Júnior Ratts: A Ditadura do Facebook

Por * Júnior Ratts

Facebook censura

Meu nome é Júnior Ratts, tenho 35 anos, sou natural de Fortaleza. Venho aqui para me pronunciar contra aquilo que chamo de “atentado terrorista do Facebook contra a autonomia do eu”. Sob este ponto de vista relacionado à censura/ditadura implantada por esta página virtual, chamo atenção para a homofobia velada que se pronuncia em suas formas de repreender seus usuários e na exclusão dos conteúdos por eles postados.

Na última sexta-feira (03/06), pela segunda vez neste ano, o Facebook tentou mastigar meu corpo e minha mente. Com a desculpa de que uma foto postada do ensaio “Meu Corpo, Um Jardim” do paulistano Léo Breda comprometia a integridade moral de seus membros, os gerenciadores do Facebook decidiram, sem me consultar, excluir meu perfil. A imagem apresentava em seu conteúdo um homem nu mergulhado em uma espécie de pântano e sua genitália não era apresentada de forma explícita.

Algumas semanas antes disto, o Facebook já havia me bloqueado por três dias por conta da postagem de uma fotografia do projeto “Chicos” dos mineiros Fábio Lamounier e Rodrigo Ladeira e retirado, sem minha consulta, uma foto de capa que compõe este mesmo projeto. As fotos mostravam respectivamente um homem de meia-idade fazendo um exercício de ioga nu (sem que aparecesse qualquer órgão genital) e a foto de um homem de barba com os lábios pintados de batom.

Os bloqueios do Facebook começaram ano passado em virtude das postagens referentes ao lançamento do meu livro de contos “Tudo que é feio, sujo e necessário”. Os posts apresentavam trechos dos contos contidos nos livros e imagens homoafetivas produzidas pelo fotógrafo alemão Wilhelm von Gloenden no século XIX. À época, tanto eu quanto a Editora Substânsia (responsável pela publicação da obra) sofremos represálias do Facebook.

Voltando ao caso de censura mais recente: esta, como mencionei, é a segunda vez que esta página (cujo nome, que em uma tradução mais sentimental poderia ser compreendido como “o livro de minha face”, ou ainda, “o livro que mostra quem sou”) age de forma incoerente, violando a liberdade de expressão e, por consequência, o exercício à cidadania.

O motivo da primeira desativação da minha conta se deveu à publicação de uma foto produzida à época de minha Especialização em Artes Visuais e Performáticas – em um grupo fechado chamado “Arte e Nudez”, no qual homens de todo o país postam fotos artísticas de conteúdo homoerótico ou homoafetivo. A fotografia, em preto e branco e se remetia à discussão acerca das opressões sofridas pelo gênero masculino na atualidade. À época, o Facebook me solicitou meu RG, CPG, foto e Certidão Negativa de Débitos com a União a pretexto e de que eu não seria de fato o proprietário da minha conta (algo que considerei como uma desculpa para justificar o cancelamento da minha conta). Apesar de achar tal atitude invasiva, enviei os documentos. Contudo, minha conta não foi reativada.

Ações como esta promovidas pelo Facebook refletem o quanto nossa sociedade está em retrocesso em diferentes campos, principalmente quando os assuntos abordados versam sobre o corpo e sua subjetividade. Como diz o sociólogo francês David Le Breton, as sociedades ocidentais tendem a criar mecanismo que evitem e invisibilizem os usos do corpo. Neste sentido, o Facebook pactua com essa ordem e passa a se configurar como uma ferramenta de biopoder e, consequentemente, de tecnologia de gênero e de sexualidade (mecanismos sociais que atuam como normatizadores dos corpos e das subjetividades baseados no imperativo da heteronormatividade).

Disto isto, ratifico a desativação de meu perfil como um gesto velado de homofobia a desativação, ainda que temporário, do meu perfil. Coincidência ou não, além da ênfase à luta LGBT por cidadania presentes em minhas postagens, há também uma série de publicações em minha página que mostram meu apoio ao governo Dilma e aos movimentos populares.

Tendo isto em vista, vale fazer duas perguntas: Primeiro, não é muita coincidência que as fotos bloqueadas sejam “fotos gay” produzidas por gays e publicizadas por um gay? Em segundo lugar, você conhece alguém, classe média, branco, de direita, heterossexual que já teve seu perfil desativado?
Outro episódio que torna ainda mais claro de que lado o Facebook está ocorreu no começo do ano passado, durante a campanha de lançamento do meu livro “A parede cor-de-rosa de Rodrigo Blue” (primeira obra infantil cearense a tratar de questões de gênero e sexualidade). Naquele instante, fui vítima de ataques homofóbicos na fanpage do lançamento do livro cuja palavra menos ofensiva era “pedófilo”. O que quero dizer com isto é que a rede social abre um espaço (e fecha os olhos) para o discurso de ódio e para promessas de morte, mas fica atento a qualquer imagem homoafetiva ou homoerótica de nudez, revelando-se assim cúmplice de uma sociedade sexista, eurocêntrica, machista e homofóbica.

Para além das questões de gênero e sexualidade, é preciso dizer e reforçar que, quando o Facebook exclui o perfil de alguém, “sequestra” sabe-se lá para onde todas as imagens, conversas, pensamentos e lembranças das pessoas. Em outras palavras, ele interfere diretamente na constituição da autonomia do eu e, com isto, prejudica diretamente a saúde física e principalmente mental dos sujeitos castigados. Neste sentido, o Facebook pode sim ser considerado um usurpador do patrimônio material e imaterial dos sujeitos que compõem a tessitura social.

Por fim, quero dizer que, apesar de tudo, não deixarei de manter meu perfil, pois infelizmente dependendo dele para meu trabalho tanto acadêmico quanto profissional e preciso ainda também para dar continuidade à minha luta por direitos iguais para todos e todas. Enfim, quero dizer que jamais deixarei a política e privacidade do Facebook me privatizar, NUNCA permitirei que este mecanismo opróbio (reflexo direto do desejo daqueles que constroem a estrutura social) molde meu corpo e minha voz.

O Facebook é um câncer social e, enquanto não tomarmos consciência disto, ele continuará a manipular a sociedade a seu bel prazer ao limitar a liberdade de expressão e ao intervir dramaticamente na cidadania, na autonomia do eu – na possibilidade de SERMOS QUEM SOMOS!


* Júnior Ratts é escritor, artista visual, jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

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