbárie no filme “Barra 68”, de Vladimir Carvalho, com cenas captadas heroicamente pelo estudante Hermano Penna.
Aos poucos, formou-se uma fila de centenas de estudantes detidos, com as mãos atrás da cabeça, levados, no sol da seca, para a quadra de basquete. Ali, passaram por triagem, humilhações e perda do estado de direito. Foram apreendidos 500 estudantes na quadra. Sessenta deles, foram presos.
Com o estado democrático tombado pela ditadura militar, não havia como se defender. Agora, mergulhados em delicado processo de instabilidade político e democrático, não podemos permitir ações como essa do dia 17.06. É preciso identificar um a um desses defensores da volta da barbárie para que sejam responsabilizados. Caso contrário, grupos similares se acharão no direito de violentar brasileiros que pensam diferente. Só isso pode estancar o fio de sangue que voltou a escorrer no campus da UnB.