Publicado 15/04/2016 17:34 | Editado 04/03/2020 16:48

Muito enganados estão aqueles que acreditam que grandes protestos de rua são, necessariamente,
sinônimos de democracia ou de avanço para os trabalhadores. Nem sempre é assim! Ao contrário, nos
últimos anos grandes manifestações de rua estão ligadas a retrocessos igualmente gigantescos.
Recordemos da chamada “Primavera Árabe” em países do norte da África – Egito, Líbia, Síria e
Tunísia – por exemplo. Com exceção deste último, onde uma coalizão tem mantido um Estado
relativamente democrático, nos demais se viu a instalação ou volta ao poder de ditaduras teocentristas
e guerras civis com a dissolução total de alguns Estados, como no caso líbio.
Na Grécia e na Espanha, em 2011, grandes protestos de grupos de extrema esquerda “contra tudo que
está aí” resultaram em vitórias de governos ultradireitistas e neoliberais que levaram esses países à
bancarrota (1). Em 2013, na Ucrânia, grandes manifestações conduzidas pela extrema direita
resultaram num golpe de Estado que destituiu um presidente eleito democraticamente. O novo
governo, presidido por um magnata aliado a grupos neonazistas, aterroriza segmentos da população
com facções paramilitares, ao mesmo tempo em que funciona como um títere contra a Rússia a serviço
da OTAN, sob o comando americano. Esse governo reacionário é diretamente responsável pelos
conflitos armados e consequente aumento da miséria, com mais de 1,5 milhões de ucranianos famintos
(2).
Em comum, entre os exemplos citados, temos a presença mais ou menos explícita dos EUA nestas
“revoluções democráticas” (3). Seja por meio de seu Departamento de Estado ou da CIA, seja por
meio de suas embaixadas ou fundações, financiam grupos opositores reacionários com dinheiro,
incluindo o fornecimento de armas, logística, e também mercenários para o trabalho sujo de atentados,
assassinatos e torturas.
No novo arranjo geopolítico mundial, os EUA tentam isolar a Rússia, a China e, em certa medida
também a Índia, principais países membros do BRICs, grupo também composto pela África do Sul e
Brasil. Neste contexto é fundamental o controle do Oriente Médio, Ásia e Leste Europeu. Daí o
treinamento e financiamento de grupos terroristas na Síria, por exemplo, ou o cerco à Coréia do Norte.
Lógico que o petróleo também continua sendo um motivo primordial. Tudo isso com cobertura da
mídia, idolatrando a política americana, ao tempo em que sataniza os países sob sua agressão.
Na América Latina, os regimes neoliberais que substituíram as ditaduras civil-militares do continente,
sobretudo, na década de 90, foram todos derrotados por projetos progressistas de cunho
neodesenvolvimentistas e nacionalistas na tentativa de recuperar a soberania destes Estados Nacionais,
incluindo a integração latino-americana. Em pouco mais de uma década, Venezuela, Argentina,
Equador, Bolívia, Uruguai e Brasil, apresentaram grandes transformações econômicas, sociais e
políticas. Houve o fortalecimento da democracia, com eleições livres e ampla participação popular,
integração entre os países, incluindo a formação e/ou fortalecimento de blocos regionais, como
MERCOSUL, UNASUL e CELAC, além de inédita distribuição de renda, geração de empregos, com
diminuição da miséria e erradicação da fome. Nesse processo, o Brasil foi alçado à condição de
potência mundial, sobretudo após a descoberta do Pré-Sal pela Petrobrás e de sua adesão ao BRICs
(4).
Como esperado, esse processo inédito de avanço latino-americano não passaria incólume. O
imperialismo norte-americano, incluindo os abutres de Wall Street, não suportaria a ideia de uma
América Latina independente, progressista e integrada. Sua soberania não poderia ser solidificada
nestes tempos de globalização. Assim, desde sempre a mídia nativa hegemônica, aliada às elites
conservadoras e ao capital financeiro internacional, lançou todas as armas, para primeiro tentar
impedir a eleição de líderes progressistas. Na sequência atuou e atua cotidianamente para desqualificar
e derrubar essa nova configuração geopolítica regional.
Nesse contexto, os EUA estão avançando no desmantelamento dessa nova ordem regional, iniciada
por Chávez em 1998. Na própria Venezuela, a direita conservadora e antinacional ganhou a maioria do
Parlamento, enquanto na Argentina, o poder executivo foi ocupado por neoliberais a serviço de
Washington. Além destes, Equador e Bolívia também estão sofrendo com as tentativas de
desestabilização política (5).
