Jornalista cubano: “Esta guerra na Síria é contra a humanidade”

Durante cerca de um ano, o jornalista cubano Miguel Fernández foi o único da mídia ocidental creditado em Damasco. Este correspondente da agência Prensa Latina, presente na Síria desde o início do conflito em 2011, conhecia esta guerra por dentro. Após seu regresso a Havana, ele deu uma entrevista exclusiva à agência russa de notícias Sputnik.

Jornalista Miguel Fernández na zona de combates nas montanhas de Qalamun

Sputnik: Quais os momentos que o impressionaram mais?

Miguel Fernández: A queda de Palmira em 2015. Palmira é um dos dez monumentos da Unesco na Síria, um oásis no deserto, com uma história mística. A destruição do Arco do Triunfo e dos principais monumentos. Uma cena horrível que nunca posso esquecer, quando crianças dirigidas pelo Daesh mataram 50 soldados sírios ajoelhados. Provavelmente, para mim este momento é o mais trágico. Porque eu sentia que a guerra não era contra só a Síria, mas contra todo o mundo, contra a nossa cultura, contra os nossos valores, nosso patrimônio, e quando digo “nosso”, quero dizer “da humanidade”…

S: De que maneira você foi recebido pelos sírios?

MF: Um dia eu fui com um grupo de jornalistas, acompanhados por militares, às montanhas que se situam em um lugar estratégico no sul do país, não longe das colinas de Golã. Ao chegar, fomos apresentados às forças que lá estavam. Espalhámo-nos, eu fui com o meu tradutor às trincheiras.

Chegamos muito cedo, quando distribuíam o café da manhã aos soldados, pão árabe e uma lata de sardinhas. Um daqueles soldados, que tinha mais de 50 anos, barbudo, sujo, todo cheio de pólvora e lama, se aproximou de mim, quebrou o seu pão e estendeu-me metade. Eu recusei, pois já tinha tomado o café da manhã em casa e não sabia quantas horas aquele homem não tinha comido. Mas o meu tradutor disse que eu aceitasse o pão, explicando que o soldado queria compartilhar comigo a sua comida por que sou cubano, e a ele sempre foi dito que os soldados cubanos são muito corajosos, e se ele compartilhasse comigo a sua comida, isto traria sorte a ele. Estava com lágrimas nos olhos, primeiramente porque não sou soldado e esta opinião sobre o meu povo impressionou-me muito. Tudo isto me levou a esclarecer todos os acontecimentos na maneira mais séria e responsável.

S: O que os sírios pensam sobre os russos, e qual é a influência da Rússia na guerra?

MF: Tenho os cabelos e os olhos claros. Por isso muitas vezes foi confundido com um russo, eles me saudavam amigavelmente. Os sírios confiam na Rússia, porque durante muito tempo estavam em conflito com os EUA e alguns países europeus, e a Rússia era o único país amigo…Uma parte significante das forças armadas sírias foi educada na Rússia.

Durante o ano anterior, os EUA chefiaram uma coalizão internacional, mas sem grande resultado. Enquanto os americanos bombardeavam, o Daesh se espalhava mais, tomava novas posições.

Os aviões russos destruíram todos os acessos desta coalizão. Durante os primeiros 30 dias dos ataques, os russos conseguiram eliminar 30% da infraestrutura do Daesh. As forças aéreas dos EUA e dos seus aliados não alcançaram o mesmo resultado durante um ano.

Os bombardeamentos anteriores não eram coordenados e, muitas vezes, atingiam a infraestrutura síria, hospitais, escolas. Pelo contrário, os ataques dos russos, para além de estes terem entrado na guerra a pedido de Damasco, foram coordenados antecipadamente para maior eficácia e para não causarem prejuízo aos civis.