Marina, Maria e o machismo que mata
O desaparecimento de Marina e Maria comoveu a América Latina nas últimas semanas. Seus corpos foram encontrados com golpes na cabeça e dois homens confessaram o crime. Na internet, houve quem culpasse as mulheres pelo assassinato. Por outro lado, uma jovem escreveu uma carta emocionante em homenagem às vítimas
Publicado 09/03/2016 12:24
A América Latina se comoveu com o desaparecimento o de duas jovens turistas argentinas no Equador. Marina Menegazzo e María José Coni estavam viajando pelo país quando desapareceram de uma região litorânea em 22 de fevereiro. Em um esforço de busca que envolveu inclusive o presidente do país, Rafael Correa, dois corpos foram encontrados poucos dias depois, com sinais de golpes na cabeça.
Ainda há muitos pontos para esclarecer na história, mas dois homens foram detidos, e um deles contou à polícia que se ofereceu para ajudar as meninas, que estavam sem dinheiro. Elas foram com eles para uma casa, onde os dois tentaram estuprar as jovens.
“Segundo o relato do detido, ele e seu amigo estavam bêbados, e um deles levou uma das meninas ao seu quarto e tentou tocá-la. A jovem resistiu e ele deu uma paulada em sua cabeça, que a matou instantaneamente“, contou ao La Nacion Eduardo Gallardo Rodas, um dos responsáveis pela investigação do caso no país. A outra jovem, segundo a investigação, morreu após tomar uma facada.
Segundo o pai de uma das vítimas, antes de chegarem ao Equador, elas passaram por Santiago do Chile, Lima e Machu Picchu.
Homenagem
Guadalupe Acosta é estudante de Comunicação no Paraguai e, aparentemente, não tem nenhuma relação com as vítimas. A jovem, no entanto, escreveu uma carta emocionante em memória das duas.
“E só morta entendi que para o mundo eu não sou igual um homem. Que morrer foi minha culpa, que sempre vai ser.”
Leia abaixo a íntegra do texto:
“Ontem me mataram.
Me neguei a deixar que me tocassem e, com um pedaço de pau, me arrebentaram o crânio. Me deram uma facada, e me deixaram morrer sangrando.
Como lixo, fui enfiada em uma sacola plástica, fechada com fita adesiva, e fui jogada em uma praia, onde horas mais tarde me encontraram.
No entanto, pior do que a morte, foi a humilhação que veio depois. Desde o momento em que encontraram meu corpo inerte, ninguém se perguntou onde estava o filho da puta que acabou com meus sonhos, minhas esperanças, minha vida.
Não, mas logo começaram a me fazer perguntas inúteis. A mim, imaginem, uma morta, que não pode falar, que não pode se defender.
– Que roupa você usava?
– Por que andava sozinha?
– Como uma mulher vai viajar desacompanhada?
– Estava em um bairro perigoso, o que esperava?
Questionaram os meus pais, por me darem asas, por deixarem que eu seja independente, como qualquer ser humano. E disseram que, seguramente, nós andávamos drogadas e buscamos por isso, que alguma coisa nós fizemos, que nós deveríamos ter sido vigiadas.
E só morta eu entendi que não, para o mundo, eu não sou igual a um homem. Que morrer foi minha culpa, que sempre vai ser. Enquanto que se a notícia fosse ‘dois jovens turistas mortos’ as pessoas estariam prestando condolências e, com seu discurso falso e hipócrita de dupla moral, pediriam pena maior aos assassinos.
Mas quando é uma mulher, se minimiza. Se torna menos grave, porque é claro, eu mesma busquei. Fazendo o que eu queria, encontrei o que merecia por não ser submissa, por não querer ficar dentro de casa, por investir meu próprio dinheiro em meus sonhos. Por isso e por muito mais, me condenaram.
Me entristeci, pois não estou mais aqui. Mas você está. E é mulher. E tem que aturar o mesmo discurso de “se dar valor”, de que é sua culpa que gritem na rua que querem tocar/lamber/chupar seus genitais porque você veste um short com 40 graus de calor, de que se você viaja sozinha você é “louca” e que muito seguramente, se algo acontece com você, se pisoteiam os seus direitos, foi você que buscou isso.
Peço que por mim e por todas as mulheres que foram caladas, silenciadas, que tiveram suas vidas e seus sonhos acabados, você levante a voz. Vamos brigar, ao seu lado, em espírito, e prometo que um dia seremos tantas, que não vão existir sacos plásticos suficientes para nos calarem.”