O golpe no Brasil preocupa todo o continente, diz Celso Amorim
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, concedeu uma entrevista ao periódico chileno La Tercera sobre a crise política gerada pelo golpe no Brasil.
Publicado 17/05/2016 17:30
Celso Amorim foi ministro das Relações Exteriores em três ocasiões: de 1993 a 1995, durante o governo de Itamar Franco; de 2003 a 2011, na gestão Lula e de 2011 a 2015, durante a administração de Dilma.
Leia a entrevista na íntegra:
Qual é sua análise sobre a votação em favor do início do impeachment contra Dilma Rousseff?
O que aconteceu era esperado, não há surpresa, mas todo o processo é lamentável porque o que é imputável à presidenta são, talvez, erros técnicos, que não devem ser cometidos, mas que foram feitos também por outros presidentes sem que as consequências tenham sido as mesmas. Mas o que também faz isso ser muito grave é que todo um projeto de visão de país foi mudado sem que tenha havido eleições, sem que tenha havido voto da população. É uma mudança total sem uma eleição.
Em entrevista à BBC o senhor falou que o objetivo real da oposição com o impeachment mais que Rousseff era Lula e os programas sociais impulsionados pelos governos do PT. É isso mesmo?
Bem, Dilma é parte de tudo isso também, por isso está sendo atacada. O presidente interino Michel Temer havia dito que manteria os programas sociais, mas nós sabemos que essas coisas são muitas vezes mais sutis, é uma questão de prioridade. E um diz, ‘bem, vamos melhorar a gestão’, mas na verdade começam a diminuir os fundos ou dar menos prioridade. No atual governo foram eliminados ministérios importantes como a pasta de Direitos Humanos. E é muito paradoxo, porque estamos dizendo que o objetivo era diminuir os ministérios, mas a pasta que a presidenta Dilma havia baixado a nível de secretaria, a de segurança institucional, volta a ter status ministerial. Então a impressão que tenho é que está sendo substituída a prioridade dos Direitos Humanos por uma prioridade pela segurança, em um país como o Brasil onde isso traz recordações bem pouco agradáveis.
A legitimidade com que Temer chega à presidência tem sido muito questionada. Como o senhor vê isso?
Não quero entrar individualmente na questão pessoal, mas a legitimidade em um regime democrático vem do povo e o povo não se manifestou. Talvez alguma vez houve protesto nas ruas, mas isso não é um indicador seguro de qual é a vontade do povo. A vontade do povo se expressa na votação, em uma eleição, isso é o que dá legitimidade. Sobretudo para uma mudança política tão grande. Por exemplo, não se vê um negro, não se vê uma mulher nos ministérios, a importância dos Direitos Humanos foi reduzida, a da Cultura e se aumenta a importância da segurança. Vem uma política econômica, pelo que dizem, totalmente neoliberal, com grandes privatizações do que resta ser privatizado. Então isso me parece que não pode ser assim porque não é o que o povo votou.
Como ex-chanceler, qual é o dano que você considera que esta crise provocou na imagem internacional do Brasil?
Não gosto de falar em imagem porque os governos autoritários são mais obcecados com a imagem. De toda forma, hoje há muitas dúvidas, até mesmo jornais liberais e conservadores, não falo só de gente de esquerda, nem da opinião da Alba, nem nada disso, todos estão em geral preocupados. Ainda que eles gostem que haja uma mudança da política econômica, reconhecem que não há popularidade, que não há base popular, que isso pode dar margem a conflitos sociais. Então eu creio que em geral é tudo muito negativo, ainda que interesses econômicos imediatos possam se beneficiar, inclusive com privatizações. Estes podem estar muito contentes.
Como você vê a reação de alguns governos da região que apoiaram Dilma?
Me parece normal, porque todos estão preocupados que podem encontrar fórmulas ilegais, que podem ter a aparecia de legalidade, ou que podem ser legais desde o ponto de vista estritamente formal, mas cujo conteúdo está distante da verdadeira legitimidade que vem do voto popular. Penso que isso é algo que preocupa a todos no continente. E além disso, porque é visível que as prioridades do Brasil, me parece, estão mudando, estão olhando menos para a região, é uma visão muito mercantilista, muito comercialista do que são as relações internacionais. Isso é preocupante.