Armando Boito: É um golpe branco e não será indolor
Para o professor de Ciência Política Armando Boito, o combate à corrupção – que, em teoria, mobilizou milhares de pessoas no domingo (13) – é utilizado pela oposição, de forma seletiva, para substituir seu programa real, bem menos popular. Segundo ele, a crise econômica, “as revelações e invenções” da Lava Jato e a atuação de uma “mídia militante” têm insuflado a população a se manifestar contra o governo e o PT. Ele alerta para os riscos de uma investida golpista, que, avalia, não será indolor.
Publicado 14/03/2016 12:05

Por Joana Rozowykwiat
Em entrevista ao Portal Vermelho, Armando Boito destaca, entre os motivos que levaram as pessoas às ruas neste domingo, o agravamento da crise econômica, que impacta na vida das pessoas, gerando insatisfação. Mas enumera ainda dois fatores que ajudam na mobilização em torno do discurso do combate à corrupção.
“Tem também o comportamento cada vez mais ousado da Lava Jato, nas suas revelações, nas invenções e nos abusos. E, finalmente, há a militância da mídia. Porque é mesmo uma coisa muito militante [a atuação dos veículos de comunicação]”, critica.
Segundo ele, há invenções que a própria mídia trata de converter em verdade. “São invenções que, às vezes, duram 24 horas, como essa coisa de que o Delcídio denunciou corrupção da Dilma na campanha de 2004. No dia seguinte, Delcídio emitiu nota desmentindo. Mas já virou verdade, porque foi capa da IstoÉ”, cita.
Para Boito, a cobertura que a grande mídia fez dos protestos deste domingo é outro exemplo dessa atitude partidária. “Fizeram as manifestações na parte da manhã no Rio, em Belém, etc. Tudo era, na verdade, um esquenta para a Avenida Paulista. A mídia ficou de manhã, no fundo, cobrindo e convocando para a Avenida Paulista. Então tem uma atitude militante da mídia.”
Sobre o perfil dos militantes que foram às ruas, Boito avalia que se trata de um pessoal de direita, oriundo de famílias abastadas, fundamentalmente da alta classe média e da burguesia. “Esses são os que estão mobilizados. Agora tem uma grande parte da população que está sensibilizada pelas denúncias e invenções sobre corrupção. Esse pessoal não é militante, mas está neutralizado ou atraído por essa propaganda”, avalia.
“Corrupção” esconde real programa da direita
Boito lembra que o tema da corrupção vez ou outra volta à cena. “O discurso da corrupção é tradicional na história política brasileira. Evocou-se a corrupção em 1954 e, depois, em 1964. Em 1992, a corrupção foi evocada mais uma vez, mas já com um conteúdo de uma insatisfação com as medidas neoliberais de Collor, então foi diferente. Mas a corrupção tem sido uma espécie de programa retórico que substitui o programa real”, aponta o professor.
Para ele, a oposição tem dificuldades em expor seu verdadeiro projeto para o Brasil, pelo caráter impopular de seu conteúdo. “Ela tem dificuldade de falar o que pretende fazer com a Petrobras, com o pré-sal, com a campanha política de conteúdo nacional, com a política externa. Até fala isso em artigos no Estadão, porque é para um público menor. Mas falar nas ruas é diferente”, diz.
Nos tais artigos a que Boito se refere – e também na pauta defendida pela oposição no Congresso –, está claro que os adversários à direita da presidenta Dilma Rousseff pretendem resgatar o projeto neoliberal que vigorou no país nos anos 1990. Propõem desde a flexibilização de direitos trabalhistas e o fim das vinculações orçamentárias para a área de saúde e da educação, até retirar da Petrobras a prioridade na exploração do pré-sal e abrir as portas das estatais para a privatização.
Como é difícil arregimentar adeptos para tal plataforma, nas ruas, a oposição recorre ao tema do combate à corrupção, que tem impacto popular. “E, com o discurso da corrupção, eles neutralizaram ou atraíram setores populares para a campanha golpista. Hoje tem setores populares que estão neutralizados diante dessa campanha ou foram atraídos para ela por causa do discurso da corrupção, que é o discurso ao qual recorrem as minorias que não podem expor seus verdadeiros programas”, afirma.
