Reginaldo Nasser: Globo assume a face da conspiração
Não é novidade para ninguém o papel de protagonista político que a Rede Globo adquiriu no Brasil desde os males de sua origem (na ditadura civil-militar) até o momento atual. Sempre apoiando o “Partido da Ordem”, se revelou tendenciosa, parcial, seletiva em tudo o que se refere a algo classificado como pauta de esquerda, ainda que essa definição seja vaga e imprecisa.
Por Reginaldo Nasser*
Publicado 29/03/2016 17:02
Desde as questões de política nacional – que envolvem temas de desigualdade econômica, meio ambiente, questões de gênero, reforma agrária e urbana –, até temas internacionais como pauta dos governos de esquerda na América Latina. De forma geral, poder-se-ia dizer que esteve sempre ao lado das elites econômicas e políticas do país estreitamente articulada às estratégias de suas congêneres internacionais
Há que se destacar que essa corporação da mídia tem uma capacidade de resiliência muito grande. Desconsiderou a existência do movimento Diretas Já no seu início, mas logo depois passou a adotá-lo gerando inclusive a percepção de que sempre esteve na dianteira dos manifestantes. Passou a legitimar o pacto das elites que instaurou a Nova República, relegando ao passado suas relações espúrias com a ditadura. O mesmo ocorreu em relação ao ex-presidente Collor, quando fez campanha acintosa para derrotar Lula. Mas logo depois, ela estava de vento em popa apoiando o impeachment do presidente ao lado dos movimentos sociais.
Entretanto, desde a eleição de Lula que a Rede Globo não se sente numa situação confortável. Não que os governos de Lula e Dilma pudessem causar qualquer dissabor ao status quo. Muito pelo contrário. Pode-se dizer que entraram numa situação de “coexistência pacifica”. Apesar de algumas rusgas aqui e acolá, havia um clima de aceitação de ambas as partes (Rede Globo e o governo petista). Afinal de contas, os bancos tiveram lucros estratosféricos e as corporações cresceram como nunca. Além disso, Lula e Dilma ensaiaram, mas nunca tocaram no seu calcanhar de Aquiles: a lei de regulação da mídia.
Mas como a Rede já deu demonstrações suficientes de que sabe se moldar às mudanças, faltava o momento propício para a guinada: junho de 2013. No início dos protestos, em que havia nitidamente uma pauta de reivindicações de esquerda, conduzida por movimentos autônomos, cumpriu o seu papel de estar ao lado do “Partido da Ordem” desqualificando a ação dos “novos vândalos”.
Estava, então, em plena sintonia com o governo de Dilma, principalmente na figura do ministro José Eduardo Cardoso, que colocou à disposição o serviço de inteligência da Polícia Federal para identificar e deter os vândalos. Em artigo escrito num site dirigido pelo celebrado pensador neoliberal Francis Fukuyama, o jornalista da Globo que pontifica na área internacional, William Waack, disse que os jovens do MPL (Movimento Passe Livre) tinham como proposta de sociedade um mistura de “estalinismo com maoísmo”). Mas dias depois, quando começam a aparecer reinvindicações a reboque de movimentos nitidamente reacionários, eis que a Rede passou a ver 2013 de forma diferente. Creio que Arnaldo Jabor é um exemplo disso. Durante o Jornal Nacional ele chamou os manifestantes de “arruaceiros, filhos da classe média, sem causa, que não precisavam ‘chorar’ R$ 0,20”. Cinco dias depois, fez uma retratação, assumindo que errou e que os protestos foram elevados a uma condição de “força política original”. Muitos viram na mudança de Jabor um recuo diante do crescimento das manifestações, mas creio que a tática era outra. Perceberam que havia uma energia de direita que precisava ser devidamente explorada.
A partir de então estava dada a nova senha da Rede Globo: derrubar o governo do PT, o cavalo de Tróia da esquerda. Sim, apesar de o governo petista ser extremamente conservador na maioria dos aspectos, sempre houve incômodo com o sucesso de certas políticas sociais como o Bolsa Família. De certa forma, a Rede Globo passou a assumir uma nova face: conspiração. Passou a fazer cobertura exaustiva, explorando mínimos detalhes de supostas denúncias. A emissora passou a atuar em parceria com a Polícia Federal, com o juiz Sergio Moro e a oposição ao governo. Vários de seus mais influentes jornalistas no Twitter e blogs passaram a espalhar frequentemente boatos e fofocas nas redes. Esse processo chegou ao auge com a divulgação da gravação de escuta telefônica de conversa entre Dilma e Lula. Os âncoras do JN reproduziram o diálogo de forma teatral, melodramática e em tom de fofoca, estimulou as pessoas a saíram às ruas de forma ensandecida.
Em momentos como esses, nada mais propício para ouvir um estrangeiro. De acordo com um dos mais conceituados jornalistas internacionais, Glenn Greenwald, a crise política brasileira guarda algumas semelhanças com o que ocorre nos EUA. Tentando traduzir para o público norte-americano o que estava acontecendo no Brasil, disse ele: “Considere o papel da Fox News na promoção dos protestos do Tea Party. Agora, imagine o que esses protestos seriam se não fosse apenas a Fox, mas também a ABC, NBC, CBS, a revista Time, o New York Times e o Huffington Post, todos apoiando o movimento do Tea Party. Isso é o que está acontecendo no Brasil”, ou seja, no que se refere ao poder da mídia – notem bem – a situação do Brasil é muito pior do que a dos EUA, uma situação fora de controle, “gerando instabilidade e libertando forças sombrias, com um resultado quase impossível de se imaginar”.
Pode-se afirmar, sem sombra de dúvida, que a Rede Globo está no auge de seu poder e não vê limites para a sua ação, mas despertou forças que podem ser incontroláveis. Assim é sempre bom lembrar a sabedoria de um ditado popular na Roma antiga: Do Capitólio à Tarpeia não há mais do que um passo. (Capitólio era o nome de um templo da Roma antiga que tinha o significado de glória e poder. Já Tarpeia era uma rocha de onde eram jogados os traidores de Roma). Moral da história: a degradação extrema segue de perto o momento de triunfo.
*Reginaldo Nasser é mestre em Ciência Política pela Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela PUC (SP) área de concentração em Relações Internacionais. É professor do Departamento de Política da PUC (SP) desde 1989