Publicado 25/04/2016 15:01
Na letra, que comemorou o levante vitorioso contra a ditadura salazarista, o cantor pediu: “guarda um cravo para mim”.
A Revolução dos Cravos comemora 42 anos neste 25 de abril e a festa continua “bonita, pá”, mas não aqui no Brasil, onde um golpe em andamento ameaça a democracia.
Em 2016, Chico Buarque não é mais um jovem compositor, está maduro (tem mais de 70 anos) e continua a usar recursos como música, poesia e gentileza contra os que agridem a nossa democracia. Recentemente, em um restaurante do Rio de Janeiro, foi agredido verbalmente por jovens que queriam o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e criticavam sua postura a favor do governo.
Chico conversou com os jovens, não se revoltou, não xingou em resposta ao xingamento que sofreu. Recordo a cena aqui porque hoje, nas redes sociais, um dos tópicos de discussão foi a “cuspida” indignada que o ator José de Abreu deu contra um casal que o abordou em restaurante. Muitos o condenaram, outros o defenderam com a ressalva de que “nem todo mundo” é gentleman como Chico Buarque.
Uma cuspida ou um cravo?
Do mesmo jeito que xingaram Chico, xingaram Abreu, mas Abreu, talvez esgotado de argumentos, resolveu revidar com um gesto que ganhou força na votação do impeachment: a cuspida do deputado Jean-Willys “na cara” do deputado Jair Bolsonaro que fez a apologia da ditadura ao homenagear um torturador da época, Coronel Brilhante Ustra.
Os que não são artistas (músicos, poetas) ou os que têm menos inspiração em brigas, talvez, sejam forçados, a certa altura de discussões, a cuspir na cara dos ofensores. Chico Buarque, não. Ao contrário.
Em 1974, depois de escrever a letra de Tanto Mar submeteu a música à censura da ditadura militar e, logicamente, ela não foi aprovada. Só permitiram que fosse executada instrumentalmente.
Portugal tomou a guarda da música e lançou-a antes de nós.
Em 1975, Chico Buarque fez um show ao vivo com Maria Bethânia no Canecão (casa de espetáculos do Rio) e colocou a música proibida no repertório. Só instrumentos. No último dia da temporada, no entanto, resolveu cantar a letra da música. O ato, que não tem registro oficial, virou relíquia da luta democrática no Brasil.
Passaram-se mais três anos, Portugal seguia livre da ditadura enquanto o Brasil caminhava para mais um governo militar. Chico, resistia, compondo letras de música como Cálice e Apesar de você, ambas gravadas em 1978 no mesmo disco em que gravou Tanto Mar. Aí, sim, com letra, ligeiramente alterada, mas fiel ao elogio à Revolução dos Cravos.
Neste 25 de abril, espero que Chico Buarque continue compondo enquanto nós, que nos inspiramos em artistas como ele e em revolucionários como os portugueses de 25 de abril, seguimos na luta pedindo liberdade democrática e recordando a Revolução dos Cravos, o mais lindo “golpe” que o mundo já deu em uma ditadura.
Ouça as duas versões de Tanto Mar: