Especialistas avaliam a necessidade de uma reforma judiciária
O Brasil atravessa momento de falta de credibilidade institucional, com o Poder Judiciário atuando de maneira decisiva na criminalização de movimentos sociais, na perseguição de alguns partidos políticos e na violação de direitos. Esta é a avaliação de especialistas em Direito que participaram de debate nesta terça-feira (24) na Universidade de São Paulo (USP), como parte do Seminário “Caminhos de Esquerda diante do Golpe”.
Publicado 25/05/2016 11:06
Na mesa da manhã, estavam Kenarik Boujikian, da Associação Juízes pela Democracia (AJD), o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Alysson Mascaro, e o professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Rafael Valim.
Embora tenham opiniões divergentes sobre soluções para os problemas das instituições brasileiras, é unanimidade entre os três que o modelo do Judiciário é antidemocrático e que a presidenta eleita Dilma Rousseff sofreu um golpe para ser afastada do Executivo.
O debate começou com professor Alysson Mascaro, o mais crítico. Para ele, o universo jurídico, da forma como está consolidado no Brasil, não é democrático e, o próprio direito é golpe, assim como o Estado. “O que aconteceu com Dilma é um golpe a mais, um golpe exacerbado. Este momento é uma exacerbação do que acontece todo dia”, afirmou.
Ao explicar por que o direito e o Estado são um golpe, Mascaro mencionou que batidas policiais em negros nas periferias, feitas somente por serem negros. Estes são “golpinhos”. “O problema é que passa no mesmo lugar um helicóptero cheio de cocaína, enquanto a polícia passa horas procurando por um pneu murcho em um carro com negros na periferia”. Segundo ele, o mesmo aconteceu com Dilma. Embora as chamadas pedaladas fiscais não sejam crime de responsabilidade, para o debatedor, passaram meses procurando algum problema em seu governo para acusá-la e dar um golpe.
Mencionou que, desde 5 de outubro de 1988, a Constituição determina que cidadãos tenham acesso à saúde e à moradia, mas nem todos possuem, de fato. “Golpe em geral é parar preto. É acusar bicha que foi agredida na Paulista e dizer que ele deu em cima do agressor. É dizer para a mulher que reclamou de assédio no metrô ‘também, com esta calça, você não queria ser estruprada?’”, disse.
O professor falou também da função do direito para fazer “trabalho samaritano”, e citou as 35 mil pessoas que perderam suas moradias no Pinheirinho, em São José dos Campos. “São 35 mil pessoas sem teto pelas mãos do direito”, afirmou.
Mascaro disse que seu argumento revela a hipocrisia que se esconde sob a legalidade e afirmou: “Dobro aposta das pessoas que se recusam a chamar este momento de golpe”. Concluiu relatando ter uma grande desilusão quanto ao mundo jurídico. Para ele, a solução para o atual momento do país é que “o povo sufoque e coloque cada vez mais no escanteio do mundo os juristas”.
Em seguida, falou Rafael Valim. O professor argumentou que, no Brasil, há cegueira inadmissível por parte das instituições: “Nossa institucionalidade não é fraca. Ela não existe”. Esta situação culminou em um “golpe com uma sofisticação que engana muitos incautos”. “O golpe que está sendo levado a cabo no Brasil tem verniz de legalidade”, justificou.
Citou ainda aqueles que usam o argumento de que o impeachment está previsto nas regras democráticas do país e contestou: “Claro que impeachment está previsto na Constituição. Mas precisa verificar seu uso”.
Para ele, é um equíovoco pensar que o Direito é neutro e que os responsáveis vão aplicá-lo segundo as regras do jogo democrático. A politização do Jucidiário e o protagonismo que ele adquire são problemáticos, afirmou o especialista.
“Há momentos em que nos precisamos nos unir. Este é um momento em que a esquerda precisa se unir (…) Nos resta resistir, criticar, continuar peleando. Vamos em frente”, concluiu.
Kenarik Boujikian afirmou que é importante, para além dos problemas das instituições, lembrar as 40 milhões de pessoas que saíram do Mapa da Fome. “Este é o grande diferencial. Para mim, não tem preço essas 40 milhões de pessoas não estarem no mapa da miséria. Para mim, estas pessoas são o campo imediato”.
Citou o exemplo de pessoas que melhoraram suas rendas e puderam viajar de avião. “É o ódio que vem junto disso. Algumas pessoas não aceitam que aquele que está ao seu lado não viajaria de avião. No máximo, estaria em uma rodovidária a cada dois ou três anos. A pessoa que está ao seu lado tem um filho que entrou na universidade, e que não teria entrado”, argumentou.
Kenarik criticou o difícil acesso da população ao Judiciário e citou iniciativas que querem proibir espaços de discussão do impeachment. “Judiciário deveria ser garantidor de direito que estão na Constituição. Mas estamos vendo situações completamente exdrúxulas (…) Limitar o que a sociedade vai discutir. A gente vê a ministra Rosa Weber explique o que ela quer dizer com golpe. Chegamos ao limite… inimaginável que pudéssemos chegar a este Judiciário de forma tão clara”.
Concordou com Mascaro que o golpe acontece no cotidiano na periferia, mas se mostrou otimista ao mencionar a possibilidade de mudança: “Para a gente mudar isso, vamos precisar de muita luta, de muita educação, acho que precisamos investir nisto. Sou uma sonhadora, quero crer que possamos reverter isso”.
Ela ainda citou a necessidade de uma reforma política que inclua o Judiciário. “Tem uma parcela do Judiciário que está tentando romper esta barreira. O Judiciário tem uma enorme importância, o direito tem uma enorme importância. Tem um papel muito grande e precisa ser disputado. Por que a gente critica este Judiciário? Porque ele não cumpre o papel que a gente está esperando”, disse.
Segundo ela, é possível fazer pressão e reverter a decisão do Senado de afastar Dilma do cargo: “Estou nesta luta e quero continuar lutando. Que a gente possa tomar o microfone, que a gente tenha terra, que as crianças não morram mais de fome”.