Paulo Moreira Leite: Cunha, o Berlusconi brasileiro
Ao assegurar a aprovação do pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o deputado Eduardo Cunha consolidou-se como o Sílvio Berlusconi do atual momento político brasileiro. Não se pode cogitar por um único minuto a hipótese de encerramento de um mandato obtido nas urnas sem os votos que Eduardo Cunha organizou e garantiu na noite de ontem.
Por Paulo Moreira Leite*
Publicado 18/04/2016 12:19
Cunha já havia demonstrado seu poder de controle em diversas votações das chamadas pautas-bomba e toda agenda conservadora que dominou os debates do Congresso a partir de 2015. Ontem, os discursos em tom religioso, cobertura para um conservadorismo extremo e reacionário, que garantiram 36 votos decisivos contra Dilma, não escondiam certificado de origem. A fidelidade é tamanha que os aliados sequer se preocupavam em manter aparências.
As semelhanças com Berlusconi são úteis para entender o que está ocorrendo no Brasil de hoje.
A Itália de 1990 teve o sistema político dizimado pela Operação Mãos Limpas, que, destinada a combater a corrupção na política daquele país, foi muito além dos limites jurídicos. Destruiu os principais partidos políticos – a Democracia Cristã e os Socialistas – além de provocar o deslocamento do Partido Comunista que um dia foi de Antonio Gramsci e estimular sua partilha em várias legendas menores. Nesse ambiente de cemitério, Silvio Berlusconi emergiu com o político mais ativo e poderoso.
Mesmo denunciado por corrupção, inclusive de investir somas bilionárias na aquisição de apoio político e na formação de partidos que controlava com mão de ferro e reformulava conforme necessidades do momento, tornou-se o mais longevo primeiro-ministro do pós-guerra e o terceiro de toda história do país. (No total, acumulou 9 anos à frente do governo. Pouco menos que o dobro que Benito Mussolini, criador do fascismo, por exemplo).
Após o colapso do sistema democrático, que possuía falhas imensas e reconhecidas mundialmente – Berlusconi tornou-se uma necessidade política óbvia em defesa da ordem. Com a força de seu império privado, que incluia as principais emissoras de TV, revistas, bancos e até o time de futebol, Milan, formava uma barreira para impedir a reconstrução política das organizações operárias italianas, que chegaram a constituir a força mais respeitável da Europa durante décadas.
A origem de sua força era fácil de entender. Enquanto outras legendas estavam desestruturadas depois do massacre, Berlusconi mudou o sinal. Numa atitude que representou um choque político e até emocional, engajou a Itália na guerra do Iraque, tornando-se um dos principais aliados de George W Bush. Internamente, fez um esforço cotidiano para sabotar o regime de garantias e direitos sociais construído no pós-guerra.
Embora nunca faltassem denúncias e escândalos de toda natureza a sua volta, inclusive gravações de dialogos de natureza pessoal que ajudavam dar um tempero especial às denúncias, sempre foi acusado mas nunca investigado. (Engraçado, não?)
Tinha uma máquina financeira, pessoal e política, que o protegia.
Num país onde não havia foro privilegiado para o julgamento de autoridades, foi capaz de inventar uma legislação que proibia que ministros e altos funcionários do Estado fossem chamados a responder processo por corrupção.
Capaz de se proteger dos adversários internos, com uma fortaleza inexpugnável, só foi afastado após a crise de 2008/2009. Numa intervenção externa que lembra a nomeação de vice-reis da época colonial, foi obrigado a renunciar e entregar o posto a Mario Monti, homem de confiança do mercado.
Com votação de ontem, Cunha deu um novo passo para consolidar um poder pessoal cuja dimensão surpreendeu os analistas mais aplicados – pois sua máquina mostrou-se capaz de dar o primeiro passo de um golpe de Estado parlamentar no regime presidencialista brasileiro.
Essa é a mensagem.