No Brasil, o projeto de cunho trabalhista e neodesenvolvimentista, iniciado em 2003 encontra-se
seriamente ameaçado pelo consórcio jurídico-midiático-parlamentar. Sob o manto de uma narrativa
moral-hipócrita conservadora, as forças reacionárias ampliaram sua ofensiva um dia após o pleito
eleitoral de 2014, na tentativa de inviabilizar o novo mandato da Presidenta Dilma, fenômeno que se
acirrou com a tentativa de impedimento da mandatária do executivo nacional hora em curso. Ao
“estilo paraguaio”, um golpe de Estado caminha a passos largos no Brasil; nada de tanques,
metralhadoras e baionetas, modernamente, o também chamado “golpe branco” é uma atualização que
dispensa militares para a mesma finalidade: golpear a vontade popular, destituindo governantes eleitos
e substituindo-os por vassalos a serviço de Washington!
Também importa ressaltar nesse conluio do caso brasileiro o papel de grupos neofascistas como MBL
(Movimento Brasil Livre), Vem Pra Rua e Revoltados Online, que financiados por grupos
estadunidenses (6), somam-se ao consórcio já citado. Esses grupos tem seu DNA vinculado às
chamadas “Jornadas de Junho”, gigantescas passeatas inicialmente convocadas pela extrema esquerda,
sob o comando do grupo estudantil “Passe Livre”, que reivindicava melhorias na mobilidade urbana e
gratuidade dos transportes em São Paulo. Rapidamente a revolta se tornou nacional e foi apropriada e
hegemonizada pela extrema direita. Atualmente estes três grupos são os principais organizadores dos
protestos de rua em todo o país. Assim, o que parecia ser uma rebelião espontânea das massas se
metamorfoseou em hordas Nazifascistas verde-amarelas amplificadas pela mídia hegemônica, que
atua na destruição moral, ética e pessoal dos líderes do projeto progressista no país e na maioria do
campo da esquerda, contribuindo para a ressuscitação do anticomunismo, discurso e prática muito
eficiente durante a guerra fria. Percebe-se que para além das vias judiciais e parlamentares e suas
extravagâncias, para se efetivar, o golpe de Estado nesta nova roupagem, precisa conquistar corações e
mentes, causar revolta e comoção popular (7).
Os referidos grupos – que contam com variantes similares em nível local e regional – atuam na
criminalização da política, em sua negação enquanto mecanismo primaz para a convivência social
democrática. Parece que o jarro de Pandora foi aberto e dele saem esqueletos que já se imaginavam
mortos. Os ovos da serpente do Nazifascismo, chocados pelo projeto golpista nos últimos anos agora
parecem ter eclodido repentinamente e de forma incontrolável. Por isso, jargões do tipo: “fora todos,
ninguém me representa, são todos farinha do mesmo saco, militares no poder”, etc., são vistos e
ouvidos com frequência cada vez maior.
No roteiro golpista a radicalização de extrema direita surge como certo imprevisto para o consórcio
jurídico-midiático-parlamentar. Possivelmente resultante de uma dose excessiva na receita do golpe,
perdeu-se o controle das hordas teleguiadas nas ruas. Fenômeno que parece estar deixando atônitos os
que se julgavam pilotos da boiada, pois os torpedos despejados diuturnamente contra as forças
progressistas brasileiras, tal qual bumerangues, podem cair sobre suas cabeças também.
O fato concreto é que o Estado de Direito Democrático garantido pela Constituição Federal está
seriamente ameaçado. Já sabemos quem são os culpados diretos por esse ocaso. O que ainda nos falta
são prognósticos realistas sobre o que nos aguarda num futuro próximo. Se a história pode nos
fornecer exemplos, lembremo-nos de ocasiões similares, com o surgimento de “Salvadores da Pátria”
e de Ditadores que a situação possibilita; no Brasil já tivemos Collor de Mello ilustrando o primeiro
caso, no que tange ao segundo, alguém se lembrará de um senhor austríaco, de bigode esquisito, que
sonhava ser pintor quando jovem… Ao mesmo tempo, teremos sempre o exemplo dos soviéticos
resistindo heroicamente e vencendo a batalha mais sangrenta da história contra os nazistas em
Stalingrado!
1 – Eduardo Guimarães. Se Brasil não quiser mesmo fim de Grécia e Espanha, fuja do PSDB.
http://www.blogdacidadania.com.br/2015/06
2 – ONU: Ucrânia Oriental tem mais de 1,5 milhão de pessoas famintas.
https://dev.vermelho.org.br/noticia/278760-9
3 – Luis Nassif e Patricia Faermann. Entrevista. Da Primavera Árabe ao Brasil, como os EUA atuam na
geopolítica. http://jornalggn.com.br/noticia.
4- Idem.
5 – Idem.
6 – MBL recebe financiamento de petrolíferas americanas dos irmãos Koch.
http://www.plantaobrasil.net/news.asp?nID=93624
7 – Mídia continua o massacre: o alvo é depor Dilma e destruir a esquerda. http://ujs.org.br/index.php/noticias
*Professor da UFMT- Campus de Rondonópolis – Doutor em Geografia Humana; Presidente
Municipal do PCdoB e Membro da Coordenação do Fórum Popular em Defesa da Democracia de
Rondonópolis – e-mail: sernegri@hotmail.com