O pior, no entanto, é que a retórica da moralidade é apenas isso: retórica. “E claro que não podemos acreditar nesse discurso, à medida que ele é seletivo. Se eu falo que luto pela corrupção, mas só luto contra a corrupção de um lado, então não é contra a corrupção que eu estou lutando. E é isso que está acontecendo no Brasil”, aponta.
Afinal, muitos daqueles que se esforçam para criminalizar o PT estão envolvidos em escândalos de corrupção – alguns denunciados no âmbito da própria Operação Lava Jato. Mas, se processos contra o PT são alardeados na imprensa como se tivessem já sido julgados e avançam em ritmo acelerado, o mesmo não se pode dizer das denúncias de irregularidades que envolvem, por exemplo, tucanos de alta plumagem, que ou são arquivadas, ou suas apurações se arrastam por anos a fio.
O fato parece ter chamado a atenção de alguns dos manifestantes que foram às ruas neste domingo. Eles receberam o senador Aécio Neves e o governador Geraldo Alckmin com vaias e gritos de “fora corruptos” e questionaram, em cartazes, porque o juiz Sérgio Moro, da Lava Jato, não investiga os tucanos.
O golpismo que ninguém sabe onde vai dar
O cientista político não hesita em classificar a ofensiva contra o mandato da presidenta Dilma como um golpe. Ele lembra que, desde a vitória da petista nas eleições de 2014, a oposição busca pretextos para retirá-la do cargo. Primeiro, questionando o resultado das eleições, depois, alegando defeitos na prestação de contas da campanha, em seguida, veio o argumento das tais pedaladas fiscais.
“Agora reabriram o processo da campanha de 2014. Então são sucessivos e distintos motivos, com um único objetivo, que é depor a Dilma. A única coisa que há de verdade é isso. O resto é pretexto. Então, não merece credibilidade. Eles querem é anular o resultado eleitoral de 2014. É um golpe branco, como foi o do [ex-presidente Fernando] Lugo no Paraguai”, compara.
O professor alerta para os riscos que podem vir dessa estratégia da direita, que passa por cima da Constituição. Para ele, essa investida pode ter consequências imprevisíveis até para a oposição.
“Com o golpe, eles não querem uma ditadura, querem uma nova eleição – ou o Aécio, ou [Michel] Temer; enfim, aí varia. Mas uma coisa é o que eles planejam, o que eles querem ou desejam. Outra coisa vai ser o resultado histórico dessa monstruosa agitação que eles estão fazendo e dessa operação arriscada de rasgar a Constituição que eles estão fazendo”, adverte.
Boito lembra que a UDN apoiou o golpe de 1964, com a expectativa de que haveria eleição para presidente em 1966. “O [Carlos] Lacerda era candidatíssimo, se considerava praticamente eleito. Mas não foi como eles esperavam, não combinaram com os militares e os militares ficaram no poder. Lacerda, em 1968, estava na Frente Ampla contra o governo militar. Então as coisas não saem como planejadas”, diz.
Golpe não será indolor
Segundo ele, diferente do cenário em que se deu o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, uma investida contra o mandato de Dilma não passará em brancas nuvens. Haverá resistência e a sua repressão pode levar o país a uma situação imprevisível.
“Não vai ser uma operação indolor como foi a substituição do Collor pelo Itamar. E, em não sendo, vai haver atrito e, em havendo atrito, a coisa pode tomar um rumo que eles mesmos não estão imaginando agora”, prevê.
Ele antecipa que, se a oposição insistir em uma deposição da Dilma, vai haver resistência sindical, do MST, dos estudantes e partidos. “Aí você chama a PM para conter. Pode não bastar. Aí você decreta estado de emergência. Quer dizer, a coisa vai complicar muito mais do que eles estão planejando”, opinou.
Para o cientista político, depois das manifestações deste domingo e da convenção partidária do PMDB – em que a sigla sinalizou um afastamento do governo – , a situação do governo Dilma ficou mais complicada, especialmente se a presidenta não tomar medidas que favoreçam uma aproximação com a população trabalhadora.
“Entrou em uma fase mais difícil para o governo, no Congresso e nas ruas. Mas não está definido o jogo”, ponderou, defendendo que é preciso reforçar as atividades que acontecerão nos dias 18 e 31 de março, em defesa da democracia e do mandato da presidenta.