Publicado 23/05/2016 10:11
Deslindou uma virada à direita, que traz a opacidade dos tempos sombrios da nossa história, revelando-se por inteiro e de forma acelerada. Espelha a cara da trágica Sessão da Câmara do dia 17 de abril, já de triste memória, que deu a arrancada para o golpe.
Governo interino, imposto como definitivo
Este governo interino procura desenfreadamente desmontar o que encontra de feição democrática, desenvolvimento social e avanço progressista. Esta é a causa comum de um governo formado por grupos heterogêneos, retrógrados, revanchistas. O curso golpista iniciou-se por uma conspiração, logo após a reeleição da presidenta Dilma Rousseff, passou pela busca de convergência operacional, a via a ser seguida, e conformou uma coalizão que se uniu pelo impeachment da presidenta da República, sendo a forma institucional encontrada para encobrir o golpe de Estado.
Esse processo de impedimento fraudado, na sua causa e na sua origem, teve sua voz cantante entoada pelo PSDB e como agente deflagrador o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, expressão da direita atual, montado no apelidado “Centrão” (composto por mais de 200 deputados), agora chamado “Frente Ordem e Progresso” (sic), sob seu domínio e controle. Todo consórcio oposicionista anti-Dilma e antagônico à “era Lula” se valeu desse inestimável serviço sujo para responder ao seu desiderato, valendo-se assim de um exímio calculista das negociatas políticas, que, em contrapartida, tudo fazia e faz para se blindar de múltiplos processos judiciais no seu lombo, na PGR e no STF.
Seguindo essa trajetória pode-se destrinchar a resultante dessa trama institucional-midiática-golpista, sob o beneplácito da justiça suprema. O governo provisório de Temer, para eles, já não tem o adjetivo de interino, é definitivo. Este governo é resultante de um conluio das forças de direita, conservadoras e fundamentalistas, em proveito dos grandes círculos financeiros e empresariais e por uma plutocracia arrogante. O seu formato responde ao resultado de uma operação institucional de exceção, que descambou para um tipo de golpe parlamentar, apoiado na mobilização midiática da classe média tradicional, convertendo-se em verdadeira eleição indireta, inconstitucional, para presidente da República.
Governo interino sob a hegemonia de Eduardo Cunha
Por isso, a divisão do bolo é feita entre os parlamentares pró-impeachment, porquanto não é um governo eleito nas urnas. O presidente interino deve sua “eleição” a eles, revelando ser um governo heterogêneo, de poderes repartidos, de domínios demarcados, donde Eduardo Cunha, mesmo afastado, mantém sua influência dominante. Com indicações significativas no governo, e no acerto de contas, continua como credor infinito. No Senado, agora na fase de julgamento, esse governo provisório, dependente dos votos dos senadores, controla-os passo a passo para garantir seus dois terços decisivos. Vale tudo pelos dois terços, eis a excrescência indecente. Na visão do governo interino o “julgamento” no Senado é somente uma disputa política cabal. Também o STF aparenta seguir a mesma linha. E, agora, já feita a divisão do botim e com todo poder executivo nacional sob o ditame do “novo” governo, tornar-se-á para eles uma batalha de ganho garantido e definitivo.
No entanto, o governo interino — que assume despoticamente como se fosse definitivo com grande desenvoltura — põe em reverso as conquistas avançadas. Como previsto já demonstra mais cedo do que se esperava um retrocesso de décadas e revela sua catadura arbitrária, preconceituosa, odienta. Na condição de usurpador do poder age desmontando o governo anterior sacrificando as conquistas sociais e populares, longe dos avanços culturais e democráticos na sociedade e das conquistas de gênero. Na sua prepotência chega a sitiar a presidenta Dilma Rousseff no Palácio da Alvorada e limita seu acesso, aplicando-a insólita censura.
A sua equipe econômica do governo interino dita fiscalista, se prepara para um “choque fiscal”, ou seja, somente através de corte drástico de despesas, evidentemente atingindo saúde, educação e programas sociais é que pode trazer o crescimento. Indica que tudo pode ser privatizado, volta o conceito de Estado mínimo e desconstituição de uma economia nacional. A política externa vigente de inserção soberana no contexto internacional, integração com os nossos vizinhos da região, parcerias estratégicas em função de um mundo multipolar, vai sendo revertida pela velha política da classe dominante vende-pátria, onde o Brasil volta a ter um papel secundário se realinhando às grandes potências capitalistas-imperialistas.
Presidenta Dilma – símbolo da luta democrática
Em contraste a resistência cresce e se amplia, as manifestações se multiplicam, se estende a frente anti-Temer, incorporando camadas que antes lutavam pelo impeachment da presidenta Dilma. As ruas já são ocupadas por seguidas manifestações contra o golpe. O presidente interino se refugia nos gabinetes em Brasília, enquanto a presidenta Dilma é mais e mais ovacionada nas ruas. Sinal de que algo de podre existe na presidência golpista. Esta demonstra vacilação, recuos, ausência de um rumo definido. Tudo isso se reflete em maior turbulência institucional, provoca maior incerteza em crescentes segmentos da sociedade e, sobretudo, se eleva a repúdio nas fileiras democráticas.
Desnuda-se em face da nova situação a ilegitimidade da operação golpista que derrubou a presidenta Dilma. É uma unanimidade na imprensa internacional, de personalidades em vários países, de presidentes da OEA e da UNASUL, de que a presidenta da República foi apeada do poder por uma via de exceção e negação do Estado democrático de direito. A presidenta Dilma vem se transformando num símbolo da luta pela democracia e vítima de grande injustiça, por que não praticou nenhum crime de corrupção em beneficio próprio, sendo ao reverso condenada por uma horda de detratores, estes sim envolvidos em processos de vários delitos de corrupção. O golpe pode ser revertido, apesar da trama da classe dominante e do grande aparato de poder ao seu dispor.
A volta da presidenta Dilma ao posto presidencial não seria uma simples continuidade. Conforme ela indica seria sustentada pelo programa que a elegeu em 2014, revalidado diante das lições retiradas em um ano e meio de governo e em resposta às exigências atuais, contrastando com a agenda regressiva imposta pelo governo interino. E, acrescento eu, ela se comprometeria em propor um Plebiscito remetendo à decisão do desfecho democrático à soberania popular, que se pronunciaria pelo SIM ou NÃO da antecipação da eleição presidencial. Uma causa justa pela defesa da democracia e do avanço civilizatório, assumida pelo povo, pode vencer a injustiça e o autoritarismo dominantes.